quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Joana de Vilhena Novaes - Entrevista

ESCRITORA DERRUBA O MITO DA BELEZA INTERIOR
E DIZ QUE A PRAIA
NÃO É PARA TODOS.

Sádica, competitiva, militaresca. As palavras que a pesquisadora e psicanalista Joana de Vilhena Novaes emprega para falar do culto ao corpo não são elogiosas. Mas ela opta por destrinchar cânones estéticos da atualidade e seus efeitos sem levantar bandeira contra a vaidade. Dieta e exercícios podem melhorar a saúde física e mental de muita gente, ela mesma não deixa de malhar, apesar de não curtir. Também evita o estudo de gênero, ainda que, na guerra contra a balança e a ação do tempo, mulheres pobres e ricas vejam-se obrigadas a suar mais do que os homens, por conta da associação histórica entre beleza e feminilidade. Hoje, mudar o corpo é mudar a vida: “Deixar-se feia é interpretado como má conduta pessoal”, afirma. Seus livros – o recém-lançado “Com Que Corpo Eu vou?” e “O Intolerável Peso da Feiúra” – propõem um trégua equilibrada, sem concessões aos exageros da ditadura da beleza nem ao desleixo. Afinal, ambos podem escravizar.

Mulher bonita também te procura com problemas dessa ordem (da beleza)?
Joana Novaes – Aos montes, principalmente no consultório particular. Há meninas lindas por aí com uma percepção delirante de si mesmas porque temos uma cultura que fornece um bom caldo para produzir pessoas com esse distúrbio em função de suas demandas e de seus valores. E hoje gordura equivale a feiúra.

A definição de homem interessante difere daquela de mulher interessante?
Joana – O homem tem muitas outras formas de apoio, tem outras insígnias validadas, por exemplo: músculos, charmoso, rico e bem-sucedido. Uma mulher mais velha e gorda, ainda que charmosa, rica e bem-sucedida, perdeu fundamentalmente a essência do que é considerado feminino, a beleza. Se, por um lado, temos vários outros parâmetros para identificar um homem bem-sucedido, a identidade feminina está muito ancorada á questão da imagem, historicamente.

E a máxima de que mulher se veste para outras mulheres, ainda vale?
Joana – O tempo todo, sem sombra de dúvida, ela tem que passar pelo crivo da outra mulher. Existe um certo consenso de que agradar o homem médio comum é mais fácil do que agradar uma amiga.

As mulheres “reféns”, que não levam o corpo fora de forma para passear, estão mais paranoicasJoana – Algumas deixam de ir a boates, festas, e até de comprar roupas. Por outro lado, já ouvi gente me dizer que isso não é tão grave assim, que estou prestando um desserviço, que os gordos são “bonitos de alma”. Acho isso um discurso calhorda, que não ajuda em nada a combater qualquer preconceito.

A praia virou um espaço patrulhado ou ainda é local para todo mundo relaxar?
Joana – Não concordo quando dizem que a praia é democrática. Se fosse, as pessoas não sentiriam a necessidade de fazer bronzeamento antes de ir à praia, nem se preocupariam com a exposição do corpo que está um pouquinho acima do peso. Aí a preocupação com a patrulha da corpolatria pode ser mais exagerada.

E a tal beleza interior?
Joana – Existe beleza e ponto. Já ouvi esse termo aos magotes, é uma frase demagógica, que pede desculpas, deixa alguma coisa faltando.

E as mulheres-fruta, estão liberadas?
Joana – A mulher-fruta é um bom exemplo da estética “palpável”. Ela é “comível”. Não é o corpo todo seco, sarado, definido, de modelo. É um corpo muito mais barroco, de curvas, não é retilíneo nem bidimensional, feito para as capas de revista. Tem recheio.

Dá para afirmar que estão banalizadas práticas mais radicais, como a cirurgia bariátrica (redução de estômago)?
Joana – Sim, porque existe ânsia por resultados rápidos ancorada e uma cultura de extrema intolerância à gordura, que hoje é a forma mais representativa da feiura.

Como vencer a guerra contra a balança: escapando da patrulha da magreza ou cedendo a ela?
Joana – Socialmente, o gordo busca saídas, como se tornar o fanfarrão do grupo e viver fazendo piada. Mas quem sofre continuamente com isso, de verdade, tem que abraçar regras do grupo social ao qual pertence. Não precisa virar um modelo de revista, mas se adequar para não ser excluído.

Até que ponto é importante se adequar?
Joana – Se a felicidade da pessoa estiver amarrada a isso, ficará fadada ao fracasso. Mas se ela procurar ser menos discriminada e mais saudável, tudo bem. Existem vários benefícios na adequação, para a saúde, para a autoestima.

No Brasil, expor o corpo é algo diferente entre mulheres pobres e ricas?
Joana – Em relação às roupas, há uma confusão nos códigos. Vemos tanto garotas de classe média quanto as mais pobres usando roupas curtas e expondo o corpo. O que as difere aí é o discurso manifesto. A marca do discurso das mulheres das faveladas é “Eu vou expor meu corpo para o outro, eu quero ser objeto de desejo”. As de classe média são mais individualistas. “Eu me visto para mim. Não para seduzir o outro, ser alvo de desejo.” O que até é questionável. Ela se veste como quem quer ser alvo do desejo do outro, mas não afirma isso. É como se fosse pejorativo, ou menor, admitir que gostaria de se colocar como objeto de desejo. Há um ranço individualista e feminista aí oposto ao que se percebe na fala da mulher pobre. Para ela, no dia que passar e não for chamada de gostosa, tem alguma coisa errada. Não ser notada, apreciada, isso é que é algo “menor”.

A maneira como o corpo é tratado numa e noutra classe também difere?
Joana – Resumidamente, pela fala delas, é possível concluir que as das classes mais altas são algozes de si mesmas. A exposição do corpo de uma mulher gorda de classe média alta é vista com escárnio, é motivo de riso. A mulher de classe mais pobre expõe o corpo às vezes obeso sem pudor e diz “Eu sei que tô gorda, mas o marido comparece” ou “Passo o rodo geral”. Não é um corpo que circula sem pudor. Ela encara isso de forma mais lúdica, mas relaxada. Até porque ela tem outras questões para resolver, de sobrevivência mesmo. Ela se torna refém, embora queira perder peso, ficar sexy. Mas não vai deixar de sair porque o corpo não está “como deveria”.

Existe a possibilidade de um respiro, então?
Joana – Procuro não demonizar a preocupação com o peso. É o grande sintoma social do momento, mas dentro disso também vejo a possibilidade de o sujeito se livrar de uma série de estigmas e complexos (AG).

Livros:
Com Que Corpo Eu Vou?
de Joana de Vilhena Novaes
Editora Puc/Pallas
214 páginas
36 reais

O Intolerável Peso da Feiúra
de Joana de Vilhena Novaes
Editora Puc/Garamond
272 páginas
30 reais
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Fonte: O SUL impresso, 09/02/2011

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