terça-feira, 31 de maio de 2011

FHC lança filme sobre descriminalização da maconha

Ex-presidente, para quem a questão tem de ser tratada
sob o ângulo da saúde pública,
apresenta ''Quebrando Tabu''

Às vésperas de completar 80 anos, no próximo dia 18, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso participou ontem no Shopping Frei Caneca, região central da capital, do lançamento do filme Quebrando Tabu, um manifesto pacifista a favor da descriminalização das drogas que traz o ex-presidente como âncora.
Para Fernando Henrique, o assunto tem de ser tratado pela perspectiva da saúde pública, lançando mão de teses de redução de danos, sem criminalizar o usuário nem seguir com a declarada "guerra às drogas".
O marco dessa guerra considerado pelo filme é a política de tolerância zero contra os entorpecentes iniciada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Richard Nixon, em 1971, no auge do movimento de contracultura, no qual as drogas tinham um papel de protagonismo.
Em Quebrando o Tabu, entre as entrevistas que faz com familiares de usuários, personalidades engajadas no tema e gestores públicos, Fernando Henrique passa por uma saia-justa ao aparecer ao lado do ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Allan Turnowski, afastado de suas funções neste ano sob suspeita de vazar informações de investigação da Polícia Federal para um subordinado suspeito de envolvimento com uma milícia.
Para evitar cortar a cena, que mostra o depósito em que a polícia do Rio armazena as armas de fogo apreendidas, a direção do filme incluiu uma legenda explicando o caso Turnowski.
Embora Fernando Henrique afirme que o trabalho seja mais um debate do que uma tese - o ex-presidente concedeu a entrevista antes de assistir à edição final do longa -, não há posições contrárias à descriminalização no filme. "Pensamos, sim, em colocar (contraditório). Mas na hora de editar 400 horas de entrevistas em 75 minutos não dava para pôr o (Jair) Bolsonaro falando e deixar de fora todas as experiências que relatamos", diz Fernando Menocci, de 28 anos, produtor-executivo do filme.
Para se contrapor à política repressiva dos EUA, o filme traz políticas públicas de flexibilização no tratamento do tema, como a descriminalização promovida em Portugal e a redução de danos financiada pelo governo da Holanda. A direção é do cineasta Fernando Grostein Andrade, de 30, e o filme estreia na sexta-feira.

TRÊS PERGUNTAS PARA...

Fernando Henrique Cardoso, EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

1. O que o levou a levantar a bandeira da descriminalização das drogas?
Foi pela questão política mesmo. Estava nos Estados Unidos, em um almoço no Departamento de Estado, no governo Bush. Eles estavam percebendo que a guerra às drogas não estava dando resultado. Havia uma certa tensão no ar. Aí comecei a estudar o assunto mais profundamente.

2. Qual seria o primeiro passo para descriminalizar as drogas?
Há no Congresso proposta do deputado Paulo Teixeira, do PT, de descriminalizar o uso da maconha. Devemos ser cautelosos. Não é só descriminalizar. Precisa de educação e outras medidas que vão juntas. Provavelmente, será primeiro com maconha.

3. A Marcha da Maconha está lutando pela descriminalização ou fazendo apologia?
Há uma certa confusão (do movimento). Agora, o tribunal julgou antes de haver a confusão. Portanto, ele prejulgou. Sou mais liberal. Você tem o direito de querer mudar a ordem estabelecida, desde que por meios pacíficos.

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Reportagem por Fábio Mazzitelli - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão on line, 31/05/2011

A língua politicamente correta

RUBEM ALVES*
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Não lhe importavam as coisas que eu escrevia,
mas apenas se eu as escrevia
 com as palavras certas

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REVISORES SÃO seres invisíveis que se valem de jornais e editoras para corrigir os deslizes dos escritores. Porque os escritores, frequentemente, desrespeitam as leis fundamentais da gramática. Eu mesmo, por muito tempo, tive como revisor voluntário dos meus textos um erudito da língua que me enviava periodicamente, por puro amor à língua, relatórios detalhados dos meus erros.
Desse revisor voluntário tenho apenas uma queixa: ele nunca disse uma só palavra sobre a substância mesma dos meus artigos. Não lhe importavam as coisas que eu escrevia. Importava-lhe se eu as escrevia com as palavras certas.
Para me consolar, eu repetia as palavras de Patativa do Assaré: "Mais vale escrever a coisa certa com as palavras erradas que escrever a coisa errada com as palavras certas..." Até lhe dediquei uma pequena parábola. Eu, convidando meus amigos para tomar uma sopa que eu mesmo faço. Eles vêm, tomam a sopa e gostam. Mas um intruso, não convidado, toma a minha sopa, nada diz sobre a sopa, mas reclama que a tigela estava lascada...
Tenho tido experiências com revisores atentos, sensíveis, competentes, que não só corrigem meus erros como também me fazem sugestões de como melhorar o meu estilo. Mas tenho tido também experiências desastrosas. E isso porque os revisores têm um poder terrível. Basta que mudem uma simples palavra...
Saramago escreveu um livro sobre um revisor que, cansado de sua função de apenas revisor, resolveu interferir no texto. No lugar onde o autor havia escrito um "sim", ele resolveu deletar o "sim" e substitui-lo por um "não". O resultado foi que a história do cerco de Lisboa teve de ser completamente reescrita.
Houve um livro que escrevi, todo ele baseado na distinção entre "história" e "estória", distinção que os gramáticos, donos da língua, desconhecem, por saber muito sobre letras e sílabas e pouco sobre sentidos. Resolveram, por conta própria, eliminar do dicionário a grafia "estória". Tudo agora é "história". Mas Guimarães Rosa sabe que isso está errado e até escreveu: "A estória não quer se tornar história".
São duas coisas diferentes. História é o tempo onde as coisas acontecidas não acontecem mais. Estória é o tempo onde coisas não acontecidas acontecem sempre.
Pois o revisor do meu livro, mais atento às ordens do dicionário, livro onde se encontram as palavras e sentidos certos, eliminou as "estórias" que eu havia escrito, substituindo-as por "histórias". Ficou totalmente sem sentido. O revisor disse que abacaxis e pitangas eram a mesma coisa.
Esse mesmo revisor achou por bem corrigir minha tradução de um verso de Eliot. "The inner freedom from the practical desire...". Minha tradução: "A liberdade interior do desejo prático..." Coisa de velhice: estamos livres da compulsão de fazer coisas práticas. Podemos nos entregar à vagabundagem. Pois o dito revisor, certamente movido por sua ideologia de esquerda, não podia imaginar que essa liberdade da compulsão do fazer fosse coisa decente. Alterou, então, a minha tradução para "a liberdade interior para o desejo prático..."
Na versão do revisor, todo mundo ficou condenado à compulsão do fazer. Culpa minha. Acreditei no revisor. Não conferi. Resultado: o livro ficou um "non-sense". Seu destino, o lixo. Mas as palavras estavam de acordo com o dicionário.
Outro revisor ficou horrorizado com a fala de um ignorante chamado Riobaldo. Era português errado, horrível. Tratou de corrigi-la, e o Riobaldo ficou falando como se fosse uma professora de português. Ainda bem que, nesse caso, não confiei no revisor e não perdi o livro.
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* Teólogo. Educador. Escritor. Cronista da Folha e do Correio Popular
Fonte: Folha on line, 31/05/2011
Imagem da Internet

