Dez razões pelas quais as novas diretrizes
do Vaticano sobre pedofilia vão mudar pouco
Em uma carta circular aos bispos do mundo, divulgada nesta segunda-feira, a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano pediu que cada conferência episcopal do mundo prepare "linhas diretrizes" para lidar com os casos de abuso sexual de menores por membros do clero.
A análise é de David Clohessy, diretor da Rede de Sobreviventes dos Abusados por Padres (SNAP, na sigla em inglês), em artigo publicado no sítio National Catholic Reporter, 16-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line.
Eu acredito que as linhas diretrizes vão mudar muito pouco na forma como a Igreja Católica trata esses casos. Aqui estão 10 razões pelas quais eu penso isso:
1) Elas são apenas "linhas diretrizes".
Elas não são vinculantes ou obrigatórias, apenas sugestões – ao contrário das novas regras ou "instruções" que o Vaticano acaba de divulgar sobre a missa em latim.
2) Essas "linhas diretrizes" voluntárias foram amplamente ignoradas no passado.
Um exemplo notável: ao longo da década de 1990, os bispos dos EUA ignoraram quase totalmente suas próprias linhas diretrizes voluntárias semelhantes sobre o abuso que eles adotaram em 1993.
3) As "linhas diretrizes" não exigem que os bispos chamem a polícia quando souberem ou suspeitarem de crimes sexuais contra crianças.
Chamar a polícia é, talvez, o único passo mais efetivo que um bispo pode dar para proteger as crianças.
4) Em um punhado de nações com políticas supostamente obrigatórias contra o abuso na Igreja, essas políticas são inaplicáveis.
Por exemplo, a política dos EUA de 2002, que supostamente é "lei da Igreja", está cada vez mais sendo violada (especialmente as provisões acerca da "transparência"), sem nenhuma consequência de qualquer espécie aos malfeitores.
O exemplo recente mais notório é, claro, a arquidiocese da Filadélfia, que, de acordo com os promotores e os membros do Grande Júri, mantiveram no ministério por anos dezenas de padres abusadores confiavelmente acusados, e isso até há apenas dois meses.
5) Mesmo que Bento XVI quisesse impôr as diretrizes, a ESTRUTURA da Igreja é um enorme obstáculo.
O papa, diz-se, supervisiona 4.400 bispos de todo o planeta, uma estrutura inerentemente incontrolável.
6) Mesmo que Bento XVI quisesse impôr as diretrizes, a CULTURA da Igreja é um enorme obstáculo.
Séculos de sigilo interesseiro não podem ser facilmente revertidos. Veja como poderosos prelados como o cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado de 1990 a 2006, protegeram o Pe. Marcial Maciel Degollado por tanto tempo.
7) Poucas autoridades da Igreja, se é que existem, estão, aparentemente, pressionando por uma reforma real.
Se houvesse um contingente, ainda que pequeno, de bispos que se manifestasse e que defendessem fortemente medidas de prevenção verdadeiramente efetivas, algumas autoridades do Vaticano poderiam sentir alguma pressão para se comprometer com elas. Mas, evidentemente, não há um quadro de bispos verdadeiramente corajosos e francos.
8) Os malfeitores continuam sendo promovidos, e os denunciantes continuam sendo enviados ao ostracismo, então por que mais algumas palavras vagas sobre o papel que traria qualquer mudança na forma como os bispos tratam o abuso e o acobertamento?
Bispos como Diarmuid Martin, da Irlanda, Geoffrey Robinson, da Austrália, e Thomas Gumbleton, dos Estados Unidos, são isolados pelos seus pares, enquanto prelados como Bernard Law, anteriormente em Boston, e Justin Rigali, da Filadélfia, são tolerados e até mesmo promovidos. (Apenas no mês passado, Bento XVI indicou Rigali, o prelado mais amplamente desacreditado dos EUA, para ser representante especial do papa em uma grande festa da Igreja na República Tcheca no próximo mês).
Nos Estados Unidos, um número de autoridades da Igreja altamente controversos e comprometidos foram recentemente elevados pelo Papa Bento XVI: Christopher J. Coyne, de Boston, em março, foi ordenado o primeiro bispo auxiliar de Indianápolis, Indiana, desde 1933; Joseph R. Cistone, bispo auxiliar da Filadélfia, foi transferido para liderar a diocese de Saginaw, Michigan; José H. Gomez era bispo auxiliar de Denver, depois passou cinco anos como arcebispo de San Antonio, Texas, e, em seguida, foi indicado para Los Angeles.
9) Elas são um movimento muito tardio.
A alta cúpula da Igreja sabia dos crimes sexuais e dos acobertamentos do clero por décadas, senão por séculos.
10) Elas são um movimento muito relutante.
As linhas diretrizes estão sendo escritas agora só porque a crise chegou à porta do papa. A pressão veio de reportagens investigativas sobre o papel de Bento XVI no ocultamento de casos e devido ao crescente número e sucesso das ações civis.
-----------------------* Fonte: IHU on-line, 19/05/2011
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