terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Egito vai se tornar uma democracia?

Michael Mandelbaum*
As condições são mais favoráveis
do que as dos demais países árabes.

A renúncia de Hosni Mubarak ao cargo de presidente do Egito assinala o começo de um importante estágio na transição daquele país para um novo sistema político. Mas será que a transição política acabará conduzindo à democracia?
Não podemos saber com certeza. Mas, com base na história e experiências de outros países - o tema do meu livro, "Democracy's Good Name: The Rise and Risks of the World's Most Popular Form of Government" (O bom nome da democracia: Ascensão e riscos da mais popular forma de governo do mundo) - podemos identificar os obstáculos e as vantagens que o Egito tem na construção da democracia política.
A compreensão das possibilidades democráticas de qualquer país deve começar com uma definição de democracia, que representa uma forma híbrida de governo, uma fusão de duas tradições políticas diferentes. A primeira é soberania popular, o governo do povo, que é exercido através de eleições. A segunda, mais antiga e igualmente importante, é liberdade - ou seja - todas as formas de liberdade.
A liberdade aparece em três variedades: liberdade política, que assume a forma de direitos individuais à liberdade de expressão e de associação; liberdade religiosa, que implica liberdade de culto para todos os credos; e liberdade econômica, que está embutida no direito de deter propriedade.
Eleições sem liberdade não constituem democracia legítima, e aqui o Egito enfrenta um grave desafio: seu grupo melhor organizado, a Irmandade Muçulmana, rejeita a liberdade religiosa e os direitos individuais, especialmente os direitos das mulheres. A ramificação da Irmandade, o movimento palestino Hamas, estabeleceu na Faixa de Gaza uma ditadura brutal e intolerante.
Em condições de caos, que o Egito pode enfrentar, o grupo melhor organizado e mais implacável frequentemente assume o controle do governo. Esta foi a sorte da Rússia após a sua revolução de 1917, que levou os bolcheviques de Lênin ao poder e que condenou o país a 75 anos de governo totalitário. Da mesma forma, a Irmandade Muçulmana poderia tomar o poder no Egito e impor um regime muito mais opressor do que jamais tenha sido o regime de Mubarak.
Mesmo se o Egito evitar o controle dos extremistas religiosos, a anatomia de duas partes da democracia torna problemático um avanço ágil e tranquilo a um sistema democrático. Embora as eleições sejam relativamente fáceis de organizar, a liberdade é muito mais difícil de ser estabelecida e sustentada, pois ela exige instituições - como um sistema jurídico dotado de tribunais imparciais - dos quais o Egito carece, e que leva anos para desenvolver.
"O país enfrenta vários obstáculos
para construir uma sociedade democrática,
mas também desfruta de algumas vantagens.
Um dos principais ativos é a existência
dos democratas, revelados em três semanas
de manifestações na praça Tahrir"
Em outros países que se tornaram democracias, as instituições e práticas da liberdade muitas vezes surgiram a partir do funcionamento de uma economia de livre mercado. O comércio estimula os hábitos de confiança e cooperação sobre os quais depende a democracia estável. Não é nenhum acidente que uma economia de livre mercado antecedeu a política democrática em muitos países da América Latina e Ásia no segundo semestre do século XX.
Nesse caso, também, o Egito está em desvantagem. Sua economia é uma variação do capitalismo de compadres, onde o sucesso depende das conexões políticas da pessoa, em vez de estar baseado na meritocracia da concorrência do livre mercado, a partir da qual a liberdade se desenvolve.
O Egito sofre outra desvantagem política: é um país árabe, e não existem democracias árabes. Isso importa, pois países, assim como indivíduos, tendem a imitar outros com os quais se parecem e admiram. Depois de derrubar o comunismo em 1989, os povos da Europa Central gravitaram para a democracia porque esta era a forma predominante de governo nos países da Europa Ocidental, com os quais eles se identificaram intensamente. O Egito não tem esse tipo de modelo democrático.
O Egito, porém, está mais bem situado para adotar a democracia do que os demais países árabes, porque no Egito os obstáculos à democracia no mundo árabe são menos formidáveis do que em outros lugares. Outros países árabes - Iraque, Síria e Líbano, por exemplo - estão fortemente divididos em torno de linhas tribais, étnicas e religiosas.
"O Egito sofre outra desvantagem política:
 é um país árabe, e não existem democracias árabes.
Isso importa, pois países, assim como indivíduos,
tendem a imitar outros com
os quais se parecem e admiram."
Em sociedades divididas, o grupo mais poderoso muitas vezes não está disposto a compartilhar poder com os demais, resultando em ditadura. O Egito, por outro lado, é relativamente homogêneo. Os cristãos, que compõem 10% da população, são a única minoria de tamanho considerável. O petróleo que os países árabes do Golfo Pérsico possuem em abundância também atua contra a democracia, pois ele cria um incentivo para os governantes manterem o poder indefinidamente. As receitas do petróleo lhes permite subornar a população para que permaneça politicamente passiva, ao mesmo tempo desestimulando a criação do tipo de sistema de livre mercado que produz democracia. Felizmente para as suas perspectivas democráticas, o Egito só possui reservas muito modestas de petróleo e gás natural.
O fato de o vasto movimento de protesto que se materializou repentinamente ter sido pacífico, até agora, também conta como uma vantagem para a construção da democracia. Quando um governo cai violentamente, o novo regime geralmente governa pela força, não por meio de procedimentos democráticos, ainda que só para manter afastados os que derrotou.
A causa da democracia no Egito tem mais uma vantagem, a mais importante de todas. Democracia requer democratas - cidadãos convencidos do valor da liberdade e da soberania popular e comprometidos a estabelecê-las e preservá-las. As opiniões políticas de muitos dos milhares de pessoas que se reuniram na Praça Tahrir no Cairo ao longo das três últimas semanas não deixam qualquer dúvida de que eles querem democracia, e estão dispostos a trabalhar e até a se sacrificar por ela. Independentemente de serem em número suficiente, de terem recursos suficientes, de terem paciência suficiente, e de serem corajosos o suficiente - e independentemente de terem sorte o suficiente - para alcançar isso é uma questão que só o povo do Egito pode responder.
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Michael Mandelbaum é livre-docente de Política Externa Americana na Escola Avançada de Estudos Internacionais Johns Hopkins em Washington, capital, e é o autor de "Democracy's Good Name: The Rise and Risks of the World's Most Popular Form of Government" (O bom nome da democracia: Ascensão e riscos da mais popular forma de governo do mundo).
Copyright: Project Syndicate, 2011.
Fonte: Valor Econôminco online, 15/02/2011

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