Cientistas tentam imitar design inteligente do cérebro

Construir um cérebro artificial, copiado do verdadeiro, para entender como essa extraordinária máquina funciona e deixa de funcionar. Esse é o desafio do Projeto Cérebro Humano, centrado na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, mas incluindo pesquisadores de várias partes da Europa. O projeto está agora disputando um financiamento da União Europeia de um bilhão de euros. “Sessenta mil artigos científicos sobre o cérebro são publicados anualmente”, afirma Henry Markram. Em vez de deixar esses artigos dormindo nas bibliotecas, o Projeto Cérebro Humano pretende integrá-los para construir uma máquina única no mundo. Markram e seus colegas já estão trabalhando desde 2005 em um projeto de cérebro artificial, chamado Cérebro Azul (Blue Brain), o mais próximo tecnicamente possível do cérebro biológico. Nesse caso, o trabalho foi realizado com técnicas de engenharia reversa: em vez de desenhar um objeto antes de ser construído, pega-se um objeto existente para depois preparar um plano.
O primeiro passo foi dado com as proteínas, essas moléculas grandes que formam as células, e em seguida com os neurônios, através dos quais passam as informações, e as células gliais que os alimentam e modulam as transmissões, feixes de íons que passam de uma célula a outra através de longos filamentos. Tudo isso é reconstruído virtualmente a partir de dados coletados da matéria viva.
Dispostas em forma de estrela em torno de um microscópio infravermelho, uma dúzia de caixinhas prolongadas por uma pipeta de plástico parecem se alimentar da mesma fonte de luz verde. Cada unidade contém doze neurônios de rato, cuja atividade a máquina decifra precisamente - a atividade é então modelada no computador. Essa é a essência do projeto. Desde 2005, essas experiências têm-se revelado uma verdadeira mina de informações sobre o funcionamento básico das células cerebrais.
Através delas, o Cérebro Azul já foi capaz de simular uma coluna neocortical de ratos, unidade de base do cérebro, composta de 10 mil neurônios, cada um capaz de criar entre si até 30 milhões de conexões. Mas o cérebro humano, o objetivo final do Projeto Cérebro Humano, conta com pelo menos 100 milhões de neurônios. E, hoje, é necessária a potência total de um computador portátil para simular o comportamento de um único neurônio. Isso quer dizer que precisamos melhorar a potência dos computadores. Estima-se que um cérebro humano virtual exigiria uma máquina mil vezes mais potente do que o maior supercomputador existente.
O Projeto Cérebro Humano vai, portanto, trabalhar lado a lado com os fabricantes de hardware para tentar encontrar soluções em termos de potência de cálculo, consumo de energia e dissipação de calor. E pensar que o nosso cérebro é capaz de fazer mais e melhor do que todas essas máquinas, (quase) sem esquentar a cabeça! [...]
Os pesquisadores do Projeto Cérebro Humano pretendem transformar a máquina deles em uma ferramenta de última geração para a compreensão do cérebro, simulando situações reais, administrando nela medicamentos ou novas moléculas virtuais, mas também alimentando-a com todos os conhecimentos atuais e futuros. Para Markram, trata-se de uma questão “de interesse da humanidade”. [...]
O Projeto Cérebro Humano também será útil para a robótica (os robôs "alimentarão" o cérebro artificial com sensações), para as próteses de interfaces do sistema nervoso e, claro, para a informática, que tem muito a aprender com a extraordinária capacidade do cérebro humano. [...]

(Inovação Tecnológica)

Nota: “Engenharia reversa” é outro nome para cópia de design inteligente. Agora observe seu computador... Seria ele fruto de ajuntamentos fortuitos de componentes eletrônicos? (Vamos dar uma chance ao acaso e imaginar que esses componentes já estavam lá, uma vez que na experiência do Cérebro Azul foram usados neurônios de rato; se tivéssemos que conceber a origem casual dos neurônios – ou dos circuitos de um computador – nosso exercício de imaginação iria beirar o sobrenatural, e não queremos deixar a porta aberta para Deus, não é mesmo, amigos naturalistas?) Bem, basta você voltar aos trechos que grifei em bold para perceber que o que os cientistas estão fazendo é empregar muito dinheiro e planejamento/inteligência para “apenas” copiar algo (o cérebro) que teria, ele sim, evoluído a partir do nada! Durma-se com uma incoerência dessas.[MB]
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Domenico de Masi - Entrevista

'Gates, não. Niemeyer'


Italiano Domenico de Masi diz que arquiteto
é exemplo prático do seu conceito de ócio criativo

Estadão.edu

O sociólogo italiano Domenico de Masi virou celebridade com o livro O Ócio Criativo, de 1995, um elogio à criatividade como valor fundamental no mundo do trabalho pós-industrial. Presidente da S3 Studium, escola voltada às “ciências organizativas”, e professor universitário, ele foi um dos destaques da 18.ª Educar/Educador, misto de feira e congresso educacional realizado este mês em São Paulo.
'Há uma forte diferença entre
digitais e analógicos'

Um dos temas que o senhor foi convidado a abordar em São Paulo é o desafio de estimular a criatividade nas empresas. Como é possível fazer isso?
Todas as organizações, pela sua natureza, tendem a se burocratizar e a perder competitividade. Para evitar essa entropia natural é preciso motivar as pessoas que trabalham na organização e ajudá-las a gerenciar a mudança de modo criativo. Ora o que é a criatividade? É uma síntese de fantasia e concretude, que pode ser feita por meio de grupos criativos nos quais coexistam personalidades com essas duas características e uma liderança do tipo carismático.

A maioria das empresas não é a antítese da criatividade?
As grandes organizações são o cemitério da criatividade. As empresas que produziam as máquinas de escrever mecânicas não são as que inventaram as máquinas de escrever elétricas. As que produziam as máquinas elétricas não são as que inventaram as máquinas de escrever eletrônicas. As empresas que fabricavam válvulas não foram as que inventaram o transistor. As grandes empresas não são criativas.

Para não ficar só no mundo empresarial, até porque entre os temas do seminário está a gestão da educação. Uma das maiores máquinas burocráticas de São Paulo é a da Secretaria Estadual de Educação. Como eliminar as barreiras e estimular a criatividade dentro do ambiente escolar, da rede pública?
O ambiente escolar, afortunadamente, tem maior independência. Porque cada professor é livre para escolher o próprio programa, a própria técnica pedagógica, muito mais que um manager para escolher sua equipe e seu método. A escola é um pouco mais livre, também porque lá estão os jovens.

O caminho, então, é cada professor ser visto e ver a si mesmo se como um líder.
Sim, as classes são pequenas, cada professor tem 20, 30 alunos.

Nem tanto. Muitas vezes chegam a 40...
São 40, não são 40 mil. No comércio os números são enormes. Os bancos têm dezenas de milhares de pessoas. Há menor possibilidade de ser criativo. Nas escolas a possibilidade de ser criativo é maior e a de ser burocrático, menor.

O sr. é otimista, então, quanto à possibilidade de a escola ser um lugar de estímulo à criatividade.
O que eu vejo é que nos últimos cem anos todas as revoluções nasceram nas escola e depois foram transferidas para as fábricas. E todas as revoluções foram iniciadas por intelectuais: 68 nasceu em Berkeley, na Sorbonne, em Paris.

O sr. é diretor de faculdade. Acha que o tipo de estrutura e de pensamento que se tem hoje no ensino superior é adequado à formação de pessoas realmente inovadoras, empreendedoras, que façam a diferença na sociedade?
Por sorte ainda existe uma diferença entre escola e empresa. Empresa é muito ligada ao modelo industrial. Vivemos numa sociedade pós-industrial. E as empresas são sempre do tipo taylorista, fordista. As empresas estão baseadas na produção de bens materiais. Mas hoje elas precisam produzir ideias. E não se pode produzir ideias com os métodos pelos quais se produz bens materiais. Não se pode produzir ideias como se produziam antes automóveis ou porcas. É preciso encontrar métodos novos de organização, baseados na coexistência de estudo, trabalho e jogo, que é o que eu chamo de ócio criativo. O ócio criativo não é a preguiça. Não é não fazer nada. É fazer três coisas simultaneamente: estudo, trabalho e jogo.

Então, de alguma forma, essa é uma vantagem da nova geração, a Geração Y como é chamada, que tem essa capacidade de fazer coisas simultaneamente, além de ser familiarizada com o jogo, porque parte da formação dela é com os games.
Mas eu sou contra a multitarefa. É uma loucura.

Bom, existe a crítica de que é uma geração que não tem foco, que é dispersiva.
Sim, dispersiva. Faz muitas coisas que não se somam, se subtraem. O ócio criativo não é uma soma de várias coisas, é uma síntese de estudo, trabalho e jogo. Significa trabalhar jogando. Jogar aprendendo. É um híbrido, que é algo diferente de uma soma.

O sr. buscou inspiração para a tese do ócio criativo em algum personagem específico da história? Quem põe isso em prática hoje?
Acho que, quando trabalha, meu amigo Oscar Niemeyer simultaneamente estuda e se diverte. Ou Chico Buarque, Caetano Veloso. Quando trabalham, eles ao mesmo tempo se divertem e estudam. Acho que qualquer pessoa criativa faz isso.

E quanto ao outros ícones: o sr. admira mais Niemeyer do que um Bill Gates, por exemplo.
Niemeyer mais do que Bill Gates. Porque o Bill Gates tem a doença do industrialismo. Niemeyer não tem essa doença. É filho de uma cultura brasileira, enquanto Bill Gates é filho de uma cultura californiana, americana. O Brasil é mais propenso ao ócio criativo.

A Itália também, não?
Também. Um pouco menos do que o Brasil.

Menos? Com toda essa herança cultural que vocês têm?
Porque a Itália teve um período industrial que o Brasil nunca teve.

Então é melhor para um país ter pulado essa etapa do fordismo?
Sim, sim. O que mata o ócio criativo é o fordismo. O Brasil nunca foi totalmente fordista. São Paulo o é, um pouco. Os Estados Unidos são todos fordistas.


