domingo, 13 de fevereiro de 2011

REPETINDO O JÁ CONTADO...

Rubem Alves*
Os velhos, ou por memória fraca ou a fim de se fazerem ouvidos, gostam de repetir...
Eu era um homem maduro, másculos firmes, cabelos discretamente grisalhos... Era, sem dúvida, a minha melhor idade. Entrei no metrô, vagão lotado, segurei-me num balaustre, confiante em mim mesmo, olhei em volta. Uma jovem de uns 25 anos me olhava sorridente confirmando que aquela era minha melhor idade.
Foi então que a jovem que confirmava minha melhor idade com o seu sorriso levantou-se e me ofereceu o seu lugar. Fiz o resto da viagem assentado, olhando fixamente para a sua bolsa à altura do meu nariz porque tinha vergonha de olhar para o seu rosto. O seu gesto delicado me disse que minha idade não era a melhor idade. Daí para frente as confirmações foram se sucedendo, lembrando-me de que a minha idade não era a melhor idade.
Na festa de aniversário da minha nora eu, solidamente assentado no jardim, vem uma senhora na melhor idade dela para me cumprimentar, percebo, dou o impulso para me levantar e abraçá-la mas ela, delicada como a moça do metrô, me fez lembrar que a minha idade não era a melhor idade para estrepolias... Com uma voz carinhosa me disse: "Não é preciso se levantar. Fique assentadinho aí..."
"Assentadinho" - diminutivo, - dizia coisa muito grande: sua idade é a pior idade... Se eu fosse um jovem ela não teria usado o diminutivo.
Mas agora a situação se agravou. Agora são senhoras que, com sorrisos matronais me oferecem lugar na fila do supermercado e são senhoras de cabelos brancos que se oferecem para nos ajudar. Olham para mim e concluem: "O ancião precisa de ajuda..."
"As Sagradas Escrituras dizem a verdade,
 e anunciam os dias em que diremos:
"Não tenho neles prazer..."
Faz alguns dias eu estava parado ao lado de um semáforo esperando que a luz verde se acendesse quando um jovem, do lado de lá, me viu e, ato contínuo, desafiando os carros, atravessou a avenida para me oferecer o seu braço como ponto de apoio...
Todos esses gestos gentis revelam que aqueles que nos oferecem o lugar na fila, que colocam a mão no nosso ombro para nos manter sentadinhos ou nos ajudam a atravessar a rua sabem a verdade óbvia: nossa idade não é a melhor idade.
Disse o que todos sabem! Errei! Há uma exceção: algumas companhias aéreas nos aeroportos insistem em não saber. Elas nos chamam para o embarque dizendo que a nossa é a melhor idade apesar do reumatismo, da calva, da bengala, dos músculos flácidos, dos ouvidos surdos, dos corpos segregados do amor...
As Sagradas Escrituras dizem a verdade, e anunciam os dias em que diremos: "Não tenho neles prazer..." São os dias em que os guardas da casa, os braços, tremerem e as pernas bambas não conseguirem levantar o corpo. E se cerrarem as janelas, os teus olhos, e os teus lábios se fecharem: o dia em que não puderes falar em voz alta, quando tiveres medo do que é alto, e te espantares no caminho, e o teu cabelo ficar branco, e um simples gafanhoto for muito peso para tuas forças, porque vais para a casa eterna... Brumas e espumas. Tudo são brumas e espumas..."
Não quero se incluído entre as pessoas felizes que gozam dos prazeres da "melhor idade". Chamem-me pelo nome verdadeiro: "idoso" apenas...
----------------------------------------------------
*Teólogo. Escritor. Educador.
Fonte: Correio Popular online, 13/02/2011
Imagens da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário