sábado, 25 de julho de 2009

O valor dos pequenos prazeres

Cristiane Segatto*
A felicidade está nos
'micoromomentos',
sugere estudo de
universidade americana
Sábado eu fui feliz. Aluguei uma bicicleta e pedalei na ciclovia do Parque Villa-Lobos, em São Paulo. Nunca tinha estado ali num final de tarde. O sol não ardia, a luz era alaranjada, o encanto era outro. Meus músculos trabalhavam para minha mente se desgarrar. Viajou ao passado, analisou o presente, bisbilhotou o futuro – não necessariamente nessa ordem.
Na primeira volta, fiz uma descoberta deliciosa: o point dos namorados no Parque Villa-Lobos não é o viveiro de mudas, não é a sombra das árvores, não é um cantinho qualquer. É uma ribanceira com vista para a Marginal Pinheiros. É ali que os casais – abonados, pobres ou remediados – estendem toalhas no chão e fazem o tempo parar.
Como se estivessem no mais belo dos mirantes, contemplam o rio imundo e a passagem frenética dos carros. Precisei dar mais uma volta completa no parque até conseguir entender que prazer eles conseguiam enxergar.
Alinhei o meu olhar com o deles e respeitei o silêncio. O que se ouve é um "vrummmmm" contínuo e distante. Ele serve de fundo sonoro para uma experiência incomum: a de sair do palco da cidade para ser espectador. Quem passa a semana praguejando no trânsito da Marginal ganha, no sábado, a chance de olhar aquelas tantas pistas por uma outra ótica. De cima, como se não fizesse parte daquela engrenagem.
Os carros, o trem, o rio – nada daquilo parece real quando deitamos na grama e os observamos de longe. Concordo com os casais. Aquele lugar "dá um barato". E é romântico.
É admirável a capacidade dos moradores de São Paulo de encontrar a felicidade numa cidade tão dura. A explicação, para mim, só pode ser uma: esses heróis da resistência sabem enxergar o valor dos pequenos prazeres. Inventam oportunidades para que o prazer exista nos lugares mais improváveis.
Um carioca, numa rápida visita a São Paulo, não entenderia a felicidade dos casais que contemplam a Marginal Pinheiros como se estivessem nas Paineiras. Estranharia também a alegria da mulher apaixonada que ganha flores compradas no Cemitério do Araçá.
Sempre precisei de muito pouco para ser feliz. Coisas como namorar a noite inteira e, entre um cochilo e outro, reconhecer Neil Young tocando no aparelho três em um. Acordar ao meio-dia com uma fome de um mês. Caminhar pela rua plana até a feira de domingo. Comer dois pastéis com caldo de cana. A lembrança dessa felicidade vira-lata, que me inspira há tantos anos, vai durar para sempre.
Qual é o efeito terapêutico dos momentos felizes que acumulamos na vida? O senso comum nos diz que eles só podem fazer bem. Há quem se dedique a responder isso cientificamente. A professora de psicologia Barbara Fredrickson, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, tentou medir o valor dos pequenos prazeres.
Durante um mês, 86 voluntários relataram diariamente as emoções que sentiram, em vez de responder a questões genéricas, do tipo "Nos últimos meses, quanta alegria você sentiu?". O resultado foi publicado no mês passado na revista científica Emotion, publicada pela Associação Americana de Psicologia.
Quanto mais emoções positivas uma pessoa sentia a cada dia, mais acentuada era sua capacidade de se recuperar de situações difíceis ou estressantes, concluiu Barbara. "Pequenos momentos de prazer fazem florescer as emoções positivas. Elas nos tornam mais abertos", diz Bárbara. "E essa abertura para o mundo nos ajuda a construir recursos que favorecem a recuperação diante da adversidade, nos mantém longe da depressão e nos permite continuar a crescer."
Segundo o estudo, ninguém precisa adotar uma postura de Polyana e negar as decepções que a vida nos reserva. Nem achar que a felicidade seja decorrente apenas dos momentos grandiosos. As emoções positivas que produziram mais benefícios durante a pesquisa não eram derivadas de eventos extraordinários. "É preciso valorizar os 'micromomentos' que podem produzir uma emoção positiva aqui ou ali", diz Barbara.
Cada vez mais busco esses "micromomentos". Quando minha filha me mostrou no sábado que já era grande o suficiente para deslizar sobre patins in-line, vivi um desses "micromegamomentos". Ontem mesmo eu estava grávida. Hoje ela já é essa menina apaixonante que, equilibrada sobre as rodinhas, alcança meu ombro.
Quanto vale olhar aqueles longos cabelos ao vento, aquela franjinha que encobre as sobrancelhas grossas e retribuir o sorriso mais sincero que já vi? Como diz aquela propaganda de cartão de crédito, isso não tem preço.
E você? O que tem feito para ser feliz? Conte pra gente. Queremos ouvir a sua opinião.
*Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI84212-15230,00-O+VALOR+DOS+PEQUENOS+PRAZERES.html

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