O sr. está na academia. Tem contato com empresas? O que elas acham de suas ideias?
Faço palestras e consultoria para todas as grandes empresas italianas. Também para a Rede Globo e para o Sebrae no Brasil.
Museu de Arte Contemporânea - Oscar Niemeyer

"Acho que um jovem não deve ser nunca maduro,
mas sempre verde, incompleto e experimental e
deve amar a linha curva, livre e sensual,
como diz Oscar Niemeyer."

E qual a reação delas às suas ideias?
Se a agenda é de inovação, a reação é positiva. Se a agenda é reacionária, a reação é negativa.

Com base na experiência na faculdade, como o senhor vê a nova geração?
A situação geracional é de forte diferença entre aqueles que eu chamo de analógicos e os que chamo de digitais. Os digitais são prevalentemente jovens, que têm muita intimidade com a informática, não distinguem muito entre dia e noite, entre dias de feriado e de trabalho. Não têm medo da inovação tecnológica, não têm medo da sexualidade, não sofrem de jet lag, têm confiança no futuro. Acreditam na igualdade entre os sexos. São tolerantes com a homossexualidade. Os analógicos têm pouca familiaridade com a informática, têm medo da tecnologia, do progresso. Têm medo da multirracialidade, distinguem o dia da noite, viajam pouco, não estão no Facebook e assim por diante. São pessoa que olham para o passado, enquanto os digitais olham para o futuro.

Sua análise é muito favorável ao digital e crítica do analógico. Mas quais são os problemas do digital, o que o senhor vê de ruim neles? Além da incapacidade de foco já mencionada, eles são criticados por terem uma expectativa muito grande de conseguir as coisas rápido, sem a disposição de se esforçar, de dar algo em troca.
Acho que essa é uma descrição conservadora (risos). Vivo continuamente com os jovens e entre eles existem todos tipos. Há jovens analógicos, nem todos são digitais. Mas os jovens, de um modo geral, conseguem ser muito entusiasmados, inovadores, se há uma ideologia do progresso e uma liderança carismática.

O sr. é mais digital ou analógico?
Tenho 70 anos, mas sou digital.

Por quê?
Eu não sofro de jet lag.

O sr. está no Facebook?
Não estou. Mas tenho três grupos de fãs. Não estou no Facebook porque não teria tempo de responder.

Para encerrar, que conselho o sr. daria a um jovem?
Um dos aspectos mais importantes da sociedade pós-industrial é a flexibilidade. Eu contraponho dois arquitetos. Um é Le Corbusier. Racionalista, ele dizia “Eu amo a linha reta, a mais breve entre dois pontos, criada pelo homem”. Eu não amo esse pensamento de Le Corbusier. Amo o pensamento de Niemeyer. Ele disse: “Amo a linha curva, livre e sensual. A linha que encontro nos rios e montes de meu país, nas nuvens do céu, nas ondas do mar, no corpo da mulher amada”. E depois conclui: “Das curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”. Diria ainda uma frase de Gilberto Freyre: “Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro nem nas ideias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental”. Acho que um jovem não deve ser nunca maduro, mas sempre verde, incompleto e experimental e deve amar a linha curva, livre e sensual, como diz Oscar Niemeyer.
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Bichos antiecológicos

Xico Graziano*
Insólita notícia. Manadas de javalis andam destruindo plantações em várias localidades agrícolas do País. Os bravios invasores europeus atacam pessoas e ameaçam a saúde ambiental. Ninguém sabe como enfrentá-los.
Trazidos há décadas para a Patagônia argentina, onde foram introduzidos para servirem à caça esportiva, os javalis passaram também a ser criados em cativeiro no Uruguai e, depois, no Brasil, visto apresentarem saborosa carne. Mas fugiram, ou foram soltos, dos criatórios, reproduzindo-se por aí com velocidade alarmante. Dizem que sua população dobra a cada seis meses. Apavorante.
Há uma agravante. O javali verdadeiro se cruza fácil com o porco do mato brasileiro - cateto ou queixada -, resultando num animal híbrido, apelidado de javaporco. Em cativeiro, o javaporco se oriunda do cruzamento com raças domésticas, gerando um animal amansado de boa carne. Algumas churrascarias a servem no rodízio.
Os suídeos selvagens, puros ou hibridados, assustam a turma do interior em 13 Estados brasileiros, onde já foram observados comendo roça de mandioca e milho, atacando galinheiros e devorando hortas. Chegando a pesar 150 quilos, inexiste cerca que os contenha. Sem predadores naturais, viraram uma violenta espécie invasora.
O problema envolve a agricultura, o meio ambiente e a saúde pública. Hospedeiro de doenças como a aftosa e a peste suína clássica, pode pôr em risco a suinocultura nacional. Predador voraz, afeta a biodiversidade local. Por isso preocupa os ambientalistas, como na Área de Proteção Ambiental (APA) de Macaé de Cima (Nova Friburgo, RJ).
O bicho invasor configura um animal nocivo e, como praga, precisa ser controlado. Mas aí surge o problema. Abater um javali, ou um javaporco, pode configurar crime ambiental. O inusitado assunto carece de regulamentação do Ibama, junto com os órgãos estaduais. Mas os órgãos públicos batem cabeça entre si.
No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina o abate e a captura dos javalis e porcos asselvajados estiveram liberados por um tempo. Agora foram suspensos para "mais estudos". Enquanto isso o problema se agrava. Rafael Salerno, agrônomo e estudioso da matéria, teme que as manadas de javalis cheguem à Amazônia. Seria um desastre. Duas pessoas, uma em Ibiá (MG), outra em Pedregulho (SP), foram mortas por mordida dos dentuços.
Sejam animais ou vegetais, a invasão de ambientes naturais por espécies exóticas já é considerada a segunda causa da perda de diversidade no mundo. Segundo o WWF, entidade ambientalista que mais se destaca no tema, as espécies invasoras configuram um verdadeiro desastre ambiental.
O problema vem de longe. Na colonização da Austrália, há 200 anos, os ingleses introduziram coelhos e raposas tentando reproduzir na nova terra seus ambientes familiares de origem. Tais espécies, porém, acabaram se tornando terríveis pragas, competindo por alimentos com os mamíferos nativos.
Há décadas os fazendeiros australianos, com o apoio do governo, lutam contra a epidemia de coelhos e raposas. Estímulo à caça, práticas de envenenamento, armadilhas, destruição de tocas com dinamite e, mais recentemente, introdução de doenças letais, como a mixomatose nos coelhos, nada tem funcionado a contento.
No Brasil se conhece o exemplo nocivo da introdução, na década de 1950, do lagarto teiú em Fernando de Noronha. O suposto combatente de ratos encontrou nos ovos das tartarugas e de pássaros marinhos das ilhas uma fonte maravilhosa de proteína, reproduzindo-se de forma incontrolável. Ande nas belas praias do arquipélago e os verá tomando sol.
Lebres europeias, bem maiores do que as nativas, atacam as lavouras paulistas e paranaenses há mais tempo que os javalis. Advindo das planícies paraguaias e argentinas, onde foi introduzido, o bicho orelhudo ataca os brotos das lavouras que encontra pela frente. Adora os de melancia.

"Há décadas se compreende que a
 conservação ambiental difere
do puro preservacionismo."

Os agricultores nacionais andam sofrendo na agenda ambiental. Basta ver a polêmica criada sobre o novo Código Florestal. Volta e meia os carimbam contra a natureza. Agora, escaldados, solicitam ajuda para controlar a ameaça dos animais invasores, como os javalis e os lebrões. Bichos antiecológicos.
Na maioria dos Estados da Federação, como em São Paulo, a caça é constitucionalmente proibida. Certamente os legisladores imaginaram eliminar a matança de espécies silvestres - a paca, o tatu, a codorna. Mas criaram, sem o querer, um obstáculo ao controle da fauna exótica. Sorte do javali.
Os defensores da caça controlada, permitida na maioria dos países, argumentam seu valor na defesa ambiental dos territórios. Pode-se comprovar tal preservação ecológica na França, nos EUA ou no Quênia. Também funciona no Parque Nahuel Huapi, que circunda a linda Bariloche, no sul da Argentina. Lá os javalis podem ser abatidos a tiro sob a supervisão dos indígenas locais. A caça restrita gera renda e empregos no turismo de aventura patagônico.
Há décadas se compreende que a conservação ambiental difere do puro preservacionismo. Neste a natureza é intocável e o valor da biodiversidade tudo supera. Naquela se permite o uso sustentado dos recursos naturais e a biodiversidade se maneja em favor do homem. Aqui cabe a caça.
Uma saída vernacular deve resolver a parada. Basta os órgãos ambientais, ao regulamentar o controle dos javalis, permitirem o uso de armadilhas e técnicas que descaracterizem tal atividade como uma caçada de animais. Com a palavra o Ibama.
Lembrei-me do Obelix, gordo amigo do Asterix, o Gaulês. Louco por comer javalis assados, inteiros, o personagem da engraçada história em quadrinhos os abatia no muque. Será esse o desiderato dos agricultores, pegar javalis à unha?
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* AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Fonte: Estadão on line, 31/05/2011

