Rodrigo Coppe Caldeira*
Não é de hoje que Bento XVI demonstra preocupação com o que chama de “ditadura do relativismo” Desde a Congregação para a Doutrina da Féç, Joseph Ratzinger critica o estado espiritual do ocidente contemporâneo, como se lê em “Fé, Verdade e Tolerância: o cristianismo e as religiões do mundo”, publicado pela primeira vez em 2003 e em 2007, com edição brasileira pela Raiumudo Lulio.
O relativismo ético, que também tem seus reflexos no campo teológico, parece ser o principal cavalo de batalha de Bento XVI. Em meio à descrença generelaziada em qualquer tipo de discurso como possível portador de verdade e significados universalizantes, Bento XVI torna-se um padre no deserto da sequidão existencial.
Em seu último livro publicado na Itália – L’elogio della coscienza: la verità interroga il cuore – Bento XVI tenta demonstrar, em meio ao relativismo moral que perpassa as sociedades ocidentais, qual a função do papado. De fato, o papado é uma instituição não muito compreendida, especialmente nesses tempos.
Corriqueiramente me perguntam sobre o que acho de Ratzinger, sempre em comparação a João Paulo II, o papa midiático que encantava a todos com seu sorriso e até mesmo fragilidade com o passar dos anos.
Frente à repulsa a qualquer tipo de autoridade, Bento XVI, nesse seu último livro,visa lembrar qual o significado do papado e, para isso, utiliza-se de uma frase do famoso Cardeal John Henry Newman (século XIX), sacerdote anglicano inglês convertido ao catolicismo. Em uma tradução livre, Newman afirma: “Certamente se eu tivesse de trazer a religião para um brinde depois do almoço – coisa que não é muito indicado fazer – então eu brindaria ao Papa. Mas primeiro pela consciência, depois pelo Papa”.
Com essa assertiva o Cardeal pretendia minimizar as premissas da Igreja ultramontana – que centraliza a autoridade no papado devido à emergência do liberalismo e suas conseqüências políticas - ao afirmar que se deva aceitar a autoridade do Papa somente quando é considerada junto do primado da consciência. Ratzinger utiliza-se dessa frase para afirmar, contra o subjetivismo moderno, que o indivíduo tem em si a “presença perceptível e imperiosa da voz da verdade” dentro de si e que “a consciência é a superação da mera subjetividade no encontro entre a interioridade do homem e a verdade que provém de Deus” (p.18).
Segundo Bento XVI, “a verdadeira natureza do ministério de Pedro tornou-se incompreensível no todo na época moderna precisamente porque nesse horizonte mental se pode pensar a autoridade só com categorias que não consentem mais alguma ponte entre sujeito e objeto”. Ratzinger utiliza-se do conceito de anamnesis para falar da missão petrina. Como carregamos as “sementes do Verbo” em nossos corações, somos capazes, como nos fala Santo Agostinho, do Bem. Mais ainda: o homem é capax Dei (capaz de Deus). Essa capacidade, porém, não é tematizada, mas sim, experimentada como um senso interior, uma capacidade de reconhecimento.
Para Bento XVI, a anamnesis infusa no nosso ser precisa de uma ajuda do exterior para tornar-se consciente de si. Aí está a função central do Papa, uma função maiêutica, como lembra em algumas linhas a mensagem socrática..
Mais do que diretivas da hierarquia, que vêm de cima para baixo, afirma Bento XVI, é a capacidade de orientação da memória da fé simples, que leva ao discernimento dos espíritos. “Só em tal contexto se pode compreender corretamente o primado do Papa e a sua correlação com a consciência cristã”, nos diz ele.
(Texto do O Lutador, 1º a 10 de julho de 2009, pg.03)
*Graduado em História pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestrado em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Professor Assistente III do Departamento de Filosofia e Teologia da PUC/Minas Gerais.
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