BRAVO!, inspirada no britâncio The Guardian, l
evantou opiniões de críticos e autores
contemporâneos
para tentar descobrir quem
ultrapassou a obra
em que foi criado e,
portanto,
merece o título
Uma consulta curiosa foi publicada recentemente na versão digital do jornal inglês The Guardian. Intrigada pela frase publicada no material promocional de uma editora de livros, que apontava Sherlock Holmes como o personagem mais conhecido da literatura de ficção, a jornalista Lisa Kjellsson saiu por aí perguntando, entre blogs e emails, quem seria a personagem de ficção mais famosa de todos os tempos. Segundo ela, o que motivou a curiosidade foi o fato de que, ao ler a frase no livro, veio à sua cabeça a figura de Dom Quixote - rapidamente contestada por amigos.
Para pôr fim a uma discussão interminável, e ao mesmo tempo contemplar com justiça os cada um deles, o jornal publicou uma lista dividida pelo século em que foi concebida cada personagem:
Século XXI: Harry Potter
Século XX: James Bond
Século XIX: Sherlock Holmes (foram bastante citados Oliver Twist, Scrooge and Peter Pan)Século XVIII: Robinson Crusoe ou Gulliver
Século XVII: Hamlet
Publicada em um jornal inglês, não surpreende que a lista seja anglocêntrica. Diante disso, Bravo! adaptou a proposta, e levantou opiniões de críticos literários e autores contemporâneos para tentar descobrir quem é a personagem ficcional de maior projeção na literatura, chegando a ultrapassar a obra em que foi criada.
Por aqui, a controvérsia não foi tão grande. A vitória incontestável foi para a polêmica Capitu, criada por Machado de Assis no livro Dom Casmurro. Mas outros concorrentes também receberam honrosas menções. Ao lado da mulher dos olhos de ressaca, foi citado o próprio Bentinho. Gabriela e Dona Flor, inventadas por Jorge Amado, também apareceram nas respostas. A emblemática Diadorim foi lembrada, bem como o amigo Riobaldo, que narra Grande Sertão: Veredas.
Confira as opiniões:
"Acredito que todo mundo deve ter dito a Capitu, por causa da visibilidade que foi dada a ela por outros canais que não a literatura. Assim como os grandes personagens da literatura mundial, Capitu tem esse espírito de universalidade, embora ela seja muito local, muito brasileira. Ela carrega a simbologia da mulher como traidora, manipuladora. Mas lembro também de Riobaldo, que é uma figura marcante justamente pelo contrário, por ser regional, pela carga de Brasil que ele leva".Tânia Pellegrini - crítica e pós-doutora em teoria literária da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
Isso [quem é o mais famoso] varia historicamente, mas Capitu é a personagem que, independentemente de ter lido ou não o livro, as pessoas lembram, conhecem, sabem sobre ela. Acredito que essa fama tenha se criado em torno da controvérsia sobre a verdade ou não dos fatos narrados. O Bentinho faz uma série de suposições que levam a acusá-la, mas há a dúvida, gerada pela ausência de autoridade do discurso dele, ausência de credenciamento para dizer o que é real. Mas acho que nosso país não é suficientemente letrado para ter em nossa literatura um símbolo, como o Dom Quixote, o Gulliver, o Ulisses".
Alcir Pécora - crítico e professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp
"Há dois personagens da literatura brasileira que devem ser destacados, a meu ver, por sua densidade ficcional: Riobaldo e Bentinho. Ambos são tão complexos que geram outros dois personagens igualmente impressionantes: Diadorim e Capitu, respectivamente. Mas há também Macunaíma que nunca perde a vitalidade. É sempre o tipo brasileiro do passado, do presente e do futuro".
Luiz Tatit - crítico, músico e professor do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras da USP (FFLCH-USP)
"É complicado responder a essa pergunta, já que os critérios são um pouco abstratos. O conceito de "fama" virou algo tão abrangente e cheio de tentáculos que tenho certa dificuldade em pensar nesses termos. De qualquer forma, acaba sendo impossível escapar dos personagens que foram alvo de adaptações audiovisuais. Como critério pessoal, levei em consideração aqueles personagens que, antes mesmo da popularidade trazida pelas adaptações, já tinham alcançado sucesso através de seus romances de origem. Nesse sentido, acho difícil tirar o troféu das mãos de Dona Flor e Gabriela, as mais populares personagens do nosso mais popular escritor".
Chico Mattoso - escritor, autor de Longe de Ramiro, entre outros livros, e ex-editor da Revista Ácaro.
"Quis votar em alguma personagem que não tenha ido parar em novela, pois assim é fácil, então excluí Gabriela e Tieta do páreo. Voto na Emília, do Sítio do Picapau Amarelo, que já esteve na TV mas é essencialmente literária: com sua torneirinha de asneiras, é feita mais de palavras do que de carne. Além disso, Emília é menos dissimulada que duas concorrentes fortes: Capitu e Diadorim. Cansei de ser enganado por essas duas".
Paulo Werneck - escritor, tradutor e ex-editor da Revista Ácaro.
E para você? Quem é o personagem mais famoso da literatura brasileira?
Reportagem da revista BRAVO por ANNA CAROLINA RAPOSO
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