Com iPad, jornal digital se tornará mídia de massa
GURU DA NOVA MÍDIA,
O CONSULTOR AMERICANO KEN DOCTOR
AFIRMA QUE OS LEITORES VÃO PREFERIR
PAGAR PELO NOTICIÁRIO DIGITAL
DE SEU INTERESSE APESAR
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Entre os muitos gurus com previsões sobre a nova mídia, o americano Ken Doctor se sobressai pelo otimismo pragmático de quem vê um futuro feliz para o jornalismo, mas não sem percalços.
Para ele, a seleção natural pela qual só os mais adaptados sobreviverão é inevitável nessa transição tecnológica.
E nada serve melhor a esse teste do que "The Daily", o jornal exclusivo para iPad lançado na última quarta-feira pelo bilionário e pioneiro da mídia Rupert Murdoch.
O consultor vê o novo jornal como um marco na indústria da mídia voltada para as massas. A primeira revolução, diz, é o preço. O leitor paga, sim, mas em vez de uma assinatura o modelo será o do iTunes, com um aplicativo vendido a US$ 0,99 (R$ 1,66) semanais.
A outra é a interatividade -farta, mas sem pirotecnias, de forma a guardar propositadamente a imagem de uma revista ou um jornal.
A Folha ouviu Doctor no dia do lançamento do "Daily". A fórmula, afirma, criará um veículo de massas que vai acelerar a migração do impresso para os tablets -embora ele ressalte que os primeiros não vão deixar de existir tão cedo.
Folha - O "Daily" apresentou uma primeira edição caprichada, à qual o sr. se referiu como uma revista eletrônica. Essa qualidade sobreviverá ao ritmo diário?
Ken Doctor - Essa é a grande pergunta. Fazer isso todo dia com 130 pessoas entre editorial e produção parece uma subestimação. Claro que esperamos que, conforme eles peguem a manha, a coisa se torne mais fácil, mas é um desafio enorme.
Agora, se o "Daily" for bem-sucedido, terá criado um novo patamar no mundo das notícias. E todos os jornais que estão planejando produtos para tablets terão um modelo a superar.
Algumas pessoas no Twitter reclamaram que o "Daily" ainda parece um grande arquivo PDF, e muita gente esperava mais elementos interativos. Houve uma contenção proposital para guardar a semelhança com um jornal?
O consumidor-padrão não passa o dia no Twitter. Creio que seja uma decisão consciente por uma apresentação mais familiar. Foi uma jogada esperta: querem a massa, não a turma da tecnologia.
É uma mistura de revista, jornal e TV, as pessoas sabem como lê-lo. E, como falta interatividade em geral, as pessoas ficam felizes quando conseguem um pouco.
"O consumidor-padrão não
passa o dia no Twitter.
Creio que seja uma decisão consciente
por uma apresentação mais familiar.
Foi uma jogada esperta:
querem a massa,
não a turma da tecnologia."
Com o iPad a US$ 500, dá para ser um produto de massa?
Não vai custar US$ 500 por muito tempo. A projeção da [consultoria] eMarketer é que até o fim de 2012 se chegue, no mundo, a 80 milhões de tablets. Mesmo que isso esteja 50% exagerado, o preço já vai cair significativamente.
Logo teremos o iPad 2, com um preço parecido com o primeiro, talvez um pouco menos, mas aí vão surgir versões menos poderosas, e então veremos os preços caírem para US$ 299. É o preço de um smartphone.
Vai se tornar um produto de massa e vai acelerar a transição do impresso para o digital. O tablet é o primeiro produto de substituição, neles a leitura é mais prazerosa e as pessoas passam mais tempo [do que nos sites], como nos jornais impressos.
O grande desafio não será cobrar os leitores pelo noticiário digital, mas sim fazer a transição do modelo com os anunciantes.
Qual é a expectativa deles pelo "Daily" e os demais jornais em iPad?
