quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O que eu caço por aí

Martha Medeiros*

 

Estava distraída andando pelo parque num dia de sol quando escutei, sem querer, a conversa de duas moças que caminhavam logo atrás de mim.

Disse uma para a outra: “Ele aparece muito depressa, não dá tempo de pegar”.

Imaginei que ela estivesse narrando as desventuras da noite anterior. Visualizei a cena: ela tomava uma caipirinha em uma mesa de bar quando entrou no recinto o homem de seus sonhos, que deu uma rápida conferida no ambiente e logo sumiu porta afora, como era de costume. O comentário dela não fazia todo o sentido? “Ele aparece muito depressa, não dá tempo de pegar”.

Se não era esse o caso, talvez fôssemos colegas de profissão e o comentário faria sentido igual, uma vez que, além de eu estar no parque me exercitando, estava também fazendo algo que minha atividade exige: caçando. Calma. Caçando assunto. Às vezes, eles também surgem muito depressa, nem dá tempo de pegar.

Parece insano reclamar de falta de assunto, já que não se pode alegar que o mundo esteja um tédio. Absolutamente tudo está acontecendo neste ano, a ponto de uma boa piada ter se propagado por aí: “Tentei acompanhar 2016, mas desisto, vou esperar sair em DVD”.

Ainda assim, quem escreve colunas há mais de duas décadas vive com a sensação de ter esgotado seu estoque de opiniões. Olimpíada, corrupção, desastres ambientais, mortes, crises, eleições, retrocessos, avanços, dores existenciais, ativismo político e social: mudam os personagens, os enredos são reescritos, a filosofia clássica é reinterpretada, mas o que é que ainda surpreende de fato? Lembro que até há pouco tempo eu pensava que o último acontecimento realmente impactante deste início de século havia sido o 11 de Setembro, porém até o terrorismo está em vias de se banalizar.

O jeito é extrair uma impressão pessoal não só das grandes questões, mas também das trivialidades que todos estão comentando (e agora todos são todos mesmo), com bom humor ou mau humor, sem se angustiar por não conseguir ser original em meio a bilhões de palpiteiros simultâneos desse universo tecnológico.

Costumo fazer minhas caminhadas sem levar o celular, mas aquelas duas moças atrás de mim estavam com seus smarthphones caçando você-sabe-o-quê, só que quem se deu bem fui eu, pois ele passou depressa e eu consegui pegar – um assunto! Graças ao comentário delas, trouxe pra casa minha caça: a crônica foi escrita, entregue para o jornal e agora está sendo lida. De certa forma, meu Pokémon é você.

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