segunda-feira, 11 de julho de 2011

'Cultura dos tablóides pode estar em agonia'

Entrevista
Imagem da Internet

Diretor do curso de Jornalismo de Oxford diz
que caso dos grampos é divisor de
 águas na imprensa britânica

Aos 80 anos, Rupert Murdoch certamente já passou por tempestades no mundo dos negócios. Mas o escândalo de grampo de telefones de celebridades, vítimas de crimes e de terrorismo, entre outros, pelo "News of the World", o mais bem-sucedido tabloide dominical no Reino Unido, é um capítulo novo na saga do bilionário australiano. Não apenas por tê-lo obrigado a fechar uma operação que, ao contrário dos concorrentes, não sofria de hemorragias de circulação e a cada domingo trazia sempre um coquetel mais apimentado de fofocas e escândalos. Mas por ter o potencial de continuar causando danos ao braço britânico de seu império de mídia, a News International. É o diagnóstico de John Lloyd, diretor do Instituto Reuters de Jornalismo, da Universidade de Oxford, e editor-contribuinte do jornal "Financial Times". No entanto, Lloyd alega que o colapso do "NOTW" (como o jornal é conhecido pelos britânicos) representa também um divisor de águas para os concorrentes, principalmente se os rumores de que mais tabloides burlam a lei para obter informações se concretizarem.

O GLOBO: O quão surprendente foi a decisão de Rupert Murdoch de sacrificar o "News of the World"?
JOHN LLOYD: Foi surpreendente em ângulos diferentes. Do ponto de vista dos negócios, estamos falando de um jornal que, mesmo nestes tempos de queda de circulações e receitas, ainda rodava 2,8 milhões de cópias e comandava um receita publicitária considerável. Foi também um pouco repentino, mas se pararmos para refletir, fechar as portas acabaria sendo inevitável. As repercussões do escândalo dos grampos telefônicos forçaram Murdoch a amputar um membro gangrenado.

Observadores viram também a chance de um sacrifício para não azedar as negociações de aquisição do controle acionário da operadora de TV a cabo BSkyB...
LLOYD: A BSkyB é um negócio muito mais lucrativo, só que ainda assim o sacrifício do "NOTW" continua sendo impressionante. E isso mesmo após a mudança do jornal depois da aquisição por Murdoch em 1969, quando o que era o primeiro jornal dominical popular de classe média se transformou num instrumento perigoso, por demais ligado a sexo e escândalos. E os recentes acontecimentos mostram que a transação da BSkyB será muito mais complexa do que Murdoch ou qualquer pessoa pensavam. Sobretudo se a opinião pública continuar se mobilizando como estamos vendo.

Não há benefício com a saída de circulação do "NOTW", ainda que ninguém imagine a lacuna aberta por muito tempo?
LLOYD: Os concorrentes não devem estar muito tristes, é verdade. Mas os problemas que mencionei acima permanecem. Mesmo um investimento maior em reportagens investigativas e de maior utilidade pública só deverá re$aumentos de circulação breves. E não esqueçamos que a investigação policial não vai parar no "NOTW". Outros tabloides certamente também recorreram a expedientes antiéticos, e isso representará outro golpe quando vier à tona. Podemos estar assistindo à agonia da cultura de tabloide no Reino Unido.

O “NOTW” é bastante peculiar no que diz respeito à proximidade com o governo Cameron...
LLOYD: David Cameron se aproximou de Murdoch da mesma forma que Tony Blair. Queria ganhar eleições. Nenhum político pode prescindir desse apoio. O problema de Cameron foi a inocência mostrada para liderar com Andrew Coulson. Mas ninguém deve imaginar que isso vai se transformar em Watergate, até porque o premier está longe de ser um Richard Nixon. Cameron sobreviverá sem muitos problemas, até porque o atual líder da oposição, Ed Milliband, é um político fraco.



Mas a oportunidade para encaixar pequenos golpes está diante dos trabalhistas, não?
LLOYD: Para ser sincero, imagino que os trabalhadores estão muito mais satisfeitos em ver menos um jornal os desafiando do que qualquer outra coisa. Todo político que ver jornais sangrando.

Não há o risco de o envolvimento com Coulson criar problemas de popularidade para Cameron?LLYOD: As pessoas que leem o “NOTW” não pensavam imediatamente em Rupert Murdoch. Talvez com todo o furor elas prestam um pouco mais atenção por algum tempo, mas creio que isso é muito mais problemático para a News Internacional. Afinal, o “NOTW” é o jornal-irmão do “Sun” e não se pode descartar a possibilidade de uma debandada de leitores.
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Reportagem por Fernando Duarte (fduarte@oglobo.com.br)
Fonte: O GLOBO online e impresso, 10/07/2011

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