Entrevista:
Professor diz que influência de trabalhadores
aumenta receptividade a investimento estrangeiro
Luis Ushirobira/Valor
Gourevitch, da Universidade da Califórnia:
“Em países como o Brasil as escolhas não se
encaixam na dicotomia capital-trabalho”
"Os capitalistas não necessariamente leem meus artigos". A frase do cientista político Peter Gourevitch vem em tom de brincadeira, quando questionado se os temores do mercado foram demasiadamente injustificáveis e irracionais em relação à possibilidade de chegada ao poder no Brasil do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Tudo que viria depois, a manutenção dos cânones da política econômica, um governo afável ao capital, Gourevitch já previa.
Professor da Universidade da Califórnia, ele analisou a economia de 85 países, entre 1975 a 2004, e chegou à conclusão que vai contra a visão tradicional: a de que governos de esquerda espantam os investidores estrangeiros. Nesta entrevista, Gourevitch mostra por que não. Autor de um clássico sobre a relação entre política e grandes crises econômicas ("Politics in Hard Times", de 1986), ele é um dos convidados da conferência "Whatever Happened to North-South?", organizada pela Associação Internacional de Ciência Política (IPSA), pelo European Consortium for Political Research (ECPR) e pela Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), e que termina amanhã, na USP. Hoje, às 15h30, Gourevitch falará sobre os impactos da crise econômica de 2008.
Valor: O senhor defende que os governos de esquerda são os mais atraentes para os investidores. Isso contraria a tese tradicional de que o "capital vota com os pés", ou seja, de que a reação do grande capital é se retirar quando um governo de esquerda chega ao poder. Esse senso comum está errado?
Peter Gourevitch: Sim, é exatamente ao contrário. Mas o meu argumento é que os governos de esquerda são bons para os investidores estrangeiros. O capital doméstico é refratário a ele. Há mais tensão entre o capital doméstico e o trabalho do que entre este e o capital estrangeiro. O trabalhador quer que haja investimento que lhe proporcione a criação de mais empregos. O argumento tradicional da esquerda, de que capital e trabalho estão sempre em conflito, nem sempre é verdade. Depende de qual tipo de capital estamos falando e de qual tipo de trabalho.
Valor: Qual é a lógica que explica seu achado?
Gourevitch: É que o capital doméstico não quer o capital estrangeiro. A grande tensão em muitos países, especialmente da América Latina, é que o que é bom para a nação nem sempre é bom para o capital doméstico, que não quer a concorrência estrangeira. É protecionismo. No México, por exemplo, Carlos Slim, o homem mais rico do mundo, controla totalmente as telecomunicações e o que resulta disso é que há pouca competição, os preços são altos e há dificuldade em absorver investimentos externos. O capital nacional, no mundo inteiro, não gosta de competição. E usa o nacionalismo para proteger seus interesses. A esquerda segue a mesma linha.
Valor: De que modo?
Gourevitch: A esquerda propaga a ideia de que "não gostamos do mercado e por isso apoiamos políticas regulatórias" que restringem a competição. Não acho que isso seja bom para a esquerda. Ela poderia fazer bem melhor se apoiasse mais os investimentos estrangeiros, a competição, que levariam a mais empregos, a mais prosperidade. A esquerda também é protecionista. Isso é ruim, mas também não ocorre em todas as situações, não é um comportamento uniforme. A esquerda, na verdade, fica muito feliz quando o capital estrangeiro investe e cria empregos.
Valor: Apesar disso, o que vemos é que os partidos de direita se associam à defesa de uma maior liberalização dos mercados.
Gourevitch: Sim, mas não é verdade. Eles flertam. Mas o que eles realmente fazem? Os partidos de direita se dividem entre aqueles que acreditam que a competição e o capital estrangeiro são uma boa coisa, e aqueles que não os querem. Há muitas situações que países como o Brasil enfrentam e cujas escolhas não se encaixam em dicotomias como esquerda e direita e capital e trabalho.
Valor: Por exemplo?
Gourevitch: Lula é o maior exemplo do que estou falando. Quis agradar os trabalhadores, os mais pobres, mas também assumiu uma estratégia de atrair investimentos estrangeiros.
Valor: O senhor afirma que os governos de esquerda contribuem para reduzir a influência e a concentração dos grupos econômicos nacionais, pela proteção a acionistas minoritários, e isso atrai os investimentos. Como isso se dá?
