quinta-feira, 23 de julho de 2009

Retorno do ateísmo?

Rosino Gibellini*
A difusão do ateísmo e o ataque à religião
parece estar revelando o surgimento de
"uma retomada do cientificismo do século XVIII,
que se autoapresenta como
'naturalismo científico'",
ou seja,
uma pretensão da ciência de ser
uma explicação exaustiva da realidade.
É um fenômeno facilmente observável nas livrarias e na imprensa: vão-se difundindo livros que propagam o ateísmo e tentam atacar diretamente a religião, particularmente o cristianismo, alcançando também tiragens de best-sellers.
Pode-se dar uma dupla explicação do fenômeno: de um lado, é uma reação ao terrorismo islâmico de matriz religiosa, mas também ao fundamentalismo e integrismo religioso: islâmico, judeu e cristão, oportunamente examinado pelo livro do filósofo francês Gilles Kepel, "A Revanche de Deus" (Siciliano, 1991). De outro, esse fenômeno pode ser visto como uma retomada do cientificismo do século XVIII, que se autoapresenta como "naturalismo científico", para o qual a ciência, sobretudo na sua versão evolucionista, tem a pretensão de ser uma explicação detalhada e exaustiva da realidade. É esse fenômeno que é aqui caracterizado como "novo ateísmo".
O mérito do recente livro "Dio e il nuovo ateismo" (Giornale di teologia 339) do teólogo norte-americano de Washington, John Haught, entre os maiores especialistas em seus estudos e publicações sobre a relação entre fé e ciência, é de conhecer a variada literatura a respeito, sobretudo em língua inglesa, mas também de se concentrar sobre os livros mais completos e mais difundidos dessa tendência, precisamente "Deus, um delírio" (Companhia das Letras, 2007), de Richard Dawkins; "A morte da fé" (Companhia das Letras, 2009), de Sam Harris; "Deus não é grande" (Ediouro, 2007), de Christopher Hitchens.
Frequentemente, aparece também um outro nome: Daniel Dennet, com o seu livro "Rompere l'incantesimo: la religione come fenomeno naturale" (2006), que desenvolve a teoria do "naturalismo científico" e que representa a fonte teórica da vasta literatura do "novo ateísmo". A concentração sobre textos principais, no contexto dos outros escritos, amplamente citados (também na correspondente edição italiana), permite que o teólogo desenvolva um tratamento essencial e pontual, expositivo e crítico, das teses principais desse fenômeno.
John Haught sintetiza intensamente a massa desses escritos com o conceito de "novo ateísmo", que remete a uma distinção recorrente no seu tratamento. Ele distingue entre ateísmo duro (hard-core) e ateísmo fraco (soft-core). O ateísmo duro é o ateísmo clássico (Feuerbach, Marx, Nietzsche, Freud, Sartre), que tinha a consciência das consequências filosóficas, culturais e existenciais da negação radical de Deus, o que o novo ateísmo não tem, por ignorar as consequências niilistas da posição que defende. Trata-se, diria, de um ateísmo desenvolto, exclusivamente polêmico com relação à religião. Nesse sentido, o filósofo alemão Klaus Müller fala de um "ateísmo como contra-religião (Gegenreligion)".
Os teóricos do novo ateísmo enfatizam a ciência, tanto que o seu ateísmo é chamado também de "ateísmo biológico" (Streit), e não se dão conta da complexidade do "problema de Deus", que remete à busca da filosofia, de Platão a Wittgenstein, e da teologia, de Agostinho a Schleiermacher, Tillich e Rahner, mas também à busca e à projetualidade humana em toda a sua vastidão e profundidade.
O escritor John Cornwell, em seu livro "O Anjo de Darwin" (Imago, 2008), que é uma elegante e articulada carta ao teórico da evolução de Oxford Richard Dawkins, o principal representante do movimento, chama esses escritores de "ateus fundamentalistas", por procederem, simplificando os problemas, como fazem, do lado oposto, os fundamentalistas religiosos, opondo criação a evolução.
Em conclusão à sua firme resposta aos "novos ateus", Cornwell cita o primeiro parágrafo do livro do físico teórico Lee Smolin, "L'universo senza stringhe" (2007) (Nota do IHU: O livro traduzido para o português pela Editora Unisinos): "Independentemente se existe ou não um Deus (ou até mesmo deuses), a nossa pesquisa do divino tem algo de enobrecedor. E também algo que nos torna mais humanos, que se expressa em cada um dos caminhos descobertos para alcançar um nível mais profundo da verdade. Alguns buscam a transcendência na meditação e na oração; outros, ao se colocarem a serviço do próximo; outros ainda, aqueles tão afortunados de ter o talento, na prática de uma arte. Um outro modo de se dedicar às questões mais profundas da vida é a ciência".
*Teólogo italiano
O artigo foi publicado na sessão Teologi@Internet, do sítio da editoria italiana Queriniana, em seu número 132, 17-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto postado no IHU/Unisinos, 23/07/2009

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