domingo, 15 de maio de 2011

O fim do mundo, de novo

MARCELO GLEISER*
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Se existe um risco imediato de destruição,
ele não vem do céu, de cometas ou de asteroides assassinos,
 mas de nossas próprias mãos

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PARECE QUE o mundo vai acabar.
De novo. A data definida pelo americano Harold Camping, um fundamentalista cristão de 89 anos, é resultado de cálculos e numerologia obscura, usando eventos bíblicos e catástrofes naturais. Camping previu o Apocalipse antes, em 1994. Mas desta vez está certo, diz ele.
Recentemente, cerca de 50 pessoas juntaram-se a Camping em Washington para espalhar a notícia. Entre eles, um oficial do Departamento de Segurança Interna que tirou férias especialmente para isso."Tenho de voltar no dia 23,mas não será preciso, pois no dia 21 sumirei", disse ao"Washington Post".
Nesse meio-tempo, um ateu está se oferecendo para tomar conta dos animais domésticos que ficarem para trás, já que eles não vão para o céu. Já tem mais de mil clientes.
Ironicamente, os céus estão oferecendo uma série de espetáculos neste mês, com vários alinhamentos planetários visíveis no hemisfério Sul. Como em tempos imemoriais, esses alinhamentos costumam ser interpretados como sinais apocalípticos. Em 11 de maio, Mercúrio, Vênus e Júpiter convergiram numa região com apenas 2,05 graus de diâmetro.
Como referência, a Lua cheia ocupa meio grau. Portanto, os planetas se juntaram no equivalente a quatro luas cheias, uma visão belíssima. No dia 21, o dia da previsão de Camping, Mercúrio, Vênus e Marte estarão numa região com apenas 2,13 graus de diâmetro.
"Começos e fins são parte integral
do discurso científico desde o nascimento
da ciência moderna no século 17.
Newton previu o fim do mundo para 2060.
Halley, famoso pelo cometa homônimo,
sugeriu que o Dilúvio foi causado
pelo impacto de um cometa contra a Terra."
Em 1186, os cinco planetas conhecidos então (até Saturno) alinharam-se nos céus, causando pânico por toda a Europa. Inúmeros outros fenômenos celestes, de eclipses a cometas e chuvas de meteoros, fizeram o mesmo no decorrer da história.
E continuam assustando as pessoas desnecessariamente. Os céus foram sempre vistos como sagrados.
Portanto, fenômenos inesperados e misteriosos eram interpretados como mensagens de deuses prontos para punir os pecadores. Conforme discuto em meu livro "O Fim da Terra e do Céu", essa tradição apocalíptica não se reserva apenas a fanáticos religiosos. Cientistas também participam ocasionalmente, se bem que sob a luz de argumentos racionais e testáveis.
De fato, é importante considerarmos o risco de um asteroide ou de um cometa com mais de um quilômetro de diâmetro colidir com a Terra (possível, mas realmente muito improvável), ou de o Sol explodir (isso ocorrerá, em aproximadamente 5 bilhões de anos), ou de o próprio Universo ter um fim (terá, continuando sua expansão indefinidamente, enquanto as estrelas morrerão e se apagarão, se bem que existem outras alternativas).
Começos e fins são parte integral do discurso científico desde o nascimento da ciência moderna no século 17. Newton previu o fim do mundo para 2060. Halley, famoso pelo cometa homônimo, sugeriu que o Dilúvio foi causado pelo impacto de um cometa contra a Terra.
Felizmente, podemos afirmar com confiança absoluta que alinhamentos planetários não trarão o Apocalipse e que o Sol, mesmo que volta e meia lance enormes bólidos de matéria em nossa direção, continuará fundindo hidrogênio em hélio de forma relativamente pacata por muito tempo. Se existe ameaça mais imediata, ela não vem dos céus, mas das nossas próprias mãos.
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* MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro Criação Imperfeita
Fonte: Folha online, 15/05/2011

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