Jorge La Rosa*
O óbvio precisa ser dito. Ocorre também que o óbvio pode não aparecer com tanta obviedade, porque o espírito do tempo o desalojou, e algo mais urgente na ótica da cultura dominante precisa ser considerado. O ser humano, contudo, não é apenas um produto da cultura, ele é também um ser da natureza. Que precisa ser respeitada. E cuja violação pode ter o seu preço.
É o caso das crianças que precisam ser crianças, até os seis anos, e nada mais. E ser criança nesse período é brincar, principalmente brincar. Pode-se até aprender brincando, mas não podemos abdicar do brincar. Seria abdicar da infância. Da vida.
Há sabedoria na natureza. Ela não pode impunemente ser violada. O desenvolvimento a qualquer preço com agressão à natureza está mostrando seus resultados nos desmandos climáticos, nos tsunamis, no aquecimento global, na destruição das espécies, no esgotamento da vida.
Analogamente, as exigências que impomos às crianças ou os objetivos que lhes propomos podem estar agredindo sua natureza de criança: os resultados poderão não ser satisfatórios. Poderemos pagar pelos desmandos.
"Podemos nos capacitar, contudo,
que a melhor maneira de tratar
uma criança até os seis anos é permitir
que seja uma criança, ou seja, que brinque.
Muito. Será saudável, feliz.
E será a melhor maneira de
prepararmos seu futuro."
Uma das características de nosso tempo é a competitividade que existe entre indivíduos para conseguir vaga na universidade, emprego com alto salário, subir na hierarquia da empresa. Um dos objetivos dos pais, bem-intencionados, é preparar o filho para a competitividade que o aguarda em futuro não distante. Daí o ter que se alfabetizar precocemente, aprender inglês para falar fluentemente, uma das exigências do “mercado”, ser também iniciado em informática, no mundo das letras, dos números, e outras atividades necessárias para formar o adulto exitoso no dia de amanhã.
A pergunta que se impõe, com seus desdobramentos: não estamos colocando excessivo peso nos ombros infantis, não estão eles sendo pressionados pelos “deveres” a assumir? Sua infância não está sendo minada por compromissos excessivos, solapada por demandas próprias do mundo adulto? Há, ainda, tempo para ser criança? Precisamos pensar. Porque as crianças nesse período precisam, acima de tudo, brincar.
Desconhecemos, em sua amplidão, as consequências destas demandas, mas é comum em nossos dias diagnosticarmos crianças até seis anos com problemas de ansiedade, depressão, irritabilidade crônica, obesidade, hipertensão, insônia, problemas digestivos, inapetência e outros. Terão esses problemas relação com o modo de tratarmos as crianças, com as demandas que lhes propomos? É possível.
Podemos nos capacitar, contudo, que a melhor maneira de tratar uma criança até os seis anos é permitir que seja uma criança, ou seja, que brinque. Muito. Será saudável, feliz. E será a melhor maneira de prepararmos seu futuro. Exitoso! Porque está aberta para a vida, e vida é também a natureza.
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*Professor universitário, doutor em Psicologia
Fonte: ZH online, 09/02/2011
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