MARCELO COELHO*
Imagem da Internet
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Aproveitemos nossa fama. Achar-se bonito também é meio
caminho andado para embelezar um pouco
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O HISTORIADOR britânico Timothy Garton Ash andou pelo Brasil há alguns anos. Entre uma palestra e outra, foi levado à periferia de São Paulo, conheceu o Rio de Janeiro, encontrou-se com representantes de nossas elites e na volta postou em seu site alguns comentários.
Os brasileiros, disse ele, estão entre os povos mais bonitos do mundo. Para citá-lo literalmente, a miscigenação "has helped to make brazilians among the most handsome human beings in the earth".
Naturalmente, o olhar de um estrangeiro é sensível a qualidades que apreendemos sem perceber. Penso na postura e no modo de andar, por exemplo: coisas que embelezam ou enfeiam demais uma pessoa, sem ter relação direta com os seus traços fisionômicos.
Mesmo os de Gisele Bündchen não são tão notáveis assim. Talvez seja a misteriosa característica da "atitude" o principal fator de seu sucesso; cabe lembrar que nada é tão benéfico para a "atitude" do que o sucesso obtido previamente.
Não importa. Aproveitemos nossa fama. Achar-se bonito também é meio caminho andado para embelezar um pouco.
Digo tudo isso pensando em "Rio", a animação de Carlos Saldanha que obtém êxito no mundo.
O fato de que o filme foi assinado por um brasileiro torna-se a maior vacina contra a acusação de que nunca se reuniram tantos clichês sobre o Brasil numa tela de cinema.
Tudo o que quisermos -criminosos nas favelas, papagaios nas florestas, passistas na passarela, o Cristo no Corcovado- é exibido do modo mais exuberante.
Não fiquei com vontade, entretanto, de sair reclamando, ou de escrever algum manifesto na linha de "o Brasil não é só isso, o Brasil não é só floresta, favela, carnaval e futebol".
Os clichês, quando em quantidade razoável, terminam se anulando uns aos outros, e é possível conseguir alguma complexidade no mosaico, mesmo quando cada uma de suas peças abusa de simplismo e cores elementares.
Assim, violência e alegria, pobreza e exuberância, exibicionismo e pudor, ingenuidade e malandragem se combinam na história de "Rio".
O filme também recicla, por seu lado, os lugares-comuns do cinema clássico americano; alimenta-se não só de bananas e abacaxis exóticos, mas também do hambúrguer e da torta de maçã tradicional.
Os pássaros tropicais, na cena de abertura, imitam a coreografia dos musicais de Busby Berkeley. A ajuda que o ararinho-azul recebe dos outros personagens para aprender a voar repete, com mais suspense, a história de Dumbo, o elefantinho da Disney.
O vilão tem como auxiliares dois tipos gordões e patetas, capazes de abandonar suas responsabilidades ao primeiro sinal de que um jogo de futebol será transmitido pela TV. Menos do que uma caricatura dos brasileiros, embora isso não seja de descartar, esse tipo de burrice no segundo escalão da malfeitoria é de regra em qualquer desenho.
Mas a maior novidade de "Rio", comparado aos clássicos da Disney, não deve ser menosprezada. Muitos desenhos animados ("Bambi" e "Mogli", por exemplo) simbolizavam, acima de tudo, o desafio do crescimento e, com este, a ameaça que mais assombra toda criança: a morte dos pais.
Voar, para Dumbo, era crescer. Para o protagonista de "Rio", que reencontra a natureza brasileira depois de anos nas mãos de uma jovem livreira de Minnesota, aprender a voar é a metáfora, não muito disfarçada, da capacidade de se acasalar.
Defender a sobrevivência de uma espécie ameaçada, como toda criança sabe, exige atividade sexual. No filme, o casal de ararinhas passa boa parte do tempo unido pelas patas com uma correntinha de metal.
Só desamarrados poderão se amar de fato. O fantasma do incesto, da endogamia, tem de ser esconjurado para que os dois possam de fato namorar. Os humanos do filme, um ornitólogo brasileiro e a livreira americana, também têm um futuro de miscigenação pela frente.
Ecologia e sexualidade, como nas velhas histórias sobre as abelhinhas que nossos avós contavam, estão mais ligados do que nunca nesse desenho infantil. No imaginário mundial, o Brasil ocupa um papel perfeito nesse tópico. Se nosso país não existisse, teria de ser inventado.
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*Colunista da Folha
Fonte: Folha online, 25/05/2011
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