Gourevitch: Mais uma vez, depende de quem estamos falando, de que tipo de investidor estrangeiro. Os fundos de pensão do exterior são muito favoráveis às proteções aos acionistas porque não querem investir em grandes empresas familiares nas quais não têm proteção. As grandes empresas familiares, que são a maioria na maior parte da América Latina, não querem dar proteções aos minoritários. Bancos privados podem gostar, mas não investidores institucionais.
Valor: O capital nacional, no entanto, nem sempre é refratário a investimentos estrangeiros...
Gourevitch: Sim, depende. Não, necessariamente. Se você é dono de uma mina, de uma fonte de recursos naturais, pode, por exemplo, ficar muito feliz com a chegada de investimentos externos que melhorem a malha de transportes para você escoar sua produção.
Valor: Há alguma outra tendência geral, além da atratividade dos governos de esquerda para o capital externo?
Gourevitch: Acho que a distinção entre esquerda e direita não dá conta dos conflitos. Porque você tem uma aliança - na maior parte dos países, incluindo os da América Latina - entre o capital doméstico e o trabalho que busca proteger de forma obsessiva a nação. O nacionalismo é a forma pela qual esta aliança se expressa.
Valor: Em 2002, o mercado brasileiro entrou em polvorosa, com a expectativa da eleição de Lula. A reação foi irracional?
Gourevitch: Eles estavam com medo. Lula surgiu na política com um discurso mais radical. E os capitalistas não necessariamente leem meus artigos (risos). Mas eu me lembro que essa expectativa da chegada dele ao poder gerou um debate grande. No entanto, lá fora, não foram poucos os que se perguntavam por que tanto medo se Lula era um político moderado. E eu mesmo alertava: as condições são seguras, Lula não é Hugo Chávez.
"É a maldição do petróleo.
Países ricos em óleo não têm
um desempenho muito bom no longo prazo
porque eles não desenvolvem seu
sistema político na mesma
proporção de suas riquezas econômicas."
Valor: Logo, o seu argumento não serve para qualquer governo de esquerda.
Gourevitch: Exato. Não dá para dizer esquerda é ruim e direita é bom. Há um tipo de esquerda que os investidores não gostam assim como há um tipo de direita que eles também não querem.
Valor: De que esquerda eles não gostam?
Gourevitch: Hugo Chávez, porque ele não está promovendo empreendimentos privados para desenvolver o país. Ele usa o poder estatal para objetivos políticos e pessoais e não respeita o que os homens de negócio querem fazer. Eles acham que há muito personalismo ali. Eles não gostam de [Fidel] Castro, Chávez, mas gostam de governos de esquerda moderados, como a Bachelet, no Chile, os Kirchner, na Argentina, e Lula.
Valor: E de quais governos de direita eles não gostam?
Gourevitch: Os corruptos e igualmente personalistas, como o de [Ferdinando] Marcos, nas Filipinas, há alguns anos.
Valor: Uma tese bastante difundida é a de quando o capital externo investe em países ricos em recursos naturais, como o petróleo, ele não tem como sair e precisa ficar e lutar, aumentando a chance de quebra de regime e autoritarismo. Como isso se encaixa em seu argumento?
Gourevitch: É verdade. Isso é muito comum. É a maldição do petróleo. Países ricos em óleo não têm um desempenho muito bom no longo prazo porque eles não desenvolvem seu sistema político na mesma proporção de suas riquezas econômicas. É muito fácil retirar petróleo e fazer com ele o que se bem entende. É o que acontece com Hugo Chávez. Se ele tivesse menos óleo teria que se comportar mais cuidadosamente. Teria que se preocupar com o que as pessoas querem, com o que os homens de negócio querem, que é treinamento educacional, infraestrutura etc.
Valor: Quais são as políticas mais típicas que os governos de esquerda fazem para atrair o capital externo?
Gourevitch: Eles tentam estabilizar a economia, criar políticas decentes para o mercado, mostrar que também investem em educação, tentam facilitar a vida econômica, reforçam o investimento social, em infraestrutura, em comunicações, estradas, treinamento. Tentam fazer o país atraente.
Valor: E os governos de direita, como agem?
Gourevitch: Para a direita o importante é que o Estado não crie mais impostos e que tudo mais se resolva pela iniciativa privada.
-----------------------------------------Reportagem por: Cristian Klein De São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 18/02/2011
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