terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Imagens também são ‘memes’

Montserrat Martins*

Passageiros do trem-bala, na Europa, não conseguem distinguir as imagens dos outdoors no trajeto, pela velocidade do trem. Mesmo assim, numa experiência em que foram colocadas imagens de refrigerantes, foi comprovado que ao desembarcar os passageiros passaram a pedir por aquela bebida no bar. Quer dizer, mesmo as imagens que o cérebro “não tem tempo” de tomar consciência são “sub-percebidas” pelos nossos órgãos dos sentidos (a visão, no caso) e vão para algum lugar da memória, foi o que os cientistas concluíram. Vozes, também. Os pacientes operados, mesmo sob anestesia geral e inconscientes, ouvem as conversas durante a cirurgia. Também foi comprovado por pesquisas que o conteúdo das conversas influi no ânimo dos pacientes, por exemplo se os comentários dos médicos sobre um tumor são pessimistas ou otimistas, resultam em que os operados apresentem pior ou melhor ânimo quando recobram a consciência, sem saber porque.
“Memes”, o nome dado a estes pequenos fragmentos de memória que tendem a se reproduzir na mente das pessoas (e passar de umas para outras), são uma espécie de pequenos “mitos” cotidianos, não só na vida social, como na vida pessoal de cada um de nós. Um ditado popular que seus avós, ou pais, ou tios ou amigos lhe disseram, pode ser uma frase presente, de modo repetido, ao longo da sua vida. “Quem não é visto não é lembrado” ou “o que os olhos não vêem, o coração não sente”, por exemplo, eu lembro que ouvia na infância. Mesmo que eu não concorde com nada disso, as frases estão lá, presentes, em alguma ocasião vou lembrar delas e elas vão se “encaixar” a algum fato que eu estiver vivendo.
"Mas não só “coisas”,
também as pessoas se tornam “memes”,
gravamos suas imagens.
Lembramos de cada pessoa
com alguma imagem na nossa mente,
seja sorrindo e simpática, ou séria e tensa,
enfim, uma “imagem corporal”
 que na nossa memória “automática”
se torna uma espécie de “cartão de visitas”
daquela pessoa."


Imagens ou sons são como estas frases, também se repetem mesmo que não tentemos lembrá-las. Surgem por “livre associação”, inconsciente, na nossa mente. Por isso toda a propaganda hoje em dia visa a fixar imagens, como a do tal refrigerante do outdoor. Ou os “jingles”, músicas para fixar um nome de uma empresa ou de seus produtos. Mas não só “coisas”, também as pessoas se tornam “memes”, gravamos suas imagens. Lembramos de cada pessoa com alguma imagem na nossa mente, seja sorrindo e simpática, ou séria e tensa, enfim, uma “imagem corporal” que na nossa memória “automática” se torna uma espécie de “cartão de visitas” daquela pessoa. É assim que algumas se tornam mais próximas, ou mais distantes de nós, afetivamente.
Vivi uma experiência pessoal interessante pelo fato de ter participado das eleições. A exposição da imagem nos meios de comunicação (principalmente no mês de setembro) levava diretamente ao assunto, pelos três meses seguintes. Agora, quase seis meses depois, em muitos locais perguntam “o senhor já esteve aqui antes, não é?”. Claro, é a sensação de familiaridade, diante de um rosto já visto antes. Mais fácil concordar, se não quiser falar de eleições. Mas me dei conta que o “já esteve aqui antes” pode ser embaraçoso, dependendo do lugar. Se parentes e amigos marcarem uma festa numa danceteria, o pessoal que atende lá vai me perguntar “o senhor já veio aqui antes, não é?”. E se eu precisar de uma consulta num hospital, vou ser visto como quem está sempre indo lá ? E se for registrar uma ocorrência policial ? Já pensou ? Nem sempre é bom sermos “memes”.
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Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra
Fonte: EcoDebate, 22/02/2011
Imagens da Internet

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