Em 2010, os poucos que lançaram aplicativos no iPad acharam uma pequena mina de ouro, mas a renda veio sobretudo de anunciantes-patrocinadores [que subsidiaram os aplicativos ao leitor].
A questão é quão bom pode ser o anúncio no tablet, quantas formas de colocar o anunciante há, que tipos de técnicas serão usadas... Por ora, sabemos que os anunciantes gostaram da interatividade, como o consumidor.
O "Daily" vai conseguir cobrir custos com anúncios?
Para cobrir metade do custo anual, que segundo Murdoch é de US$ 25 milhões, eles precisariam ter de 450 mil a 500 mil assinantes -e o resto viria de publicidade.
É um numero alto, mas é viável. Só não acho que vai ser fácil. Eles devem conseguir logo 100 mil assinantes, e depois vão brigar para chegar a 200 mil. Aí temos de ver o que farão os outros jornais, como o "New York Times".
Qual é a matemática por trás de US$ 0,99 por semana? O apelo?
Sim, o apelo. É um número do iTunes. Um número no qual você não precisa parar para pensar.
E o que o Murdoch mais quer é derrubar o "New York Times". O preço do "Times" deve ficar em US$ 240 por um combo de acesso ao site, ao tablet e ao smartphone.
O leitor vai comparar. O "Times" ainda tem uma equipe superimportante. Mas o "Daily" é divertido de ler.
No lançamento do "Daily", falou-se pouco em linha editorial e conteúdo noticioso. A plataforma se tornou mais importante que o conteúdo?
O "Daily" é o "USA Today" [jornal que nos anos 80 desenvolveu uma edição enxuta, maior apelo visual e ênfase também em entretenimento e esporte] de 2011. Acho que o "Daily" copiou a fórmula e a atualizou.
Claro que as pessoas querem as notícias do dia. Mas, como no "USA Today", esporte e entretenimento são também muito importantes.
Já em termos políticos, acho que vai ser mais apolítico ou voltado para a comunidade [os veículos de Murdoch, como o "Wall Street Journal" e a FoxNews, são conservadores]. Isso vai lhes dar mais público.
E o sr. acredita que as pessoas vão querer pagar, com tantas notícias on-line de graça?
As pessoas não gostam de pagar por nada, mas a gente paga para ter coisas das quais precisamos.
Não é todo mundo que vai topar, mas acho que usaram o preço de forma eficiente. E, como só tem no tablet, você não vai comparar com sites de notícias. Vai comparar com aplicativos. É essa a psicologia por trás do preço.
O fato de o "Daily" existir apenas em tablet, longe de sistemas de busca -embora esteja nas redes sociais- não o prejudica?
Sim, mas é uma troca. Ao se lançar como exclusivo para tablet, conseguiu enorme visibilidade. Era o aplicativo da semana na loja on-line da Apple. Se continuar visível assim durante a venda do iPad 2, vai lucrar muito.
Se os tablets são o caminho a seguir no jornalismo, o sr. vê uma transição completa?
Não no caso das empresas "mainstream", que podem ter um produto alternativo para o tablet, mas ainda estão ganhando dinheiro com o impresso e querem manter essa fonte de renda. Afinal, o jornal impresso, depois de algumas perdas e cortes, voltou a ser lucrativo.
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RAIO X
KEN DOCTOR
QUEM É
Consultor de mídia
O QUE FAZ
Estuda a questão financeira e de acesso envolvendo a distribuição de conteúdo on-line, sobretudo de informação
O QUE JÁ FEZ
Estrategista para a cadeia jornalística Knight Ridder; editor do site Pioneer Planet
O QUE ESCREVEU
"Newsonomics: Twelve New Trends That Will Shape the News You Get" (Newsonomics: 12 novas tendências que moldarão as notícias que chegam a você) e http://www.contentbridges.com/
---------------------------------Reportagem por: LUCIANA COELHO EM BOSTON
Fonte: Folha online, 07/02/2011
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