JOÃO PEREIRA COUTINHO
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A "secularização" da felicidade
não terminou com nossas infelicidades:
aumentou-as
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QUE SE passa contigo, Brasil? Leio e pasmo: o país da alegria está afundado em tristeza. O periódico médico "Lancet" investigou. Sentença: as doenças mentais são as principais responsáveis pelos anos de vida perdidos no país devido a maleitas crônicas.
Depressão. Psicoses. Dependência de álcool. Em São Paulo, um em cada dez adultos está na fossa. Será que Nelson Rodrigues tinha razão quando dizia que a maior forma de solidão é a companhia de um paulista?
Os especialistas avançam com explicações científicas para apaziguar o abismo. Existem causas bioquímicas, que antigamente eram difíceis de diagnosticar ou tratar. Existe uma longevidade humana que aprofunda os problemas mentais.
Certo, tudo certo. Mas posso sugerir ao leitor deprimido um dos mais importantes livros sobre a nossa desgraçada condição?
Pascal Bruckner escreveu-o, e o título diz tudo: "A Euforia Perpétua - Ensaio sobre o Dever de Felicidade" (ed. Bertrand).
Não, não é um livro sobre o Brasil e a imagem solar e carnavalesca para consumo turístico. É um livro sobre a natureza da felicidade no Ocidente pós-moderno, o que implica uma comparação com o Ocidente pré-moderno.
Regressemos à Idade Média. E perguntemos aos nossos antepassados o que significava a felicidade para eles. A resposta oscilaria entre o riso e a estupefação. Felicidade? Para homens que transportam o pecado sobre o lombo e se arrastam por um vale de lágrimas?
A vida é passagem. Se felicidade existe, ela existe do outro lado: esse momento redentor em que, pesadas as virtudes e os vícios, somos contemplados com o paraíso perdido.
Explica Bruckner que o iluminismo alterou profundamente essa concepção ao remeter o divino para o seu diminuto, ou nulo, papel. A construção da felicidade passou a ser terrena, dependendo de mãos terrenas e não dos caprichos de uma divindade julgadora.
O problema é que essa "secularização" da felicidade não terminou com as nossas infelicidades. Aumentou-as significativamente ao transformar a felicidade em direito e, de forma crescente, em dever.
Hoje, não queremos apenas ser felizes. Sentimos a obrigação esmagadora de o ser: de acumular os objetos, as experiências e as aparências de uma utopia pessoal tão devastadora como as utopias coletivas do passado.
Nós e apenas nós somos os autores do nosso próprio roteiro. Falhar é falhar sem desculpa: "O paraíso terreno é onde eu estou", dizia Voltaire. O inferno também, digo eu. Mas como lidar com as chamas da infelicidade quando me prometeram tudo e um pouco mais?
Não é por acaso, explica Pascal Bruckner, que somos a primeira civilização que se sente infeliz por não ser feliz; no fundo, a primeira civilização para a qual a tristeza e a dor, a doença e a decadência, a velhice e a morte são vistas como aberrações que não estavam no programa.
E essas aberrações são tratadas como aberrações: proscritas por uma sociedade de euforia perpétua.
Infelizmente, uma sociedade de euforia perpétua só pode gerar perpétuos hipocondríacos, avisa Bruckner: gente obcecada com o estado do corpo e da alma, e que vai ao tapete ao mínimo sinal de alarme. Quem vive para um único fim perfeito não pode tolerar uma multidão de momentos imperfeitos.
Ilusões. Agônicas ilusões. Porque nem todo o poder dos homens foi capaz de extirpar as misérias humanas; perversamente, o que a modernidade fez foi abolir a sua expressão pública, uma forma de as remeter para canais esconsos, silenciosos, invisíveis. Como um vulcão em atividade dormente que explode no dia em que o sorriso petrifica.
O ensaio de Pascal Bruckner, ao analisar os descontentamentos das sociedades afluentes, de que o Brasil é agora um representante excelso, não é uma apologia da tristeza; muito menos de um regresso à medievalidade cristã, como se isso fosse razoável ou desejável. "O fato de nem tudo ser possível", escreve o autor, "não significa que nada é permitido".
Na verdade, muito é permitido. Mas a única forma de domar a "euforia perpétua" passa por entender que a felicidade não é um direito nem um dever; a felicidade é, quando muito, a decorrência contingente de uma ambição mais modesta e que, à falta de melhor palavra, se designa simplesmente por viver.
-----------------------------* Jonalista. Comenador político português. Crônia d Folha.
Fonte: Folha online, 17/05/2011
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