Entrevista
Com voz rouca e serena, Alice Cooper conversou por telefone com ZH no último dia 21, em meio à turnê No More Mr. Nice Guy – naquele dia, ele e sua banda iriam tocar em Sylvania, Ohio, e já se preparavam para a etapa sul-americana da viagem. Cortês sem abrir mão da ironia, ele falou da expectativa de voltar ao Brasil, soltou algumas farpas para as bandas de rock da atualidade, adiantou detalhes de seu próximo disco – Welcome 2 my Nightmare, sequência do clássico Welcome to my Nightmare, de 1975, com lançamento previsto para outubro, perto do Halloween – e lembrou do encontro recente com a cantora Lady Gaga, não por acaso uma de suas fãs. A seguir, leia trechos da entrevista – e confira a íntegra em www.zerohora.com/segundocaderno.
Zero Hora – Qual é a sensação de voltar ao Brasil?
Alice Cooper – Estive aí há uns quatro, cinco anos. Mas a primeira vez foi em 1973 ou 1974 (foi em 1974). Foi a maior plateia em um lugar fechado, em todos os tempos: 168 mil pessoas, em São Paulo. O engraçado foi que no outro dia, no jornal, havia uma baita foto minha com a cobra, e estava escrito: “Macumba”. E eu nem sabia o que era macumba. Depois me explicaram o que era. E eu sou um bom garoto cristão (risos). Sempre que ficamos sabendo que vamos ao Brasil, ficamos empolgados. Todos querem ir ao Brasil. Eu posso falar que estamos indo à Rússia, ou à Europa, mas quando digo que estou indo ao Brasil, todos dizem: “Uau! Queria ir”.
ZH – O repertório da turnê é de sucessos. Mas há novidades, não?
Alice – Sim. Na verdade, estamos tocando uma música que ainda não foi lançada. É do novo disco, a segunda parte do Welcome to my Nightmare, se chama I’ll Bite Your Face Off.
ZH – Como tem sido tocá-la ao vivo?
Alice – É bem incomum: as plateias já andam cantando o refrão.
ZH – Qual foi a sensação ao trabalhar nesse disco? Havia a intenção de trazer de volta o clima do primeiro Nightmare?
Alice – Sabe, não acho que a música mude muito. O tipo de música que fazemos não sofreu grandes mudanças. É rock’n’roll, e sempre tentamos torná-lo interessante. Tentamos fazer letras que façam a plateia imaginar coisas interessantes. Então, se você está falando de um pesadelo, pode ir em qualquer direção, é algo bem surreal, bem Salvador Dalí (pintor catalão), com muitas imagens.
ZH – E como será levar isso para o palco?
Alice – Vamos fazer um show no qual cada canção terá seus próprios elementos cênicos. Quando fizemos o primeiro Welcome to my Nightmare, a questão era: como dar vida àquilo no palco? Bem, iríamos precisar de uma cama no palco, então teria de ser uma cama de aparência bem assustadora. Coisas que viviam sob a cama iriam aparecer e sair dançando em volta – então eu tinha quatro dançarinos profissionais, de jazz e balé.
ZH – Você é um dos artistas que inventou essa maneira de levar o teatro para o rock. Como isso começou?
Alice – Os caras da banda original, todos, também estavam envolvidos com arte. Éramos todos grandes fãs do Salvador Dalí. Na verdade, chegamos a trabalhar com ele, em 1972 ou 1973. Fiz um projeto com ele. Ele via Alice Cooper como algo surrealístico. A ideia era que Alice Cooper não fosse só uma banda, mas também deveria ser uma peça de teatro. Desde o início, não queríamos ser heróis do rock’n’roll – queríamos ser os vilões do rock’n’roll. E foi isso que projetamos para Alice Cooper, uma espécie de Darth Vader do rock’n’roll (risos).
ZH – E isso se tornou muito influente nas décadas seguintes, para muitos artistas.
Alice – Sim. Rob Zombie, Slipknot... Até a Lady Gaga foi bastante influenciada pelos nossos discos e pelos nossos shows. A Lady Gaga é uma grande fã de Alice Cooper.
ZH – Você já teve a oportunidade de falar com ela sobre isso?
Alice – Oh, sim. Eu a vi em um show em Phoenix. Depois do show, ela me disse: “Muito obrigada por nos deixar roubar o seu espetáculo!”. Eu disse que ela não roubou o show, mas que eu gostava do fato de ela ser influenciada por ele.
ZH – Não seria a ocasião para uma colaboração entre vocês?
Alice – Não. Mas não digo que isso não virá a acontecer. Eu gostaria de compor algumas canções com a Lady Gaga. Mas acho que seria mais puxando para o rock, não tanto para o dance.
ZH – Para você, fazer shows é mais importante do que gravar discos?
Alice – As coisas andam juntas. Você não pode fazer o teatro se não tiver a música para isso. Chamo isso de fazer um bolo: você prepara um grande bolo e aí coloca a cobertura por cima. Para nós, o lado teatral é a cobertura. A qualidade é tudo para nós. O Bob Ezrin (produtor dos discos Welcome to my Nightmare) diz que toda canção tem que ser uma música em que todos acreditemos, estejamos convictos dela, de que seja realmente musical – que realmente se possa cantá-la, não só gritá-la. Tem muito rock por aí que são bandos de garotos gritando, em vez de comporem boas músicas.
ZH – Qual sua impressão sobre o rock’n’roll feito hoje?
Alice – Acho que as bandas parecem ser muito sensíveis, delicadas. Parece que têm medo de usar sua testosterona. Nas bandas do nosso tempo, a coisa toda do rock’n’roll era: é algo que vem da virilha, e não do cérebro (risos). E agora parece que todas as bandas são tímidas.
ZH – Acha que isso tem a ver com a tendência do politicamente correto?
Alice – Sim. Não acredito em correção política. Quando as pessoas me dizem que sou politicamente incorreto, digo que sou politicamente incoerente (risos).
ZH – Parece impossível ser totalmente correto politicamente...
Alice – Sim, você fica tão correto que se torna um robô. Tem que cuidar o tempo inteiro o que vai dizer, é como estar o tempo todo com medo. Tenho um amigo que leciona na Universidade do Arizona, e ele me disse: “Se eu entro na sala de aula e digo a uma garota: ‘Oh, que belo vestido’, posso ser demitido, porque ela iria dizer que isso é assédio sexual. Mas tudo o que eu disse é que gostei do vestido!”.
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Reportagem por LUÍS BISSIGO
Fonte: ZH on line, 30/05/2011
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