O ataque do ''vírus da irrelevância''

Arnaldo Jabor*
Um amigo meu, muito culto, tem um filho muito "conectado" na internet. E o menino disse a ele: "Pai, você sabe tudo que já aconteceu, mas não sabe nada do que está acontecendo". O pai, como todos nós, embatucou. A mutação cultural dos últimos anos foi tão forte, a turbulência no mundo pós-industrial dissolveu tantas certezas, que caímos num vácuo de rotas.
Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos - não sabem o que filmar, escrever, formular. Em geral, recorrem às atitudes mais comuns nas turbulências: desqualificar os fatos novos e reinventar um "absoluto" qualquer. Sinto em mim mesmo como é difícil criar sem esperança ou finalidade. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas. Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Agora, na falta das "grandes narrativas" do passado, estamos a idealizar irrelevâncias, como se ali estivessem pistas para novas "verdades" a desvelar - a aura deslizou da obra para o próprio autor.
"Pela influência insopitável do
avanço tecnológico da informação,
turbinado pelo mercado global,
foram se afastando do grande público
 as criações artísticas e literárias,
as ideias filosóficas,
os valores."
Hoje, as palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas de sentido e ficamos à deriva. Por exemplo, "futuro". Que quer dizer? Antes, era visto como um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo, solucionado, harmônico, que nos redimiria da angústia da falta de "Sentido". Agora, no lugar de "futuro", temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Pela influência insopitável do avanço tecnológico da informação, turbinado pelo mercado global, foram se afastando do grande público as criações artísticas e literárias, as ideias filosóficas, os valores. Em suma, toda aquela dimensão espiritual chamada antigamente de cultura que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, dando um sentido à vida e uma razão de ser para a existência. Mais ou menos isso Vargas Llosa escreveu outro dia no El País, num ensaio chamado A Civilização do Espetáculo.
A verdade é que passamos da ilusão para o desencanto.
Temos hoje uma "horrenda liberdade" sem fins, porque (vamos combinar) os criadores querem mesmo é ser eternos, inesquecíveis, mesmo os mais radicais "instaladores" contemporâneos.
Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a web de grafites delirantes. Não sei em que isso vai dar, mas o tal "futuro" chegou; grosso, mas chegou. Talvez este excesso de "irrelevâncias" esteja produzindo um acervo de conceitos "relevantes", ainda despercebidos. Podemos nos dedicar ao micro, ao parcial, podemos nos arriscar ao erro com mais alegria; mas, isso não pode justificar um desprezo pela excelência. E o pior é que as tentativas de "grande arte" são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras, diante da cachoeira de produções que navegam no ar. Isso me lembra o tempo em que achávamos que o "fluxo da consciência", "the stream of consciousness" ou até o discurso psicótico encerravam uma sabedoria insuspeitada. Será que houve a morte da "importância"? Ou ela seria justamente esta explosão de conteúdos e autores? O "importante" seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é "importante", nada o é. A importância de uma obra reside no grau de decifração da vida de seu tempo e para onde ela aponta, mesmo no túnel sem luz.
Obra de Jan Van Eyck
Se olharmos as obras-primas de, digamos, Jan Van Eyck, o gênio holandês, vemos ali todo o espírito da Idade Média, revelada nos detalhes mais banais, mesmo nas encomendas de príncipes ou cardeais.
Escrevo estas coisas porque meu artigo de hoje é a propósito de um "importante" ensaio de Alcyr Pécora de 23 de abril, no Prosa e Verso de O Globo, sobre a crise de nossa literatura. Alcyr acha que fomos atacados por "um vírus de irrelevância".
Ele escreveu:
"É como se o presente se absolutizasse e não mais admitisse um legado cultural como patamar exigente de rigor para sua produção(...) é como se alguma coisa se introduzisse na cultura e a tornasse inofensiva, doméstica. (...) A ação já se apresenta como narrativa, como ocorre nos reality shows, em que as pessoas, antes de agir, representam ou narram a ação que lhes cabe, como se todo mundo fosse interessante o bastante para ser visto/lido (...) Não basta haver conhecimento; tem de se produzir o que não é e o que não há (...) Na arte, não há nenhum valor simbólico que substitua o objeto (...) não há atitude ou opção ideológica que permita saltar sobre os mecanismos da composição (...) Perdida a noção de herança cultural, perde-se a de crítica, de autocrítica, e naturalmente a de criação (...) Escrever literatura é um gesto simbólico que traz uma exigência: a de ser de qualidade (...) A recusa de muitos escritores de sequer considerar o impasse atual tem qualquer coisa de cegueira deliberada (...) Atitude resolve problemas do roqueiro, mas não resolve a questão da literatura".
No entanto, as questões levantadas pelo professor não tiveram repercussão teórica maior, além de reclamações mal-humoradas de que ele seria um crítico "estraga-prazer, um intrometido".
Contudo, é preciso que esses tópicos sejam discutidos, com ou sem polêmicas, pois, na tal conversa do pai erudito com o filho conectado, a resposta do pai poderia ser: "Você acha que sabe tudo que está acontecendo e nada sabe sobre o que já aconteceu".
Por isso, dou uma pequena contribuição ao assunto: tenho um filho de 11 anos, João Pedro. Eu, zeloso pai, botei o Quarteto de Cordas op. 133 de Beethoven para que ele ouvisse um momento máximo da história da música. Ouviu tudo atentamente enquanto, no ritmo exato do quarteto, jogava um game, o Hell Kid no iPad.
Beethoven e o game se uniram em harmonia. Talvez haja futuro.
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* Jornalista. Cineasta. Escritor. Cronista do Estadão.
Fonte: Estadão on line, 31/05/2011
Imagens da Internet

segunda-feira, 30 de maio de 2011

“Eu sou um bom garoto cristão”

Entrevista
Com voz rouca e serena, Alice Cooper conversou por telefone com ZH no último dia 21, em meio à turnê No More Mr. Nice Guy – naquele dia, ele e sua banda iriam tocar em Sylvania, Ohio, e já se preparavam para a etapa sul-americana da viagem. Cortês sem abrir mão da ironia, ele falou da expectativa de voltar ao Brasil, soltou algumas farpas para as bandas de rock da atualidade, adiantou detalhes de seu próximo disco – Welcome 2 my Nightmare, sequência do clássico Welcome to my Nightmare, de 1975, com lançamento previsto para outubro, perto do Halloween – e lembrou do encontro recente com a cantora Lady Gaga, não por acaso uma de suas fãs. A seguir, leia trechos da entrevista – e confira a íntegra em www.zerohora.com/segundocaderno.

Zero Hora – Qual é a sensação de voltar ao Brasil?
Alice Cooper – Estive aí há uns quatro, cinco anos. Mas a primeira vez foi em 1973 ou 1974 (foi em 1974). Foi a maior plateia em um lugar fechado, em todos os tempos: 168 mil pessoas, em São Paulo. O engraçado foi que no outro dia, no jornal, havia uma baita foto minha com a cobra, e estava escrito: “Macumba”. E eu nem sabia o que era macumba. Depois me explicaram o que era. E eu sou um bom garoto cristão (risos). Sempre que ficamos sabendo que vamos ao Brasil, ficamos empolgados. Todos querem ir ao Brasil. Eu posso falar que estamos indo à Rússia, ou à Europa, mas quando digo que estou indo ao Brasil, todos dizem: “Uau! Queria ir”.

ZH – O repertório da turnê é de sucessos. Mas há novidades, não?
Alice – Sim. Na verdade, estamos tocando uma música que ainda não foi lançada. É do novo disco, a segunda parte do Welcome to my Nightmare, se chama I’ll Bite Your Face Off.

ZH – Como tem sido tocá-la ao vivo?
Alice – É bem incomum: as plateias já andam cantando o refrão.

ZH – Qual foi a sensação ao trabalhar nesse disco? Havia a intenção de trazer de volta o clima do primeiro Nightmare?
Alice – Sabe, não acho que a música mude muito. O tipo de música que fazemos não sofreu grandes mudanças. É rock’n’roll, e sempre tentamos torná-lo interessante. Tentamos fazer letras que façam a plateia imaginar coisas interessantes. Então, se você está falando de um pesadelo, pode ir em qualquer direção, é algo bem surreal, bem Salvador Dalí (pintor catalão), com muitas imagens.

ZH – E como será levar isso para o palco?
Alice – Vamos fazer um show no qual cada canção terá seus próprios elementos cênicos. Quando fizemos o primeiro Welcome to my Nightmare, a questão era: como dar vida àquilo no palco? Bem, iríamos precisar de uma cama no palco, então teria de ser uma cama de aparência bem assustadora. Coisas que viviam sob a cama iriam aparecer e sair dançando em volta – então eu tinha quatro dançarinos profissionais, de jazz e balé.

ZH – Você é um dos artistas que inventou essa maneira de levar o teatro para o rock. Como isso começou?
Alice – Os caras da banda original, todos, também estavam envolvidos com arte. Éramos todos grandes fãs do Salvador Dalí. Na verdade, chegamos a trabalhar com ele, em 1972 ou 1973. Fiz um projeto com ele. Ele via Alice Cooper como algo surrealístico. A ideia era que Alice Cooper não fosse só uma banda, mas também deveria ser uma peça de teatro. Desde o início, não queríamos ser heróis do rock’n’roll – queríamos ser os vilões do rock’n’roll. E foi isso que projetamos para Alice Cooper, uma espécie de Darth Vader do rock’n’roll (risos).

ZH – E isso se tornou muito influente nas décadas seguintes, para muitos artistas.
Alice – Sim. Rob Zombie, Slipknot... Até a Lady Gaga foi bastante influenciada pelos nossos discos e pelos nossos shows. A Lady Gaga é uma grande fã de Alice Cooper.

ZH – Você já teve a oportunidade de falar com ela sobre isso?
Alice – Oh, sim. Eu a vi em um show em Phoenix. Depois do show, ela me disse: “Muito obrigada por nos deixar roubar o seu espetáculo!”. Eu disse que ela não roubou o show, mas que eu gostava do fato de ela ser influenciada por ele.

ZH – Não seria a ocasião para uma colaboração entre vocês?
Alice – Não. Mas não digo que isso não virá a acontecer. Eu gostaria de compor algumas canções com a Lady Gaga. Mas acho que seria mais puxando para o rock, não tanto para o dance.

ZH – Para você, fazer shows é mais importante do que gravar discos?
Alice – As coisas andam juntas. Você não pode fazer o teatro se não tiver a música para isso. Chamo isso de fazer um bolo: você prepara um grande bolo e aí coloca a cobertura por cima. Para nós, o lado teatral é a cobertura. A qualidade é tudo para nós. O Bob Ezrin (produtor dos discos Welcome to my Nightmare) diz que toda canção tem que ser uma música em que todos acreditemos, estejamos convictos dela, de que seja realmente musical – que realmente se possa cantá-la, não só gritá-la. Tem muito rock por aí que são bandos de garotos gritando, em vez de comporem boas músicas.

ZH – Qual sua impressão sobre o rock’n’roll feito hoje?
Alice – Acho que as bandas parecem ser muito sensíveis, delicadas. Parece que têm medo de usar sua testosterona. Nas bandas do nosso tempo, a coisa toda do rock’n’roll era: é algo que vem da virilha, e não do cérebro (risos). E agora parece que todas as bandas são tímidas.

ZH – Acha que isso tem a ver com a tendência do politicamente correto?
Alice – Sim. Não acredito em correção política. Quando as pessoas me dizem que sou politicamente incorreto, digo que sou politicamente incoerente (risos).

ZH – Parece impossível ser totalmente correto politicamente...
Alice – Sim, você fica tão correto que se torna um robô. Tem que cuidar o tempo inteiro o que vai dizer, é como estar o tempo todo com medo. Tenho um amigo que leciona na Universidade do Arizona, e ele me disse: “Se eu entro na sala de aula e digo a uma garota: ‘Oh, que belo vestido’, posso ser demitido, porque ela iria dizer que isso é assédio sexual. Mas tudo o que eu disse é que gostei do vestido!”.
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Reportagem por LUÍS BISSIGO
Fonte: ZH on line, 30/05/2011

Uma nova ciência: Análise do Ciclo de Vida

Leonardo Boff(*)

Imagem da Internet

A busca de um bem viver mais generalizado e o cuidado para com a situação global da Terra está aprofundando cada vez mais a nossa consciência ecológica. Agora se impõe analisar o rastro de carbono, de toxinas, de químicas pesadas, presentes nos produtos industriais que usamos no nosso dia a dia. Desta preocupação está nascendo uma verdadeira ciência nova que vem sob o nome de ACV: Análise do Ciclo de Vida. Monitoram-se os impactos sobre a biosfera, sobre a sociedade e sobre a saúde em cada etapa do produto, começando pela sua extração, sua produção, sua distribuição, seu consumo e seu descarte.
Demos um exemplo: na confecção de um vaso de vidro de um kg entram, espantosamente, 659 ingredientes diferentes nas várias etapas até a sua produção final. Quais deles nos são prejudiciais? A Analise do Ciclo de Vida visa a identificá-los. Ela se aplica também aos produtos ditos verdes ou ecologicamente limpos. A maioria é apenas verde no fim ou limpos só na sua utilização terminal como é o caso do etanol. Sendo realistas, devemos admitir que toda a produção industrial sempre deixa um rastro de toxinas, por mínimo que seja. Nada é totalmente verde ou limpo. Apenas relativamente ecoamigável. Isso nos foi detalhado por Daniel Goleman, com seu recente livro “Inteligência Ecológica” (Campus 2009).
O ideal seria que em cada produto, junto com a referência de seus nutrientes, gorduras e vitaminas, deveria haver a indicação dos impactos negativos sobre a saúde, a sociedade e o ambiente. Isso vem sendo feito nos EUA por uma instituição Good Guide, acessível pelo celular, que estabelece uma tríplice qualificação: verde, para produtos relativamente puros, amarelo se contém elementos prejudiciais, mas não graves, e, vermelho, desaconselhável por seu rastro ecológico negativo. Agora se inverteram os papéis: não é mais o vendedor, mas o comprador que estabelece os critérios para a compra ou para o consumo de determinado produto.
O modo de produção está mudando e nosso cérebro ainda não teve tempo suficiente acompanhar essa transformação. Ele possui uma espécie de radar interno que nos avisa quando ameaças e perigos se avizinham. Os cheiros, as cores, os gostos e os sons nos advertem se os produtos estão estragados ou se são saudáveis, se um animal nos ataca ou não.
Ocorre que o nosso cérebro não registra ainda mudanças ecológicas sutis, nem detecta partículas químicas disseminadas no ar e que nos podem envenenar. Introduzimos já 104 mil compostos químicos artificiais pela biotecnologia e pela nanotecnologia. Com o recurso da Análise do Ciclo de Vida constatamos o quanto estas substâncias químicas sintéticas, por exemplo, fazem diminuir o numero de espermatozóides masculinos a ponto de gerar infertilidade em milhões de homens.
Não se pode continuar dizendo: as mudanças ecológicas só serão boas se não afetarem os custos e os rendimentos. Esta mentalidade é atrasada e alienada, pois não se dá conta das mudanças havidas na consciência. O mantra das novas empresas é agora: “quanto mais sustentável, melhor; quanto mais saudável, melhor; quanto mais ecoamigável, melhor”.
A inteligência ecológica se acrescentará a outros tipos de inteligência, este agora mais necessário do que nunca antes.
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(*)Teólogo e Filósofo. Autor de “Proteger o Planeta, cuidar da Terra”, Record 2010.
(ECO21)
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/30/05/2011

Marxista americano

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY
Dizem que eu só me interesso por intelectuais franceses. Não é verdade. Eu queria muito conhecer Fredric Jameson. Ele é considerado um dos maiores críticos culturais do mundo. É bastante lido na China e no Brasil. Escreveu alguns livros bastante citados no mundo acadêmico, entre os quais "Pós-modernismo, a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio". Na última segunda-feira, finalmente pude me encontrar com Jameson, que veio a Porto Alegre participar do Fronteiras do Pensamento. Eu queria conhecer Jameson por uma razão muito particular: ver de perto um marxista americano. Sempre tive essa curiosidade. Tive vontade até de tocar no cara para ver se era de carne e osso como todo mundo.
Participei da gravação de um documentário com Jameson. Nossas ideias estão quase tão próximas quanto os pontos de vista de ruralistas e ambientalistas sobre a reforma do Código Florestal. Achei Jameson bem simpático. Um velhinho de bengala entre rabugento e bonachão como costumam ser os intelectuais em viagem a lugares exóticos. Um marxista americano para mim é um ser esquisito. Em certo sentido, um animal exótico. Sei que existem muitos nas universidades americanas e que isso faz parte, de certo modo, de um programa de preservação de espécies ameaçadas de extinção. Uma vez, em visita a uma série de universidades dos Estados Unidos, tentei até fotografar alguns deles. Meu anfitrião achou que não pegaria bem. Fiquei constrangido e fugi para Dakota do Sul, onde só encontrei índios aposentados ou bêbados.
Jameson entende muito de literatura. Creio que o marxismo continua sendo muito utilizado para falar de ficção. Há um bom número de marxistas nas universidades brasileiras, inclusive no campo literário. Um dos mais famosos é Roberto Schwarz, uma espécie de Jameson tupiniquim, que se consagrou usando o marxismo para analisar Machado de Assis, o que sempre me pareceu, para usar um tema predileto de Schwarz, uma prova de que as ideias vivem "fora do lugar". Capitu traiu ou não traiu? O marxismo esclarece. Bentinho era corno? O marxismo esclarece. Por que o mulato Machado de Assis, tão presente na mídia da época, não se comprometeu, como intelectual na esfera pública, com a luta contra a escravidão? O marxismo de Roberto Schwarz não esclarece. Tapa o sol com a peneira. Protege o nosso grande ídolo.
O racismo de Monteiro Lobato já não pode ser escondido. A covardia de Machado de Assis seguirá sendo poupada? Esqueci de me fazer fotografar ao lado de Jameson. Ficaria bem no meu Facebook. Já tenho lá uma foto com Tom Wolfe em que ele aparece com um topete branco tão grande que lembra uma ave esquisita, algo como um Louro José albino ou uma cacatua. Eu estou nessa foto com ar de doido, o que não deixa de ser razoável. Foto mais impressionante só uma em que, na Feira do Livro de Porto Alegre, Michel Houellebecq, Luiz de Miranda e eu posamos para a lente perplexa. Jameson me fez pensar. Especialmente no exotismo do mundo intelectual. Valeu!
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*Sociólogo. Escritor. Tradutor. Professor Universitário.
Fonte: Correio do Povo on line, 29/05/2011

O monumento à incompetência

 Luciano Pires*
O grupo de Mallory em 1924. Ele é o segundo em pé à esquerda.

Em 1999 o corpo do alpinista inglês George Mallory foi encontrado a cerca de 8.200 metros de altitude no monte Everest. Mallory desapareceu em junho de 1924 quando estava próximo ao cume. Uma afirmação de um dos alpinistas que encontrou o corpo me chamou a atenção:
“Fiquei impressionado com as roupas que ele usava. Hoje em dia, no inverno, qualquer pessoa caminhando pelas ruas de Seattle está mais protegida do que Mallory no Everest em 1924.”
Lembrei-me dessa história durante uma visita que fiz a uma empresa na qual fui recebido pelo principal executivo, que fez questão de se identificar como CEO – Chief Executive Officer. Bonito né? Depois fui apresentado para o CMO, o CFO e o COO, executivos de marketing, finanças e de operações, respectivamente. Todos jovens MBAs formados no exterior.
Ao percorrer a empresa passamos por salas vazias, mesas vazias e grandes áreas vazias. E os jovens CEO, CFO, CMO e COO diziam com orgulho: “Isto aqui já esteve apinhado de gente. Fizemos uma reestruturação ao longo dos últimos dois anos e reduzimos em 45% o numero de pessoas, enquanto nossa produtividade cresceu 22%! Fazemos questão de deixar esses lugares à vista de todos. São nosso Monumento à Incompetência.”
Em minha palestra O Meu Everest afirmo que um dos ensinamentos mais importantes da viagem ao Campo Base da maior montanha do mundo foi aprender que, a cada vez que olhasse para cima, eu deveria olhar cinco vezes para baixo. Quem pratica montanhismo sabe do que estou falando. Quando você está no pé da montanha e olha a trilha que vai subir, dá um frio na barriga. Você vê as pessoas lá em cima, como formiguinhas, e sabe que para chegar lá terá que fazer uma escalada de oito, nove horas. Então ataca a montanha. Um passinho aqui... outro ali... num processo penoso. Quando olha para cima, percebe que seu objetivo ainda está muito longe, mas ao olhar para baixo a mágica acontece. Você descobre que o campo base de onde saiu está láááááá embaixo. Cada olhada para baixo dá a certeza de que você progrediu, gerando energia para subir mais. Isso é automotivação: a certeza do progresso nos empurra para cima.
O que aqueles jovens COs chamaram de “Monumento à Incompetência” é na verdade a lembrança dos pioneiros que, com a carga às costas, sem computadores, celulares e internet, assumiram o risco de sair lá do “campo base” para desenvolver o negócio que eles hoje dirigem. Avaliar o passado pelas lentes do presente e chamar de “incompetência” o esforço das pessoas que passaram pelos anos de hiperinflação, incertezas, regime fechado, tecnologias rudimentares, abertura econômica e dólar alto é como observar hoje as roupas de George Mallory e achar que ele era um incompetente. Não era. Usou o que havia de melhor na época e por pouco não atingiu seus objetivos.
Parabenizei os COs pelo sucesso e deixei com eles uma recomendação:
- Rebatizem os “Monumentos à Incompetência” como “Memoriais aos Heróis do Passado”. Foram eles que trouxeram vocês até aqui em cima
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*Luciano Pires é editor do Café Brasil. Nascido em Bauru, S.P., em 1956, formou-se em Comunicação em 1977 pela Universidade Mackenzie em São Paulo
Fonte: http://www.portalcafebrasil.com.br/ 30/05/2011

Facebook, o novo espelho de Narciso

Isabelle Anchieta*

© phil mccarten/reuters/latinstock
As mulheres estão se tornando maioria
 nas redes interativas; a vaidade e
a necessidade de afirmação da identidade
podem explicar o interesse feminino
por esse recurso tecnológico

As mulheres gastam mais do que o dobro do tempo dos homens no Facebook: três horas por dia, enquanto eles gastam uma hora, em média. Entrar na rede social é a primeira ação diária de muitas delas, antes mesmo de irem ao banheiro ou escovarem os dentes. Uma atividade cumprida como um ritual todos os dias – e noites. Em um estudo, 21% admitiram que se levantam durante a noite para verificar se receberam mensagens. Dependência? Cerca de 40% delas já se declaram, sim, dependentes da rede. Elas são a maioria não só no Facebook (onde representam 57% dos usuários); também têm mais contas do que os homens em 84% dos 19 principais sites de relacionamentos.
Essas são algumas revelações da pesquisa feita pelas empresas Oxygen Media e Lightspeed Research, que analisou os hábitos on-line de 1.605 adultos ao longo de 2010. Mas cabe ainda perguntar: que motivos levam as mulheres a ficar tanto tempo na frente do computador? Vaidade? Necessidade de reconhecimento? Seria esse fenômeno uma nova forma de autoafirmação? Uma maneira de desenvolver sua individualidade aliada ao reconhecimento do outro? Será essa uma nova forma de buscar sociabilização?
Mais do que procurar uma resposta fácil, cabe, antes, compreender por que a auto-representação é mais importante para as mulheres que para os homens. Historicamente as representações femininas foram fabricadas por motivações sociais diversas: míticas, religiosas, políticas, patriarcais, estéticas, sexuais e econômicas. E, há mais de vinte séculos, essa fabricação esteve sob o poder masculino. As mulheres não produziam suas próprias imagens, eram retratadas.
Em obras de arte célebres vemos inúmeras Vênus adormecidas, (como as de Giorgione, 1509; Ticiano, 1538 e Manet, 1863); Madonas castas (nas imagens religiosas das catedrais católicas como as pintadas por Giotto, no século13, e Botticelli, no 15) ou mulheres burguesas no espaço doméstico cuidando da cozinha e da educação dos filhos (como as pintadas por Rapin e Backer no século 19). Eram cenas “pedagógicas”, que ensinavam o valor da maternidade, da castidade, da beleza e da passividade.
vênus adormecida, óleo sobre tela, giorgione, 1508-10, galeria dos grandes mestres da pintura, dresden

A estética feminina foi estabelecida, durante muitos séculos, pelo olhar masculino; as obras de arte tinham cunho “pedagógico”, com a intenção de ensinar como as mulheres deveriam ser.
O pano de fundo dessas produções artísticas era uma tentativa masculina de “gerenciar” o imaginário feminino, transmitindo sugestões sobre a conduta social desejada até uma estética sexual e familiar. Como enfatiza a historiadora Anna Higonnet “os arquétipos femininos eram muito mais do que o reflexo dos ideais de beleza; eles constituíam modelos de comportamento”. Sua capacidade de persuasão era ativada pelo contexto cultural. Um exemplo pontual, mas significativo, pode ilustrar essa hipótese. O nu é quase sinônimo do “nu feminino”. Do Império Romano, passando pelo Renascimento, pela Modernidade e até os dias de hoje, o corpo da mulher reflete os ideais estéticos predominantes.
A historiadora francesa Michelle Perrot chegou a afirmar que “a mulher é, antes de tudo, uma imagem”. Aqui sua ênfase é irônica. Refere-se a uma forma de retratar que associava os cuidados com o corpo, os adornos, as vestimentas e a beleza em geral à atividade, ou melhor, à ociosidade tipicamente feminina”, enquanto os homens deveriam se ocupar de tarefas consideradas sérias: política, economia e trabalho.
Quando a era moderna pareceu, enfim, trazer a emancipação da mulher, a conquista revelou-se contraditória. Estar na moda, ser magra, bem-sucedida e boa mãe tornou-se uma exigência. Com a ajuda do photoshop, top models, estrelas de televisão e cantoras exibem nos meios de comunicação o êxito que conquistaram em todos os aspectos do sucesso – o que, na prática, nem sempre é verdade. Elas, em geral, são tão “irreais” quanto a Vênus grega. A verdade é que a mídia veicula uma série de estereótipos sobre como agir que se tornam um peso para a mulher. Não devemos nos esquecer de que quem assume o comando é o mercado interessado em vender roupas, revistas e produtos destinados ao público feminino – e não propriamente a mulher. Assim, mesmo no século 20, quando pareciam ganhar “autonomia”, elas passaram a ser atormentadas por padrões estabelecidos por outra base imaginária: a do consumo.
O que muda no século 21 para as mulheres que utilizam as redes sociais? Quanto à importância da imagem, nada. Ela -continua a ter papel central para a identidade social feminina, confundindo-se com ela. Por outro lado, vivemos, sim, uma revolução: pela primeira vez a mulher passa a se autorrepresentar, a produzir representações de si publicamente. Essa produção não está mais sob o domínio exclusivo dos homens, nem restrita a um grupo de mulheres como as artistas (atrizes, fotógrafas, cineastas, pintoras, escultoras etc.) ou as modelos. As mulheres comuns tornam-se protagonistas de sua vida. Chegam a dispensar a ajuda de outra pessoa para tirar a própria foto: estendem o braço e miram em sua própria direção. Algumas marcas de câmeras fotográficas desenvolveram inclusive um visor frontal para que a pessoa possa ajustar o foco caso use o equipamento para se fotografar.
A mulher “hipermoderna” reivindica algo novo: o seu protagonismo público e sua “autenticidade”. O que se soma, agora, à revolução tecnológica da sociedade capitalista. Com acesso facilitado a câmeras digitais, a telefones móveis que dispõem desse equipamento e à rede, além da existência de uma plataforma que dá suporte ao armazenamento e oferece possibilidades ao usuário para compartilhar essas imagens pela internet, a mulher passa a se autofotografar nas mais diversas ocasiões, de situações corriqueiras a viagens. Nas palavras do filósofo Gilles Lipovetsky: “O retrato do indivíduo hipermoderno não é construído sob uma visão excepcional. Ele afirma um estilo de vida cada vez mais comum, ‘com a compulsão de comunicação e conexão’, mas também como marketing em de si, cada um lutando para ganhar novos ‘amigos’ para destacar seu ‘perfil’ por meio de seus gostos, fotos e viagens. Uma espécie de autoestética, um espelho de Narciso na nova tela global”.

© wavebreakmedia ltd/shutterstock

DITADURA DA ESPONTANEIDADE

Nesse novo ambiente o artificialismo e a mistificação da imagem passam a ser “out”. Deusas etéreas cedem espaço a mulheres que querem ser vistas como “reais”: escovam os dentes, fazem caretas para a câmera, dirigem seu carro e não se importam em ser fotografadas em momentos que antes estariam à margem da esfera pública. Tanto que 42% das usuárias do Facebook admitem a publicação de fotos em que estejam embriagadas e 79% delas não veem problemas em expor fotos em que apareçam beijando outra pessoa. A regra é: quanto mais caseiro, “mais natural”; melhor. O que não significa que essa imagem seja, efetivamente, “natural”, mas que há agora um “gerenciamento da espontaneidade”.
O imperativo da representação feminina nas redes sociais é: “seja espontâneo”. Uma norma paradoxal, assim como a afirmação “seja desobediente, é uma ordem”, escreve o sociólogo Régis Debray. Ele faz uma interessante leitura do que poderíamos chamar de “ditadura da espontaneidade”. Segundo o autor, abandonamos o culto da morte, vivido pelas sociedades tradicionais e religiosas, para vivermos o “culto da vida pela vida” – uma espécie de “divinização do que é vivo” que se apoia no eterno presente e não mais em uma crença no além.
Vemos emergir mulheres que cultuam o que veem no espelho e postam, “religiosamente”, novas imagens de seu cotidiano – sem que tal culto resulte em algum tipo de censura externa ou de autocensura moral. Em outro contexto, como durante o período em que a religião católica era dominante, esse “culto de si” e ao corpo seria considerado um dos sete pecados: a vaidade. Esse imaginário, aliás, é muito bem representado por um quadro do séc. 15, de Hieronymus Bosch, no qual o demônio segura um espelho para que uma jovem se penteie.
Hoje o novo espelho global não é marcado pela vigilância moral. Ao contrário, há um contínuo incentivo da cultura para que as mulheres “se valorizem”, busquem sua singularidade e não se baseiem mais em modelos inalcançáveis (como as top models e outras famosas). E para que percebam em si mesmas uma possibilidade legítima e singular de ser no mundo.
A própria familiaridade e aproximação da mulher com o universo da produção de auto-representações pode levá-la a questioná-las. As mulheres já estão, como escreve Lipovetsky em seu livro A tela global, “cultivadas” pela mídia. Educadas em sua gramática, sabem que o photoshop, a produção e a edição das imagens criam uma mulher irreal e passam a ver essas representações “entre aspas”, distanciando-se criticamente delas. Elas aprendem com recursos autoexplicativos a modelar sua iconografia, a alterá-la, brincar com ela ou melhorá-la (possibilidades, antes, restritas aos profissionais).
Mas a consagração do “culto de si” não significou um isolamento da mulher. Os álbuns publicados nas redes sociais conciliam, contra todas as expectativas, o individualismo e as trocas. Um se alimenta do outro. Há um ciclo: exponho minha individualidade, acompanho a do outro e ele a minha e, assim, somos incentivados a produzir e expor, cada vez mais, as nossas imagens. Trata-se do nascimento de uma “identidade coletiva”, em que a individualidade não elimina a interação, mas é seu motor. Nesse sentido, a identidade coletiva não é produto apenas de uma adesão grupal e sim uma forma de negociação de posições subjetivas – esse é o paradoxo identitário a ser considerado.
Fotos pessoais e “amigos” virtuais (ou não) ditam o ritmo desse espaço interativo. Quanto mais caseiro, mais cotidiano, mais espontâneo, maior o número de relações entre as pessoas, que passam a valorizar a autenticidade e a vida de quem é “próximo”, “real”. Há, na base desse fenômeno, uma democratização dos desejos de expressão individual na medida em que as mulheres buscam conquistar espaços de autonomia pessoal – que traduzem a necessidade de escapar à simples condição de consumidoras daquilo que outros produzem. Elas querem colocar seu rosto no mundo. Aparecer ou não na “tela global” passa a ser uma questão de existência. Por essa razão, ter visibilidade e oferecer sua identidade publicamente é conferir importância à própria existência. O que é, também, uma forma de poder. Nesse ponto a mídia – como campo de visibilidade – passa a ter papel central para entendermos a luta simbólica pelo reconhecimento.
No entanto, essa “democratização” da auto-representação feminina não deve ser tomada como sinônimo do fim da competição estética e ética entre as mulheres. O que tudo indica, o que presenciamos não é a instauração de uma igualdade, mas a ampliação do número de mulheres na disputa por visibilidade e poder. Amplia-se, assim, a arena para buscar um poder que não está dado de antemão, mas que deve ser conquistado e manejado pela apresentação e representação de suas singularidades, de suas diferenças. Um agir que se manifesta na criação, no controle e no poder simbólico de sua própria imagem no espaço público, que só se realiza com o reconhecimento do outro nas interações sociais, associativas e na ampliação dos círculos de reconhecimento que estão dentro e fora do espaço de produção da imagem.
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* Isabelle Anchieta é jornalista, doutoranda em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em comunicação social pela UFMG.
Fonte: http://www2.uol.com.br/ 27/05/2011

