Rubens Barbosa*
Talleyrand, notável político e diplomata, serviu a todos os regimes na França de 1796 a 1830. Num de seus momentos de ostracismo, convidado para um jantar na corte parisiense, dirigiu-se a um lugar obscuro no final da mesa. Ouviu de um dos convidados que seu lugar não era ali, mas na mesa principal, o que motivou a famosa resposta: "O lugar mais importante à mesa é aquele onde me sento".
Ocorreu-me esse episódio enquanto participava de reunião de grupo composto por importantes formuladores e executores de política externa, capitaneados por Henry Kissinger, recentemente, em Nova York. No encontro foram examinados os principais aspectos da conjuntura internacional, a mudança do eixo político e econômico do Atlântico para o Pacífico, a emergência da China, o conflito Israel-palestinos, o Irã e as consequências dos vazamentos do WikiLeaks. A mim foi proposto discutir se o Brasil poderia ou não, no processo decisório mundial, ocupar um lugar na mesa principal.
A simples pergunta implica o reconhecimento do peso político que o Brasil passou a desfrutar nos últimos anos, mas também indica que o País tem de justificar sua plena participação nos diretórios que se vêm formando para responder às novas realidades do cenário global.
Ao contrário de Talleyrand, o Brasil acredita que já deveria estar na mesa principal, mas sem que venham cobrar posições. O Brasil, a Índia, a África do Sul e alguns outros poucos países passaram a ter maior visibilidade e peso em suas regiões e, no tocante aos temas globais, começaram a ser vistos pela comunidade internacional como possíveis novos integrantes dos diretórios formais ou informais na área de paz e segurança, e outros de interesse geral.
Dentro de uma visão de médio e longo prazo, respondi positivamente à indagação que me foi colocada e procurei mostrar por que o Brasil hoje pode assumir essa posição de destaque. Alinhei também as credenciais de natureza política e econômica para estarmos presentes nos principais centros decisórios.
Dada a sua índole pacífica, o Brasil não representa nenhuma ameaça para os países da região. Embora mantendo fronteira com dez vizinhos, as disputas territoriais foram negociadas e há 145 anos o País não se envolve em guerras regionais. Ao contrário da China, Índia e Rússia, o Brasil não é uma potência nuclear. A crescente presença externa do País ocorre, sobretudo pela habilidade de obter êxitos pelos valores que defende, por sua cultura, pela ação moderada e moderadora, além da atitude positiva para construir consensos, em outras palavras, pelo seu soft power.
O Brasil, interlocutor indispensável nos temas globais, como comércio, meio ambiente/mudança de clima, direitos humanos, energia (renovável e, agora, com o pré-sal, petróleo) e água, membro fundador do Gatt, das Nações Unidas e dos organismos criados em Bretton Woods, depois da 2.ª Guerra - Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) -, desempenha um papel ativo e construtivo nesses organismos. Participa do G-7/G-8, como convidado, e integra o G-20 Financeiro, com forte presença nas discussões sobre governança global. Candidato declarado a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, integra o Grupo dos Quatro, com a Índia, o Japão e a Alemanha, com vista a acelerar a reforma das Nações Unidas e de seu órgão mais importante, de modo a que se tornem mais representativos do novo equilíbrio de forças no século 21.
Com crescente participação em questões regionais fora da América Latina, o Brasil tem procurado fazer-se ouvir no processo de paz para solucionar o conflito Israel-palestinos, na questão do programa nuclear do Irã e na ajuda aos países da África. Por iniciativa brasileira foram criados fóruns para o diálogo entre a América do Sul e o Oriente Médio e entre nossa região e a Ásia. A institucionalização do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) tornou mais forte a voz do nosso país no contexto internacional.
"A exemplo da China, o Brasil,
baseado no respeito mútuo e
na cooperação, terá também de
definir um relacionamento maduro
com os Estados Unidos para ser
chamado a sentar-se
à mesa principal."
A internacionalização da economia e das empresas brasileiras, sobretudo nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina, é um reflexo do crescimento e da sofisticação do mercado brasileiro - o crescimento sustentado da economia, que já é a oitava do mundo em termos de produto nacional bruto, pelo critério do FMI, e, caso a tendência de baixo crescimento na Europa se mantenha nos próximos anos, será, em 2015, a quinta economia global, deixando para trás a França, a Inglaterra e a Itália. A importância do Brasil como fornecedor de produtos agrícolas para o mundo e gerador de tecnologia tropical nessa área coloca o País em posição privilegiada como potência agrícola mundial. A assistência técnica e financeira que o Brasil oferece aos países em desenvolvimento da América Latina e da África coloca hoje o País entre os maiores doadores internacionais.
Dessa forma, tendo opiniões que vão desde a guerra cambial até a questão da não proliferação nuclear, o País espera ser reconhecido como um relevante ator global.
Na reunião em Nova York houve reconhecimento da solidez das credenciais do Brasil. Pelas reações dos presentes, ficou claro que a comunidade internacional já está observando atentamente os movimentos do governo brasileiro. A caminhada vai ser longa ainda e o atual e os futuros governos terão um grande desafio: fazer com que o País assuma as responsabilidades impostas pela participação nos diretórios que tomam as decisões mais importantes e exerça uma liderança clara e propositiva tanto no contexto regional como nos temas globais. A exemplo da China, o Brasil, baseado no respeito mútuo e na cooperação, terá também de definir um relacionamento maduro com os Estados Unidos para ser chamado a sentar-se à mesa principal.
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* EX-EMBAIXADOR EM WASHINGTON (1999-2004)
Fonte: Estadão online, 08/02/2011
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