Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY
Eu sou pacifista. Até por prudência, o que, por delicadeza, ao menos, não deve ser confundido com medo, salvo na hora de sair correndo, situação que anula qualquer regra de boa educação. Abomino a violência até por incapacidade de praticá-la vantajosamente. Fico preocupado com o crescimento da criminalidade no mundo. Chamou-me a atenção esse caso ocorrido na Letônia. Meus conhecimentos sobre a Letônia são extensos. Sei o suficiente para não confundi-la com a Estônia nem com a Lituânia, o que pode ser fatal, tendo, segundo fontes fidedignas, contribuído para aumentar a violência na região. Parece que duas coisas irritam os letões: serem apresentados como membros de uma das três repúblicas bálticas (eles não aguentam mais ouvir isso) e barulho de gente comendo pipoca. Sabem do que estou falando, não?
Eles jamais se irritam com trocadilhos feitos por engraçadinhos, pois só engraçadinhos e publicitários, o que dá no mesmo, carinhosamente falando, fazem trocadilhos, além de colunistas inoportunos, entre letões e leitões, pois obviamente não falam português. Jamais conheci uma pessoa que dissesse: meu sonho é conhecer a Letônia. Deve ser preconceito ou ignorância. A Letônia é um país civilizado e agradável. Sobreviveu à dominação soviética. Talvez não sobreviva à pipoca no cinema. O caso é que um homem matou outro, ao final do filme "Cisne Negro", por não suportar mais ouvi-lo comendo pipoca de modo barulhento. No Brasil, o assassino iria a júri popular. A acusação certamente pediria uma pena severa por considerar o crime derivado de motivo fútil. Eu, se fosse julgar, encontraria atenuantes. Posso argumentar.
"O som dos dentes dos espectadores
triturando pacotes imensos, gigantescos, colossais,
de pipoca, em uníssono, mexeu
no meu sistema nervoso.
Eu me vi com uma metralhadora
disparando contra
os comedores de pipoca."
Cada um que ponha o dedo na consciência (nunca entendi como se pode fazer isso) e pense: quem jamais pensou em fazer o mesmo que atire a primeira pedra (melhor não falar em bala). Confesso que já pensei. Sim, admito, eu já pensei algo pior. Já pensei muita coisa abominável no cinema. Já pensei em esganar a Xuxa. Antes do meu filme começar. Uma vez, vendo aquele filme do canibal, "O Silêncio dos Inocentes", no Festival de Cinema de Berlim, pensei em matar Laurie Anderson, que estava sentada ao meu lado. Por prudência, deixei a ideia de lado. Ela não sabe do que escapou. Mas já pensei algo devastadoramente pior, embora Laurie Anderson, se tomasse conhecimento disso, não pudesse concordar por razões muito pessoais e, em certo sentido, "corporativas". Pensei em me transformar num terrível serial-killer.
Foi num cinema de shopping de Porto Alegre. A sala parecia imersa na manteiga. Aquele cheiro começou a penetrar nas profundezas metafísicas do meu ser. O barulho de tantas mãos apertando sacos de pipoca crepitava em meus ouvidos com uma sinfonia do mal. O som dos dentes dos espectadores triturando pacotes imensos, gigantescos, colossais, de pipoca, em uníssono, mexeu no meu sistema nervoso. Eu me vi com uma metralhadora disparando contra os comedores de pipoca. Não sobrava um. Saí correndo. Não me lembro o nome do filme. Fiquei traumatizado. Eu estava errado. Os comedores de pipoca no cinema têm direito à existência. Mas em salas especiais.
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*Filósofo. Escritor. Prof. universitário. Cronista.
Fonte: Correio do Povo, 25/02/2011
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