segunda-feira, 30 de maio de 2011

Marxista americano

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY
Dizem que eu só me interesso por intelectuais franceses. Não é verdade. Eu queria muito conhecer Fredric Jameson. Ele é considerado um dos maiores críticos culturais do mundo. É bastante lido na China e no Brasil. Escreveu alguns livros bastante citados no mundo acadêmico, entre os quais "Pós-modernismo, a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio". Na última segunda-feira, finalmente pude me encontrar com Jameson, que veio a Porto Alegre participar do Fronteiras do Pensamento. Eu queria conhecer Jameson por uma razão muito particular: ver de perto um marxista americano. Sempre tive essa curiosidade. Tive vontade até de tocar no cara para ver se era de carne e osso como todo mundo.
Participei da gravação de um documentário com Jameson. Nossas ideias estão quase tão próximas quanto os pontos de vista de ruralistas e ambientalistas sobre a reforma do Código Florestal. Achei Jameson bem simpático. Um velhinho de bengala entre rabugento e bonachão como costumam ser os intelectuais em viagem a lugares exóticos. Um marxista americano para mim é um ser esquisito. Em certo sentido, um animal exótico. Sei que existem muitos nas universidades americanas e que isso faz parte, de certo modo, de um programa de preservação de espécies ameaçadas de extinção. Uma vez, em visita a uma série de universidades dos Estados Unidos, tentei até fotografar alguns deles. Meu anfitrião achou que não pegaria bem. Fiquei constrangido e fugi para Dakota do Sul, onde só encontrei índios aposentados ou bêbados.
Jameson entende muito de literatura. Creio que o marxismo continua sendo muito utilizado para falar de ficção. Há um bom número de marxistas nas universidades brasileiras, inclusive no campo literário. Um dos mais famosos é Roberto Schwarz, uma espécie de Jameson tupiniquim, que se consagrou usando o marxismo para analisar Machado de Assis, o que sempre me pareceu, para usar um tema predileto de Schwarz, uma prova de que as ideias vivem "fora do lugar". Capitu traiu ou não traiu? O marxismo esclarece. Bentinho era corno? O marxismo esclarece. Por que o mulato Machado de Assis, tão presente na mídia da época, não se comprometeu, como intelectual na esfera pública, com a luta contra a escravidão? O marxismo de Roberto Schwarz não esclarece. Tapa o sol com a peneira. Protege o nosso grande ídolo.
O racismo de Monteiro Lobato já não pode ser escondido. A covardia de Machado de Assis seguirá sendo poupada? Esqueci de me fazer fotografar ao lado de Jameson. Ficaria bem no meu Facebook. Já tenho lá uma foto com Tom Wolfe em que ele aparece com um topete branco tão grande que lembra uma ave esquisita, algo como um Louro José albino ou uma cacatua. Eu estou nessa foto com ar de doido, o que não deixa de ser razoável. Foto mais impressionante só uma em que, na Feira do Livro de Porto Alegre, Michel Houellebecq, Luiz de Miranda e eu posamos para a lente perplexa. Jameson me fez pensar. Especialmente no exotismo do mundo intelectual. Valeu!
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*Sociólogo. Escritor. Tradutor. Professor Universitário.
Fonte: Correio do Povo on line, 29/05/2011

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