quarta-feira, 2 de março de 2011

Preenchendo espaços vazios

ANDRÉ CONTI*
--------------------------------------------------------------------------------

O livro eletrônico tem a chance
de atrair mais leitores e de
 transformar a experiência de leitura

--------------------------------------------------------------------------------
A AMAZON anunciou recentemente que o e-book já é o formato de livro mais vendido no site, ultrapassando as edições em brochura, que desde o início foram o principal ganha-pão da rede. Eu trabalho em uma editora, e cada anúncio desses é recebido com um misto de apreensão, cautela e ansiedade.
Num primeiro momento, a relação com o e-book foi de desconfiança: os aparelhos são caros no Brasil, a pirataria é galopante, essa moda vai passar. Mas o sucesso do Kindle e do iPad indica que, em breve, os leitores brasileiros poderão exigir das editoras que seus lançamentos e catálogos estejam disponíveis nesses formatos.
Conforme os números chegam de fora -o e-book já domina 10% do mercado americano, segundo o "New York Times"-, as editoras brasileiras tentam criar um modelo de negócios viável para nós. A Amazon, como se sabe, é muito boa em gerar lucros para a própria Amazon, e diversos autores e editoras não toparam os primeiros acordos draconianos oferecidos pela rede.
"O livro não vai acabar, pelo contrário:
 o e-book tem a chance de atrair toda
uma nova gama de leitores,
de facilitar a circulação de livros
fora de catálogo, de transformar
positivamente a própria
 experiência de leitura."
O fato é que ainda não há um mercado de livros eletrônicos no Brasil. Sinto que a ansiedade às vezes leva as editoras e lojas a tentar ocupar esse espaço inexistente, em vez de entender como ele vai se configurar num futuro próximo. Para mim, não é o momento de se vender e-books no Brasil, e sim de criar condições para que esse mercado atinja seu potencial em nossas praias.
Basta lembrar que até há pouco ainda estávamos falando em Fim do Livro, discussão que carrega a urgência de uma reunião de condomínio.
O receio das editoras é natural. Alguns autores já negociam pessoalmente com a Amazon os direitos de suas edições eletrônicas, e publicar um livro independente torna-se uma tarefa cada vez mais fácil. Para além disso, o que está em questão é o próprio papel das editoras, com o perdão pelo trocadilho infame. O que impede os autores de vender seus livros diretamente às redes ou até num site próprio, ficando com uma fatia maior do lucro de vendas?
Uma editora não é uma simples distribuidora de livros. Cada uma tem seu conjunto de critérios para publicação, e com o tempo os leitores identificam esses critérios e confiam (ou não) nos títulos que determinada editora põe na praça. No caso dos livros eletrônicos, acho que ainda precisa surgir uma editora desse porte, pelo menos no que diz respeito à percepção do leitor.
Enquanto brigamos por um espaço de mercado, me parece que estamos deixando de lado uma disputa que é mais do campo ideológico. A virada só se dará quando uma editora -seja das grandes, seja uma novidade exclusiva ao mundo digital- souber preencher esse espaço pensando menos em lucro e mais em ideias. Até porque o e-book só vai dar dinheiro no Brasil quando esse novo leitor puder ter de sua editora eletrônica a mesma percepção (e identificação) que tem das editoras de papel, e isso não se dá apenas transportando o catálogo inteiro para uma loja de internet.
----------------------
*Jornalista
chorume.org
@andre_conti
Fonte: Folha online, 02/03/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário