segunda-feira, 9 de maio de 2011

Antigamente era melhor

Juremir Machado da Silva*

Presto atenção ao que me dizem as pessoas por onde passo. Elas me dizem muito e cada vez mais. Um colunista funciona como uma caixa de ressonância da sociedade. Nova essa, não? Mas é verdade. Escuto, pondero e, vez ou outra, contesto. Leitor não é cliente. Nem sempre tem razão. Sempre, no entanto, dá boas pistas sobre o que, na linguagem da galera, está pegando. Há praticamente um consenso: antigamente era melhor. É o que me disseram, numa mesma semana, um senhor carrancudo de 86 anos, uma senhora afável de 62 e um homem de 57. Perguntei a eles: quando mesmo? Resposta de todos: "Quando eu era jovem".
Fiz as contas. O cidadão de 86 anos de idade tinha 20 em 1945. O mundo acompanhava naquele ano o fim da Segunda Guerra Mundial, uma fábrica de horrores marcada pelo nazismo, pela câmara de gás, pelo genocídio de 6 milhões de judeus e por outras atrocidades que, de tão horrendas, até parecem saídas da mente de um péssimo ficcionista. Por que seria melhor? O Brasil terminava uma longa e impiedosa ditadura, o Estado Novo. Dou um desconto. A juventude para alguns parece um sonho. Tem quem sinta saudades até de quando passava fome como estudante durango. Entendo mesmo, até certo ponto, meu leitor. Depois de mais de oito décadas de vida, tendo visto de tudo, é normal um homem sentir saudades da boa e velha mocidade, dos seus primeiros amores e gozos.
Sigo adiante. A senhora gentil de 62 anos tinha 20 em 1969. Tudo indica que tenha sido linda. A época é que apresentava alguns probleminhas. O Brasil vivia numa ditadura militar. O terrível AI-5 já fora decretado. A tortura seria uma realidade corriqueira nos anos seguintes. Um slogan diria tudo sobre o espírito daquela era: "Brasil, ame-o ou deixe-o". Não me parece que a minha interlocutora tenha participado dos trepidantes eventos estudantis de maio de 1968. O analfabetismo grassava. A concentração de terras era escandalosa. A mortalidade infantil na região Sudeste, já então a mais desenvolvida do país, beirava, em 1945, 130 mortes por mil nascimentos. Em 1970, roçava os cem óbitos por mil. Hoje, neste tempos considerados muito piores e tristes, o Sudeste perde 17,1 crianças por mil. E ainda é muito.
O sujeito de 57 anos tinha 20 em 1974. O Brasil continuava na ditadura militar. A expectativa média de vida no Rio Grande do Sul para os homens não ia além de 64 anos. Hoje, já deixou para trás a marca dos 72. Segue avançando. Pode ser que viver mais seja problemático e até irresponsável. Quebra a Previdência Social, compromete as finanças públicas, leva a medidas antipáticas como o fator previdenciário, lota os hospitais e aumenta os gastos com medicamentos. Os mais otimistas garantem que há uma vantagem: um novo nicho de mercado. Antigamente, então, era melhor. Não existia Internet, carro com ar-condicionado era uma utopia, homossexual era desprezado, o racismo corria solto, o machismo imperava, etc. Um verdadeiro paraíso. Nas salas de aula, alunos ainda iam de castigo atrás da porta. Sem dúvida, o mundo atual virou uma baderna. Uma democracia.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povojuremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo online, 09/05/2011

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