quarta-feira, 2 de março de 2011

GLAUCO ARBIX - Entrevista

Patentear a esmo não ajuda inovação na universidade
Eduardo Knapp/Folhapress
O sociólogo Glauco Arbix, da Finep, durante palestra

NOVO PRESIDENTE DA FINEP DIZ QUE
FALTA VISÃO ESTRATÉGICA NAS TENTATIVAS DE ESTIMULAR EMPREENDEDORISMO
DE CIENTISTAS NO BRASIL

Quem estiver perto do sociólogo Glauco Arbix vai ouvir com frequência a música tema de "Indiana Jones", personalizada como toque de seu telefone celular.
Desde que ele assumiu a presidência da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), as ligações não param. "Sua demanda é legítima, mas não é comigo que você deve tratar disso", argumentava Arbix ao celular quando recebeu a Folha.
A Finep é hoje uma das principais engrenagens do motor da inovação brasileira, embora as tentativas de transformar ciência em tecnologias lucrativas ainda engasguem em boa parte das grandes empresas do país.
No ano passado, o órgão desembolsou R$ 3,3 bilhões entre créditos e subvenções (valor não reembolsável para empresas fazerem pesquisa).
Em 2011, mesmo com contigenciamentos, o orçamento deve chegar a R$ 4 bilhões. O sociólogo entrou em cena para transformar a instituição numa espécie de "banco da inovação", num contexto em que empresários estão começando a inovar. "Não é a universidade que deve ter patentes", diz. Acompanhe a entrevista.

Folha - Como surgiu o convite do ministro Aloizio Mercadante [Ciência e Tecnologia] para a Finep?
Glauco Arbix - Eu tenho contato com ele há muitos anos. Também fui presidente do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] no primeiro mandato do presidente Lula [2003 a 2006]. O Aloizio era líder do governo no Senado e o Ipea fazia uma série de previsões para o governo. Mas eu não pensava em voltar a Brasília depois da experiência do Ipea...

O que aconteceu na sua experiência no Ipea?
Bom, eu era presidente e coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Isso me deu uma posição privilegiada -para o bem e para o mal. Quando você está dentro das entranhas do monstro, sabe como ele funciona.
A experiência de governo é muito absorvente e você não tem tempo de ler nem telegrama de casamento. Eu estava afastado do meio acadêmico e quis voltar.
Estar à frente de uma instituição muito tempo não é bom. Ela te molda e você molda a instituição. É preciso sacudir as instituições com a mudança de gestão.

O que o sr. poderia apontar como problemático na maneira como a Finep funciona?
Existe um problema institucional que é desenhar a Finep como uma instituição financeira. A Finep é uma instituição financeira, mas não é acompanhada e supervisionada pelo Banco Central.
Isso significa que os processos que a Finep tem nem sempre estão adequados às regras definidas pelo marco regulatório financeiro.

Há um mundo enorme: contabilidade, gestão de risco, áreas críticas, montagem da carteira. Esse é um problema, ou seja, como conceber a Finep como uma instituição financeira "especial"?
Ela não é um banco, e não adianta falar que ela será simplesmente um "banco de inovação". Ela não será um banco qualquer. Sem a Finep hoje a universidade brasileira acaba se esfarelando em minutos. Foram cerca de R$ 2 bilhões para as universidades do país em 2010.
Estamos estabelecendo uma relação com as empresas que nunca tivemos no Brasil. Os países avançados fazem isso há muito tempo. Os instrumentos são desenvolvidos a partir de modelos dos Estados Unidos.

O modelo de inovação dos EUA funciona plenamente?
Não. É um modelo que eu conheço bem. No semestre passado eu passei o segundo semestre dando aula no MIT [Instituto de Tecnologia de Massachussets]. Eles têm problemas muito semelhantes, como o preconceito da indústria, que diz que a academia fica "voando".
Em todo lugar existe isso. O MIT é de 1861, nasceu com esse espírito e ainda enfrenta problemas gigantescos: coisas como controle do tempo da pesquisa, agenda, resultados. Institucionalmente falando, universidade e empresa não casam porque têm uma temporalidade diferente. A empresa é geradora e a universidade é gastadora.

Mas essa aproximação não seria papel das agências de inovação das universidades?
Eu acompanhei as agências de inovação do MIT. Mas as nossas são muito centradas na ideia de aproveitar o conhecimento da universidade para desenvolver patentes [de produtos inovadores.] Ajudam o professor a desenvolver patentes e, eventualmente, licenciar -o que nem sempre é muito claro, já que para licenciar é preciso ter análise comercial.
Não basta fazer patente para currículo. No MIT a análise da patente está próxima da análise de comercialização. A agências de inovação aqui parecem mais um "despachante inteligente", que está atrás de ideias. Os americanos começaram a estimular o processo patentário. Isso se espalhou pelo mundo todo e está chegando aqui.
A verdadeira herança
maldita do Brasil
é achar que não se deve
investir nas pessoas.
Está mesmo chegando?
Acho que sim. As empresas brasileiras estão atentando para isso. O lugar para gerar patentes é nas empresas e não nas universidades. Estou em contato com uma empresa chinesa chamada Foxconn, que tem 37 mil patentes. É uma máquina de fazer patentes, e ela foi criada para isso. Entrar numa política dessas significa dar um valor à inovação para convencer o financeiro. Não basta só olhar o vizinho. Mas as empresas precisam ter isso internalizado.

E a China está dando um banho no Brasil nessa área?
A China está avançando muito, mas conta com "facilidades" que a gente não tem porque aqui vivemos numa democracia. Eu visitei Pequim duas vezes e, entre uma vez e outra, havia um anel viário novo na cidade. Não se constrói um anel viário em São Paulo nessa velocidade. Aqui você tem de convencer.
O empresariado brasileiro está acordando, mas o debate sobre inovação no Brasil ainda é levantado pelo poder público. Surgiram as leis de inovação, os incentivos fiscais. Sem isso não dá pra fazer inovação no Brasil. Inovação é muito caro, existe um custo de transição, você demora. A economia brasileira inova pouco e não é ligada à inovação. Esses são dois grandes gargalos.

As empresas brasileiras sabem como inovar?
Os empresários devem entender que inovação se faz com pessoas. Tecnologia é resultado de gente.
Hoje, na esmagadora maioria das empresas, salário continua sendo visto como custo. Mas não se inova, remodela e repensa um processo se o pessoal não receber bem. É preciso fazer inovação a partir de pessoas que ganham bem.
E elas têm de ganhar bem porque têm de ler, falar inglês, ter vida cultural ativa para ter um fluxo de ideias. Elas têm de funcionar como uma espécie de "antena" que capta informações. A verdadeira herança maldita do Brasil é achar que não se deve investir nas pessoas.

RAIO X
GLAUCO ARBIX

IDADE
59 anos (nascido em Americana, São Paulo)
PROFISSÃO
Sociólogo e professor livre-docente da USP
CARREIRA
Foi presidente do Ipea e coordenador geral do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2003-2006). Já foi professor da Unicamp e da FGV

ANÁLISE

Patentes podem provocar efeito inverso e limitar as inovações

HÉLIO SCHWARTSMAN ARTICULISTA DA FOLHA

Cuidado com o que você deseja. Patentes foram concebidas para estimular a inovação, mas há situações em que o tiro sai pela culatra, e a exclusividade de direitos bloqueia o processo inventivo. O fenômeno tem até nome: "a tragédia dos anticomuns".
O termo foi forjado pelo professor de direito Michael Heller. Num artigo para a "Science", em 1998, Heller mostrou que em algumas circunstâncias os mecanismos de mercado fracassam, e o resultado é ruim para todos.
"Tragédia dos comuns" é a metáfora do biólogo Garrett Hardin para explicar situações em que vários indivíduos, agindo racionalmente, exaurem recursos comuns limitados, pois nenhum dos coproprietários pode bloquear a ação dos demais.
Já a "tragédia dos anticomuns" é o movimento-espelho: como vários proprietários podem limitar o acesso dos demais ao bem, ele é subutilizado, ainda que isso não interesse a ninguém.
Um exemplo é a pesquisa biomédica. A fim de desenvolver novas tecnologias, nos anos 1980 o governo dos EUA incentivou universidades a patentear o que pudessem, mesmo que a pesquisa tivesse verbas públicas e não resultasse em produtos finais. Até trechos de genes foram patenteados.
Isso acabou criando feudos sobrepostos. Se um cientista quer desenvolver uma nova droga ligada ao gene patenteado, precisará negociar com o detentor da patente. Como uma pesquisa típica envolve até centenas dessas negociações, o trabalho é grande e o preço pode ser proibitivo. Muitos preferem nem tentar ou restringem os esforços a áreas menos minadas, que são as de menor interesse para a sociedade. (Folha online, 02/03/2011)
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REPORTAGEM POR: SABINE RIGHETTI DE SÃO PAULO
Fonte: Folha online, 02/03/2011

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