Gaudêncio Torquato*
A viúva tinha uma galinha que punha um ovo a cada dia. Imaginou que, comendo mais cevada, a bichinha botaria dois ovos por dia. Aumentou-lhe a ração. A galinha tornou-se gorda, não foi mais capaz de pôr nem o ovo cotidiano.
Quem ambiciona cada vez mais perde até mesmo o que possui. É isso que ensina Esopo em sua fábula. A galinha é o PT. De tanto engordar com a cevada dada pelo dono do galinheiro, o presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores perdeu aquilo que lhe era mais precioso: o ovo ideológico.
Pode ser que a cozinha petista delicie seus milhões de comensais com menu à base do galináceo. Mas, convenhamos, o farto repasto deixou de ser um prato que já foi considerado o mais diferenciado do banquete partidário nacional. A pimenta malagueta foi trocada por vinagre adocicado. Do bornal partidário saem alimentos inodoros, incolores e insossos.
A mais evidente demonstração da sensaboria petista é o enquadramento imposto por Lula à bancada no Senado em relação ao senador José Sarney. Alguns senadores se inclinavam a pedir a licença temporária do presidente da Casa. Refluíram na intenção, obrigando o líder do partido, senador Aloizio Mercadante, a proferir um dos mais ambíguos discursos de sua vida, algo que flutuou entre o ser e o não ser. Na oratória, o que faltou em substância sobrou em entonação vocal, sugerindo compensação entre o conteúdo (tênue) e a forma (volumosa). É evidente que o PT preza, e muito, a cevada que recebe do presidente Lula. Tem sido a principal vitamina para sua expansão no território nacional, ou melhor, para a fixação de estacas nos grotões do País, a partir do Nordeste, onde tira votos de grandes partidos, como DEM e o próprio PMDB.
A reconstrução do partido com argamassa pasteurizada tem como justificativa, para lembrar a peroração de Mercadante, a preservação da governabilidade. Em termos claros, significa correr ao balcão de compra e venda de produtos com o selo do pragmatismo. Nesse caso, o vendedor é o PMDB, a mais poderosa sigla nacional, que reúne os maiores contingentes de prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais e senadores. Fica claro que uma sólida aliança com ele propiciará a capilaridade necessária a uma campanha política, além de agregar o maior tempo de rádio e TV na programação eleitoral. Trata-se de decisão oportuna, até porque o passado mostra que um dos maiores erros de Lula foi vetar o acordo firmado ao final de 2002, antes de iniciar seu primeiro mandato, entre o PT e o PMDB. Com frouxo apoio no Congresso, foi difícil ao governo aprovar matérias de seu interesse. De lá para cá, o presidente repaginou a identidade. Deixou de exibir o traje de torneiro mecânico do ABC para explorar a origem nordestina. Plantou sementes que lhe dão frutos nas searas das classes sociais. Sedimentou o lulismo, cujo ideário se inspira no pragmatismo, e destroçou os esquadrões petistas que teimavam em ir à luta com os velhos canhões ideológicos. O verbo curvou-se às verbas.
*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor políticohttp://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1643416&area=2190&authent=0DE8F7127D9DD2357ACF80450FEAA7 17/07/2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário