A geração movida a Ritalina
Estudantes saudáveis buscam no metilfenidato, conhecido comercialmente como Ritalina, a solução para aumentar seu desempenho nas provas e sua capacidade de concentração. Com isso, colocam em risco seu bem-estar físico e psicológico e ajudam a desenhar uma geração viciada no medicamento
Um surto silencioso, alimentado por comprimidos aparentemente inofensivos, está se alastrando pelos corredores de cursinhos pré-vestibular de Porto Alegre.
Dispostos a tudo para realizar o sonho de entrar na faculdade, estudantes que mal saíram do Ensino Médio arriscam a saúde e se tornam usuários deliberados de um medicamento dotado de uma lista interminável de efeitos colaterais, com um único objetivo: turbinar o desempenho intelectual e superar os concorrentes. Os riscos incluem surtos psicóticos, mudanças bruscas de comportamento e humor e ataque cardíaco.
O remédio em questão tem como princípio ativo o metilfenidato, cujo nome comercial mais conhecido é Ritalina. Surgiu no fim dos anos 40 e, desde então, consagrou-se como um poderoso estimulante do sistema nervoso central, considerado como um dos principais recursos no tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
– É um remédio que funciona muito bem nos casos de TDAH. O problema é que passou a ser consumido de forma indiscriminada e inconsequente, por quem não precisa – alerta o neurologista André Palmini, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas,da PUCRS.
Em outras palavras, trata-se do que os especialistas chamam de “doping cognitivo”. Se em pessoas com TDAH o metilfenidato éa chance de uma vida normal, em quem nã tem a doenç a substâcia chega a aumentar a capacidade de concentraçã em 10% ou 20%. Para vestibulandos àbeira de um ataque de nervos,o acrécimo pode significar muito.
–Uso porque quero passar no vestibular. A concorrêcia é grande. Faz dois anos que tento o curso de Medicina –diz uma vestibulanda de 20 anos, que pede para ter o nome preservado
Embora a Ritalina tenha a venda controlada, os estudantes não têm dificuldade para conseguir o produto. Basta circular pelos principais cursinhos da Capital para saber onde ficam as farmácias que o comercializam livremente. Há também aqueles que procuram psiquiatras e simulam os sintomas de TDAH para ganhar o remédio.Outros trocam comprimidos em plena sala de aula. Quem não entra no jogo, acha que pode ficar para trás e acaba cedendo.
– O pior é que há cursinhos e até pais que estimulam. Nós fazemos de tudo para evitar e tentamos alertar para os riscos – afirma a psicóloga Márcia FischerVieira.
Uma das estratégias adotadas para enfrentar a batalha, segundo Márcia, é um programa de acompanhamento feito sob medida para os vestibulandos. Na base da conversa, eles trabalham seus medos e angústias.Versão semelhante é oferecida aos pais, muitas vezes tão tensos quanto os filhos.A luta,porém,está longe do fim.
Enquanto não se derem conta da gravidade do problema,acredita o psiquiatra Eugênio Grevet, coordenador de pesquisa doAmbulatório de TDAH do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, os usuários continuarão testando limites.E arriscando suas vidas.
“É a bola da vez da indústria farmacêutica”
ENTREVISTA - José Outeiral, psiquiatra
Conhecido pelas opiniões fortes, o psiquiatra gaúcho José Outeiral, 62 anos, faz um alerta: o uso indiscriminado do metilfenidato, que considera “a droga do momento”no Brasil, já causa mortes precoces no país. Autor de livros como Adolescer e Adultecer, Outeiral recebeu Zero Hora em seu consultório, no bairro Independêcia, na Capital, na tarde de quinta-feira. Confira os principais trechos da entrevista:
Zero Hora – Como o senhor avalia o uso do metilfenidato (Ritalina) no Brasil? Está havendo um excesso?
José Outeiral – Dia desses uma mãe telefonou para meu consultório e perguntou:“O senhor trabalha com Ritalina?”. Ela queria uma receita para o filho. Játinha o diagnótico da escola. Eu disse que não. “Trabalho com crianças”, respondi. Não sou um prescritor. A verdade é que déicit de atenção virou moda, e a Ritalina, também. É a bola da vez da indútria farmacêutica.
ZH – Nos cursinhos pré-vestibular, a Ritalina virou uma febre. É usada para melhorar o desempenho. O que o senhor acha disso?
Outeiral – Na nossa sociedade, tu não podes ser um “looser”, um perdedor. É preciso ser vencedor a qualquer custo. Isso é reflexo do mundo narcisista e da barbárie em que vivemos. No caso do metilfenidato, o que se critica é justamente esse abuso. É claro que é um medicamento muito bom, mas para quem realmente precisa. E só uma parcela pequena realmente precisa. A Ritalina fugiu do controle.
ZH – Mas esse medicamento não é um dos mais controlados?
Outeiral – Há um receituário especial, que só alguns médicos têm. Mas a farmácia aqui na esquina, por exemplo, vende sem receita. Além disso, os médicos são estimulados a receitar a medicação. Nos anos 60, 70, era assim com o Valium. Depois, o Rivotril.Agora, a Ritalina.
ZH – Quais são os riscos?
Outeiral – A Ritalina não é uma medicação leve. Já se proliferam os casos de crianças e adolescentes que sofrem ataques cardíacos em função do remédio e morrem precocemente. Não é brincadeira. Já está acontecendo.
----------------------Reportagem por: JULIANA BUBLITZ
Fonte: ZH on line, 22/05/2011
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