Thomaz Wood Jr.*
Pesquisadores franceses comprovam que clientes de marcas de luxo são menos propensos a ajudar o próximo
O mercado de bens de luxo integra um amplo sistema de produção e consumo centrado em valores materialista.
Nas últimas décadas,
houve uma explosão de marcas e artigos de luxo. O mercado, antes
restrito a uma diminuta elite urbana dos países desenvolvidos, ganhou o
mundo. Produtores se expandiram e consolidaram, constituindo corporações
bilionárias. Artigos com grifes de luxo são hoje cultuados e consumidos
por exuberantes caipiras na China, na Rússia e no Brasil.
Bens de luxo são associados a prestígio pessoal e status social.
Áreas de marketing e agências de propaganda manipulam meticulosamente
os seus atributos para fortalecer a autoestima e diferenciar quem os
adquire e exibe. Pesquisadores observam que o consumo extravagante de
bens de luxo é usado em certos círculos para atrair parceiros ou
parceiras e desencorajar rivais.
O mercado de bens de
luxo integra um amplo sistema de produção e consumo centrado em valores
materialistas, segundo os quais a imagem e a identidade pessoal emanam
das posses exibidas. O materialismo segue o dinheiro. Trabalhos
acadêmicos indicam que indivíduos que valorizam mais o dinheiro são
menos sociais e menos éticos, e tendem a se comportar com menor empatia e
menos compaixão.
Ocorre que a maior parte da pesquisa científica sobre o
efeito do consumo de bens de luxo foi realizada em laboratório, em
experimentos nos quais indivíduos se submeteram voluntariamente a
estímulos projetados por pesquisadores. Poucos estudos científicos sobre
o tema foram realizados em ambiente natural, nas lojas ou centros de
compras.
Considerando essa lacuna, os pesquisadores Lubomir Lamy,
Nicolas Guéguen, Jacques Fischer-Lokou e Jérôme Guegan conduziram uma
série de experimentos nos arredores de lojas de artigos de luxo em
Paris. Tais lojas são símbolos de valores materialistas. Seus produtos e
marcas evocam riqueza, prestígio e diferenciação.
Lamy e colaboradores estavam interessados em avaliar a
hipótese segundo a qual tais valores inibem a benevolência e a
inclinação a ajudar o próximo. Pesquisas anteriores já haviam sugerido
que o materialismo namora o hedonismo da busca por status e poder e vive
às turras com a generosidade e a preocupação em relação aos outros.
Faltava uma comprovação em ambiente natural.
O artigo resultante da pesquisa, publicado na revista científica Social Influence,
em 2016, revela os métodos empregados e os resultados encontrados. Os
autores realizaram três experimentos, envolvendo, respectivamente, 80,
112 e 360 indivíduos, com idades aparentes entre 30 e 60 anos, divididos
igualmente entre homens e mulheres. Os três experimentos foram
realizados em regiões de Paris conhecidas pela presença de lojas de
luxo.
Em cada experimento, os participantes,
divididos entre clientes de lojas de luxo e simples transeuntes, eram
expostos, sem saber, a situações nas quais um estranho necessitava de
ajuda. Na primeira situação, um estranho tinha uma limitação física e
precisava de ajuda para recuperar objetos pessoais caídos na calçada. Na
segunda situação, um desconhecido, levando um amigo em uma cadeira de
rodas, solicitava ansioso ao participante que cuidasse do amigo por
alguns minutos, enquanto ele recuperava um celular esquecido em um café
próximo. Na terceira situação, uma desconhecida pedia ao participante
para usar seu celular para se comunicar com sua mãe, porque a bateria de
seu aparelho havia se esgotado.
Resultados: nos três
experimentos, o porcentual de clientes de lojas de luxo que se
prontificou a auxiliar foi significativamente menor do que o de simples
transeuntes a atender ao pedido de ajuda: 35,0% ante 77,5% no primeiro
experimento, 23,2% ante 82,1% no segundo experimento, e 40,8% ante 74,1%
no terceiro.
O terceiro experimento também avaliou o
comportamento de clientes de lojas comuns, não associadas a marcas de
luxo. O resultado intermediário, de 63,3%, sugere que seu estímulo a
valores materialistas e seu desestímulo a comportamentos relacionados à
empatia e benevolência são significativos, porém, inferiores àqueles das
lojas de artigos de luxo.
Conclusão: se o prezado leitor precisar da ajuda de um
estranho, afaste-se das cercanias de lojas de artigos de luxo. Sua
chance de obter a ajuda desejada aumentará inversamente com a distância
desses cultuados templos de consumo.
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* Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração.
thomaz.wood@fgv.br
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/911/o-efeito-grife
Na edição Impressa CARTA CAPITAL n. 911 - 27/07/2016, pág.37
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