Para falar sobre o conflito entre cavalheirismo e machismo (e, sim, isto existe), a consultora em etiqueta e marketing pessoal Célia Leão
relata um episódio recente ocorrido com um executivo, em visita a uma
empresa no exterior. Ao perceber, metros atrás de si, uma mulher se
aproximando, ele segurou a porta. A estrangeira parou bem séria a alguns
centímetros de onde o brasileiro sorria, amistosamente.
– Ela perguntou: “Você acha que não sou capaz de segurar a minha própria porta?”.
Ofendido, ele respondeu que era assim que ele havia aprendido a tratar
as mulheres no país dele, mas que ela não se incomodasse. Largou a porta
na cara dela e saiu a passo – conta Célia.
Nem sempre a tensão é tão clara como no relato acima, mas em tempos em que se discute cada vez mais questões de igualdade de gênero,
gestos que outrora eram vistos como demonstrações de cortesia de homens
para mulheres hoje são encarados como demonstrações de sexismo, mesmo
que não intencionais.
Na opinião de Célia, “nem tanto ao céu nem tanto à terra”. Sua
recomendação é, antes de mais nada, contextualizar. Sobre a questão de
se oferecer para pagar a conta de um encontro, por exemplo.
– Isso pode ter sido cortês há décadas atrás, antes de a mulher
trabalhar. Se hoje ela ganha seu dinheiro tanto quanto ele, é natural
que, com o passar do tempo, esse gesto perca o sentido e passe a ser até
depreciativo. Mas, quando uma mulher está carregada de compras, e um
homem com mais massa muscular e mãos livres se oferece para ajudar?
Burra ela se não aceitar – exemplifica a consultora.
O problema para as mulheres, no entanto, vai além da avaliação de um
gesto. É o que demonstra um relatório da Escola de Negócios da Universidade de Harvard
apresentado em uma conferência sobre gênero e trabalho, em 2013. O
texto utiliza o conceito de “sexismo benevolente” e mostra exemplos de
como algumas ações, ainda que bem-intencionadas, prejudicam as mulheres.
Gentil ou machista?
Em uma pesquisa apresentada no relatório, um grupo designou notas por competência e por simpatia dos personagens na seguinte cena: uma mulher é vista em um ambiente de trabalho, aparentemente tendo problemas com o computador. Um colega oferece ajuda. Os pesquisados avaliavam três cenários: um em que não assistem ao final da cena, um em que ela aceita a ajuda e um em que ela rejeita e segue tentando resolver o problema sozinha. Depois, avaliavam uma cena semelhante, mas com papéis inversos: a mulher oferece ajuda ao homem.
Em uma pesquisa apresentada no relatório, um grupo designou notas por competência e por simpatia dos personagens na seguinte cena: uma mulher é vista em um ambiente de trabalho, aparentemente tendo problemas com o computador. Um colega oferece ajuda. Os pesquisados avaliavam três cenários: um em que não assistem ao final da cena, um em que ela aceita a ajuda e um em que ela rejeita e segue tentando resolver o problema sozinha. Depois, avaliavam uma cena semelhante, mas com papéis inversos: a mulher oferece ajuda ao homem.
As notas para a competência tanto do homem quanto da mulher baixam
quando os dois aceitam ajuda um do outro. Até aí, nenhuma diferença de
gênero. Mas apenas a nota para a simpatia da mulher baixa quando ela
rejeita a ajuda do colega. Ou seja, a mulher está em uma encruzilhada:
ou aceita ajuda, mesmo se sentindo diminuída, ou rejeita e é vista como
arrogante, orgulhosa, antipática.
– Cavalheirismo não existe sem machismo. Eles nasceram de mãos dadas.
A diferença entre o cavalheirismo e a gentileza, é que o segundo não
difere homens e mulheres, e portanto não os hierarquiza – avalia a
antropóloga da Unicamp Juliana Carneiro da Silva.
Em 2011, Juliana publicou um artigo científico discutindo relações entre cavalheirismo e machismo a partir de As Ligações Perigosas,
romance francês do século 18 adaptado diversas vezes para o cinema e,
em 2016, para uma minissérie da TV Globo. Para o Visconde de Valmont, um
dos protagonistas da trama, nas palavras de Juliana, “A mulher vale
pelos obstáculos que impõe, porque é isto que valoriza o homem que,
conseguindo superá-los, conquista a mulher”. Não à toa, o principal
método de sedução de Valmont, um dos grandes canalhas da literatura, era
cortejar suas pretendidas à exaustão.
– É curioso observar que o homem que corteja as mulheres não
necessariamente está as enganando. Ele está apenas exercendo um machismo
que já está incutido nele. Só que, uma vez dentro de um relacionamento,
ele mudará de comportamento com a mesma naturalidade se a gentileza não
for o comportamento natural dele em relação a qualquer pessoa – declara
Juliana.
Ao encontro dessa afirmação vem outra pesquisa, realizada pela Universidade de Auckland,
na Nova Zelândia, com 2.700 mulheres em relacionamentos heterossexuais
estáveis. A conclusão foi a de que, quanto mais as mulheres concordavam
com uma série de afirmações de sexismo benevolente – como “mulheres
deveriam se sentir queridas e protegidas pelos homens” –, mais
frustradas estavam com os seus relacionamentos um ano depois.
Constatavam, com o passar do tempo, que as suas expectativas em relação
aos parceiros não correspondiam à realidade do dia a dia.
Para discernir entre um sujeito gentil e um machista (ainda que não
necessariamente mal-intencionado), valem dois pequenos truques,
respaldados pelo doutor em psicologia da USP, Ailton Amélio, blogueiro e especialista em relacionamentos amorosos e comunicação interpessoal:
– Número 1: aquele ato de cortesia, ele faria para outro homem?
Número 2: ele aceitaria aquele ato de cortesia de volta, vindo de uma
mulher?
Se as respostas forem “sim”, talvez o sujeito seja apenas um cavalheiro.
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Postado por Caue Fonseca
Fonte: http://revistadonna.clicrbs.com.br/comportamento-2/cortesia-ou-sexismo-um-debate-sobre-cavalheirismo-em-tempos-de-discussao-de-genero/10/08/2016
Ilustração Edu Oliveir
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