Nos salões do poder, alguns homens são predadores inatos

BENEDICT CAREY/ENSAIO*
Imagem da Internet
A pergunta na mente de muitas mulheres, nas últimas semanas, é o mesmo grito de indignação que paira sobre qualquer escândalo sexual masculino: "Como ele pôde ser tão nojento?"
Poucos dias depois de o político francês Dominique Strauss-Kahn ter sido acusado de atacar sexualmente uma funcionária de um hotel em Nova York, Arnold Schwarzenegger, o ex-governador da Califórnia, admitiu que teve um filho com uma empregada doméstica e escondeu o fato de sua esposa durante dez anos.
Mas, para muitos homens, os dois relatos levantam uma questão totalmente diferente: "Se eu tivesse muito poder, como me comportaria?" As manchetes são um lembrete constante de que o sucesso parece gerar adúlteros, libertinos e degenerados sexuais. O poder transforma homens comuns em predadores sexuais?
A resposta, na maioria dos casos, é não, segundo cientistas sociais e terapeutas. "O poder é um facilitador", disse Ronald F. Levant, psicólogo da Universidade de Akron em Ohio e coeditor de "Men and Sex: New Psychological Perspectives" [homens e sexo: novas perspectivas psicológicas]. "Ele oferece oportunidades aos homens com certos apetites, mas, raramente, modifica a personalidade."
Muitos homens são parceiros fiéis e permanecem assim por toda a vida. Outros se envolvem em diversos casos, como o campeão de golfe Tiger Woods, se tiverem a oportunidade e a capacidade. Mas somente uma minoria dos homens se sente com direito a dominar os outros, a humilhá-los se forem provocados.
As pessoas discutem se algumas culturas sequer sancionam esse comportamento. Mas, se a ciência social servir de indício, a arrogância, geralmente, precede o poder, e não o contrário. Estudos de comportamento de grupos sugerem que os indivíduos superconfiantes e extrovertidos são os que tendem a virar líderes. E a experiência de estar no topo somente reforça o senso de controle e o egocentrismo da pessoa.
Em um estudo recente, pesquisadores liderados por Adam Galinsky, da Universidade Northwestern em Illinois, prepararam os participantes para que se sentissem poderosos, fazendo-os escrever sobre um incidente em que eles tinham o controle de outras pessoas. Esses sujeitos de "alto poder" eram significativamente menos precisos ao ler as emoções de fotografias faciais do que um grupo de comparação com participantes que não foram preparados da mesma maneira. Esse e outros experimentos sugerem que o poder pode cegar as pessoas para as emoções dos que estão ao seu redor e levar a "objetificar os outros por interesse próprio", concluíram os autores.
"Se a pessoa tem esse senso de superioridade e conseguiu sair impune com esse tipo de coisa antes, ela começa a pensar que a proporção entre risco e recompensa que se aplica aos outros não se aplica a ela", disse Samuel Barondes, professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia em San Francisco.
A exceção, talvez, seja o tipo de homem que é tão consumido pelo aperfeiçoamento que certos traços de personalidade passam despercebidos ou não se manifestam.
Sentimentos de inadequação, um desejo de tomar caminhos desconhecidos ou um sentido de gratificação esperado podem levar a assumir um pequeno risco, uma proposta ousada e, por fim, a outra, dizem os terapeutas. É fácil ridicularizar esses motivos, e eles não justificam os danos. Mas são motivos, de qualquer modo -para transgressões sexuais, embora raramente para desvios sexuais.
Uma vez começada a traição ou a libertinagem, "não há realmente como dizer onde termina, se a pessoa tem verdadeiro poder e passa a acreditar que pode continuar impune", disse William B. Helmreich, sociólogo do City College em Nova York.
Isto é, se começar de fato. Em uma pesquisa com homens jovens, o doutor Levant descobriu que as atitudes em relação ao sexo eram muito menos definidas pela "cultura do vestiário" do que se supõe habitualmente. As reações variavam, mas, em média, os participantes concordaram que um homem "deve amar sua parceira sexual", que ele deve "se preocupar com o controle natal" e que não precisa "sempre tomar a iniciativa no que se refere a sexo".
Na maior parte da história humana, os homens trataram as mulheres como bem entenderam, e os homens poderosos, habitualmente, colecionaram esposas e amantes, sentindo-se livres para ferir ou matar as ofensoras. As normas sociais, leis criminais e a cultura progressiva do Ocidente evoluíram em parte para conter esses abusos, e a maioria dos homens observa essas regras.
Schwarzenegger, que fez um pedido público de desculpas, agora conhece os problemas que violar essas regras sociais comuns pode produzir. Strauss-Kahn, que supostamente cometeu um ato muito mais sério, sofrerá mais que a execração pública. Ele poderá enfrentar o julgamento dos seus pares.
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*The New York Times
Fonte: Folha on line, 30/05/2011

"Leave the kids alone"

LUIZ FELIPE PONDÉ
Imagem da Internet
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O Estado deve dar o direito aos gays de
viverem como os héteros.
Não deve dizer o que é normal

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DE FATO existem pessoas racistas. Homofóbicas, antissemitas (que hoje em dia se escondem atrás do antissionismo), que não gostam de pobres e de nordestinos. Pessoas assim barateiam o debate contemporâneo, assim como as que simplificam as trincheiras teóricas em que vivemos nos últimos anos, jogando tudo no mesmo saco do "reacionarismo". Como se o mundo permanecesse nos limites de um "centro acadêmico em guerra contra a repressão da ditadura".
Acho que muita gente tem saudades dos tempos da ditadura porque se sabia onde estava o mal. Será mesmo? Nem tanto. Muita gente ainda não sabe que a luta armada no Brasil foi feita por pessoas que queriam fazer do país uma ditadura de esquerda. Tivessem eles vencido, estaríamos hoje numa grande Cuba.
Mas como seria bom se o mundo fosse simples assim, preto no branco, amigos e inimigos, bons e maus. Não é. Na maior parte do tempo é cinza e confuso.
O debate ao redor do "politicamente (in)correto" incendeia a mídia. Pessoas querendo "mudar" Monteiro Lobato, querendo "curar" gays e "decretar" que não devemos corrigir o português dos pobres porque isso é ruim pra autoestima deles.
Tenho preconceito contra essa gente que vive pensando na "economia da autoestima", sorry...
Tomemos como exemplo o debate sobre a luta pelos "direitos gays".
O STF aprovou a união civil dos homossexuais. Vou mais longe: acho que deveriam ter o direito de se casar também e de ter filhos. E de ir às reuniões chatas de "pais e mestres". E de ficar pobres como os héteros por causa dos filhos. E de descobrir que pouco importa sua "visão de mundo", você estará sempre errado diante de um filho que cresceu.
Acho que quem "bate em gay" deve pagar não porque bateu num gay, mas porque gay é gente como todo mundo. Sou contra leis especiais que protejam gays. Complicado? Sinto muito.
Se um professor interrompe um menino e uma menina que se beijam na sala de aula é ok, mas, se fossem dois meninos, seria "homofobia"?
Hoje os jovens (e todo mundo) têm medo de dizer qualquer coisa que não seja "gay é lindo". Não há nada de revolucionário em ser gay, nem existe uma "comunidade gay". Gays são pessoas atoladas nas mesmas misérias e erros humanos. Neuróticos, como todo mundo, com sofrimentos específicos.
E aí chegamos a uma questão que me parece muito representativa dos equívocos do debate ao redor da "questão gay" (um belo exemplo do fascismo do politicamente correto): o pretenso direito de o Estado querer discutir "a heterossexualidade como normatividade sexual".
Intenções como essas representam a tendência totalitária do Estado moderno em querer se meter em assuntos que não são da sua competência.
O governo não tem que se meter a dizer a ninguém o que é "sexualidade normal". Isso é um crime contra a liberdade. E isso vai acabar "batendo" na sala de aula. E, como ninguém sabe direito o que está fazendo na sala de aula, essa nova "modinha" vai pegar.
Já disse em outras ocasiões que sou contra a tal da educação sexual quando pretende discutir "ideologias sexuais". Como pai, tenho todo o direito de suspeitar da sanidade mental de uma professora de educação sexual, porque em matéria de sexo todo mundo é mal resolvido.
Se as famílias são um lixo e por isso exigem das escolas o que elas não podem dar, as famílias das professoras também são um lixo.
Imaginemos uma aula de educação sexual na qual vá se "questionar a normatividade" (ou normalidade) da heterossexualidade. Como seria uma aula dessas?
Que tal assim? Meninos e meninas colocando com a boca uma camisinha num pênis de plástico para, quem sabe, perceberem que meninos também podem gostar de fazer sexo oral em meninos.
Ninguém tem o direito de fazer isso. Nem pai, nem mãe e muito menos professores que, provavelmente, ao se dedicarem a isso, "provam" suas pequenas taras.
O Estado deve dar o direito aos gays de viverem como os héteros e mais nada. Não deve se meter a dizer o que é normal. As pessoas têm o direito de sentir o mal estar "que quiserem". E deixem os filhos dos outros em paz.
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* Filósofo. Escritor. Prof. Universitário. Colunista da Folhaponde.folha@uol.com.br
Fonte: Folha online, 30/05/2011