quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Os livros inacabados

LETICIA WIERZCHOWSKID*
Imagem da Internet
Numa tarde de sol, fiz um amigo argentino. Um senhor elegante e alegre com nome de personagem de livro – Leon Palácios. Pois, conversa vai, conversa vem, entre as perguntas de praxe sobre profissão, filhos e política, Leon Palácios quis saber: “E você, minha cara, deixa um livro pela metade ou precisa lê-lo até o final?” .
Gastei um certo tempo para responder essa pergunta. De fato, abandonar um livro pelo meio sempre foi um gesto muito difícil para mim. Como subterfúgio, costumava deixar os raríssimos volumes que não conseguia vencer ao lado da cama, no criado-mudo, numa espera expectante que podia levar muitos meses. Até que, há algum tempo (e porque a pilha ao lado da cama estava tornando-se perigosamente instável), tomei a decisão de deixar sem delongas um enfadonho romance que naufragava nas minhas mãos.
Não o faço com gosto – isso de largar um livro. Ao contrário, abandono com muita lástima um livro começado, mas abandono-o, enfim. E assim expliquei ao meu novo amigo que, ultimamente, diminuíam os meus pruridos a respeito do tema. Ele riu alegremente e retrucou: “Eu não posso mais perder tempo com o que não me interessa, se não gosto de um livro, abandono-o sem mais”. Lia por prazer, disse-me ele, contando que deixara o último Vargas Llosa sem nenhum remorso porque achou o livro chato.
Foi uma boa conversa – mas acrescento aqui que terminei El Sueño del Celta sem dificuldades, porém um pouco distraidamente. Embora seja uma apreciadora da literatura de Vargas Llosa, seu último romance parece-me desperdiçar o grande personagem sobre o qual se debruça. Sugeri então ao meu amigo argentino que lesse Nem Santos nem Anjos, do autor checo Ivan Klíma, publicado aqui no Brasil pela Editora Record. Um belíssimo romance que nem o mais distraído e impudico dos leitores abandonaria sem angústia.
Assim somos nós, leitores. Alguns livros nos enlevam e outros nos escravizam. Alguns parecem curtos demais, e outros intermináveis. Mas vamos trilhando essa estrada, de livro em livro, de gosto em gosto. Largar um romance pelo meio não é pecado algum. Pecado mesmo, como filosofou alegremente o meu simpático amigo argentino com nome de personagem – pecado mesmo, imperdoável, incomensurável –, pecado mesmo é não ler.
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* Escritora. Colunista da ZH
Fonte: ZH online 17/02/2011

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