domingo, 19 de julho de 2009

Temores do presente...

Zigmunt Bauman*
IHU - É uma época em que os medos têm um lugar de destaque. Quais são os principais temores que nos traz o presente?
Zigmunt BAUMAN - Acredito que as características mais destacadas dos medos contemporâneos são a sua natureza disseminada, a subdefinição e a subdeterminação, características que tendem a surgir nos períodos do que se pode chamar de “interregno”. Antonio Gramsci escreveu nos Cadernos do Cárcere o seguinte: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer: neste interregno surge uma grande variedade de sintomas mórbidos”. Gramsci deu ao conceito “interregno” um significado que abarcou um espectro mais amplo da ordem social, político e legal, ao mesmo tempo em que se agravava a situação sociocultural; ou melhor, tomando a memorável definição de Lênin da “situação revolucionária”, como a situação na qual os governantes já não podem governar enquanto que os governados já não querem ser governados, separou a idéia de “interregno” de sua habitual associação com o interlúdio da transmissão (acostumada) do poder hereditário ou escolhido e o associou a situações extraordinárias nas quais o marco legal existente da ordem social perde força e já não pode se manter, enquanto que um marco novo à medida das novas condições que tornaram inútil o marco anterior está ainda em uma etapa de criação, não está estruturado ou não tem força suficiente para que se instale. Proponho reconhecer a situação planetária atual como um caso de interregno. De fato, tal como postulou Gramsci, “o velho está morrendo”.
A velha ordem, que até faz pouco se baseava em um principio “trinitário” de territorio, estado e nação como chave da distribuição planetária de soberania e num poder que parecia vinculado para sempre à política do estado-nação territorial como o seu único agente operativo, está agora morrendo. A soberania já não está ligada aos elementos das entidades e o princípio trinitário; ao máximo está vinculada aos mesmos, mas de forma frouxa e em proporções muito mais reduzidas em dimensões e conteúdos. A suposta união indissolúvel do poder e da política, por outro lado, está terminando e com perspectivas de divórcio. A soberania está sem âncora e boiando. Os estados-nação se encontram em situação de partilhar a companhia conflitiva de aspirantes a, ou, pretensos sujeitos soberanos sempre em disputa e competição com entidades que fogem com sucesso à aplicação até então do princípio trinitário obrigatório de atribuição, e com bastante frequência ignorando de maneira explícita ou escapando de forma furtiva de seus objetos designados. Um número cada vez maior de competidores pela soberania já excede, se não de forma individual, sem dúvida de forma coletiva, o poder de um estado-nação médio (as companhias comerciais, industriais e financeiras multinacionais já constituem segundo Gray, “ao redor da terça parte da produção mundial e dois terços do comércio mundial”).
* Sociólogo residente em Londres e professor emérito de sociologia das Universidades de Leeds e de Varsóvia.
Parte da entrevista a HÉCTOR PAVÓN do jornal Clarin, 18/07/2009 - tradução é do Cepat e postado no IHU/Unisinos, 19/07/2009.

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