Rubem Alves*
Meninas e meninos: Às vezes, para explicar o comportamento dos homens, os escritores contam estórias. Pois hoje eu vou contar uma estória.
Houve uma briga na floresta acerca da dieta a ser adotada por todos os bichos. De um lado estavam as vacas, as ovelhas, os patos, as galinhas, as girafas, os macacos, os bichos-preguiça, que diziam que a melhor dieta era a vegetariana: capim, folhas, flores, frutos. Alegavam que as coisas que cresciam da terra eram ricas em vitaminas e faziam bem à saúde.
Do outro lado estavam as piranhas, as hienas, os gambás, os lobos, as onças que, ao contrário, afirmavam que o melhor mesmo era uma dieta de carne, porque a carne é rica em proteínas, que são fontes de energia. “Quem come carne é mais forte”, diziam. A briga fez tamanha confusão que os bichos resolveram decidir o assunto por meio da coisa mais democrática possível. “Vamos fazer uma eleição!” Todos concordaram. “Pela eleição vamos escolher os bichos que vão decidir a questão, por meio de leis.” Todos concordaram de novo. E assim aconteceu.
Formaram-se dois partidos. Os vegetarianos deram ao seu partido o nome de Partido das Bananas, porque as bananas, sem dúvida alguma, são as frutas que melhor representam a alma dos vegetarianos. Todo vegetariano gosta de banana. Além disso, há bananas em abundância na floresta. Ninguém ficará com fome. Os outros bichos se reuniram e pensaram que o nome do seu partido deveria ser Partido da Linguiça: só de falar o nome a boca se enchia d’água...
Mas os carnívoros eram espertos. Aprenderam de Maquiavel que a verdade não devia ser dita na política. Perceberam que nenhum membro do Partido das Bananas iria votar num candidato do Partido da Linguiça. Por uma razão simples: os bichos vegetarianos seriam aqueles que seriam transformados em churrasco: os bifes das vacas, as linguiças dos porcos, os peitos dos frangos, os perus assados, as coxas dos avestruzes... Todas as pesquisas do Ibope indicavam que os vegetarianos ganhariam as eleições, por serem em número muito maior que os carnívoros. Assim, astutamente, os carnívores reuniram-se para saber o que fazer. Um camaleão chamado Dudu, carnívoro, apreciador de rinhas de galo, o sangue sempre o excitava, pediu a palavra: “Companheiros”, ele disse, “guerras são ganhas enganando-se o inimigo. Essa é uma lição que aprendemos dos humanos. Os soldados se camuflam para chegar perto de suas presas. Vestem-se de forma a parecer árvores e folhagens. Quando os inimigos se dão conta é tarde demais. É assim que eu faço. Mudo de cor. Fico parecendo um galho de árvore. O inseto só me percebe quanto minha língua visguenta o lambe. Queria sugerir, então, que usassem a minha tática. Se nos proclamarmos carnívoros os vegetarianos não votarão em nós. Vamos nos fantasiar de vegetarianos!”
Todos aplaudiram a brilhante reflexão do companheiro Dudu e resolveram dar ao seu partido um nome bem ao gosto dos vegetarianos: Partido dos Abacaxis. Todo mundo gosta de abacaxis, tão doces, tão perfumados, tão brasileiros. E assim foi. Iniciou-se, então, a campanha do Partido das Bananas contra o Partido dos Abacaxis. Os vegetarianos faziam comícios em que bananas eram distribuídas por todos. As galinhas, os patos e os perus não perdoavam nem mesmo as cascas... Os carnívoros promoviam grandes churrascos só que, ao invés de picanhas sobre as brasas, eram abacaxis sobre as brasas. Faziam churrasco de tudo quanto era vegetal. Além dos abacaxis, bananas, pinhões, batatas, mandioca, cebolas, tomates, pimentões. Assim, os dois partidos tinham o mesmo programa: dieta vegetariana para todos.
Os membros do Partido das Bananas sentiram, de longe, o cheiro bom dos churrascos do Partido dos Abacaxis. E começaram a se aproximar. Perceberam que os membros do Partido dos Abacaxis não eram tão maus quanto se diziam. Chegaram mais perto. Provaram. Gostaram. “É, churrasco de banana é mais gostoso que banana crua”, disseram. E até os macacos aderiram.
Aí veio a eleição. Os candidatos eleitos democraticamente teriam o poder para determinar qual seria a dieta de todos os bichos. E, ao dar aos seus representantes o poder para decidir, os bichos estavam, com esse ato, abrindo mão do seu próprio poder de decidir. Depois de feitas as leis só lhes restava obedecer. E foi o Partido dos Abacaxis que ganhou as eleições...
(continua)
*Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1643661&area=2220&authent=403512373262124017121532401262 19/07/2009
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