Comentário do blog: O texto é de 2015, mas continua atual e o momento pede.
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por Andrea Pérez Calle, no Justificando / Tradução e notas de rodapé: Carlos Francisco Marcondes Junior
As perguntas pessoais ficariam para o final. Nós combinamos isso
quando a sua obsessão pelo papel machê ainda era secreta. Sim, é isso
mesmo. Raúl Eugenio Zaffaroni, o ex-ministro da Corte Suprema de Justiça
da Argentina, o professor e pesquisador, o premiado, reconhecido e
elogiado jurista em nível mundial tem uma queda pelo artesanato: gosta
de fazer bonecos em papel machê. Ele suspeita, enquanto tira uma foto
com alguns fãs anônimos, que isso vem desde os tempos de criança, de
quando passava horas montando figuras com terra crua na porta de sua
casa.
A anedota em si é colorida, e isso bastaria para justificar que fosse
publicada: um dado cromático muito pouco esperado em uma figura pública
deste jaez. Aprovado. Muito bem, maravilha. Entretanto, pelo menos
neste caso, a decisão de compartilhá-la tem um objetivo superador, de
caráter coletivo: nós não podemos permitir que Zaffaroni ingresse
novamente no mundo do papel machê. Caso contrário, como ele mesmo
advertiu, poderia se perder, deixar de investir tempo em criar ideias
que transcendam; que ele transcenda, porque é ação e teoria.
Aqueles que lerem esta entrevista e entenderem Zaffaroni como jurista
e pensador de uma época têm então uma missão: proibir ao livreiro e ao
jornaleiro amigo que vendam jornais e cola de PVA a Raúl Eugenio
Zaffaroni.
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De branco, com tênis preto e uma bolsinha escura de mão, desceu do
elevador. A entrevista ocorreu no lugar menos privado do hotel: o lobby.
Por isso, e de vez em quando, o ambiente era compartilhado com
jogadores de futebol, turistas estrangeiros, dois visitantes da cidade
de Morón[1] e uma dúzia de tietes que o saudaram da rua e entraram no
hall em busca de um aperto de mão do ex-ministro da Corte.
Nesse encontro, Zaffaroni falou do tempo, do Direito e da política,
dos meios de comunicação, do castigo e da vingança. E contou uma
história, a de Marat, um “louco interessante” do século XVIII que criou
um modelo de legislação criminal que hoje é considerado o “primeiro
enunciado de um direito penal socialista”.
Segundo Zaffaroni, Marat sustentou que a lei de Talião, esse
irracional olho por olho, “é a pena mais justa dentro de uma sociedade
justa, onde todos sejam iguais”. “Mas o que foi acontecendo – conta que
dizia Marat – é que uns foram ficando com as parcelas dos outros, até
que uns poucos ficaram com tudo para si. Então, o Talião deixou de ser
justo, porque a sociedade começou a ser injusta. Marat disse, então, que
o juiz que prolatasse uma sentença de morte era um assassino”.
O texto foi escrito para um concurso que, obviamente, ele jamais
ganhou. Apesar disso, acabou sendo de muita serventia a um magistrado
francês que desenterrou seus postulados e justificou com eles uma
sentença no século XIX. Com isso, ganhou o ódio e a crítica de seus
pares do Império napoleônico, mas também abriu caminho na América
Latina, ao sul, na Argentina.
O artigo 41 do Código Penal de 1921 argentino encampou esse espírito
ao estabelecer os critérios para se impor uma pena. Requer, entre outras
coisas, que se contemple “a idade, a educação, os costumes e a conduta
precedente do sujeito”, bem como a “qualidade dos motivos que o
determinaram a delinquir, especialmente a miséria ou a dificuldade de
obter seu próprio sustento, e o de sua família”.
– O que faz com que perdure este olho por olho?
– Acima de tudo, deve-se saber que não é fácil, porque o que permeia
tudo isso é a ideia da vingança. E o sistema penal e o poder punitivo
são formas de canalização dessa vingança. Claro que ninguém vai lhe
dizer isso nesses termos porque todos tratam de tornar racional o
direito penal, e a vingança não é racional, por qualquer ângulo que se
veja.
Por isso é que não se pode pensar em um abolicionismo, em um
reducionismo do poder punitivo a um direito penal mínimo, como propõem
alguns. É interessante discutir isso em algum café de Paris, mas a
dificuldade prática é que a ideia e manipulação da vingança estão muito
introjetadas na nossa civilização, devido à concepção que temos do
tempo. As civilizações industriais têm uma noção linear do tempo. E
nisso Nietzsche tinha razão: a vingança é vingança contra o tempo. Eu me
vingo porque não posso fazer com que o que já foi não tenha sido. É
como a raiva que sentimos quando dormimos no metrô e perdemos uma
estação. Tudo bem, você desce, caminha por uns quarteirões e pega o trem
de novo. Mas, quanto ao tempo, não podemos pegar o metrô de volta.
Acabar com essa lógica implica uma mudança civilizatória, que não é tão
fácil como propõem os abolicionistas.
Claro que a grande maioria dos conflitos que são gerados em matéria
penal seriam suscetíveis de soluções conciliatórias e reparadoras. Mas,
antes, há uma grande dificuldade: a dificuldade civilizatória.
– Que raiva social é essa que anda circulando, o que é que, hoje em dia, estão querendo vingar?
– O que estão tratando de canalizar é uma espécie de violência difusa
que se produz em determinado momento. Normalmente, essa violência
difusa não é produzida pelas pessoas que estão morrendo de fome ou por
aquelas às quais falta o elementar para viver. Não. Nesse sentido, creio
que tem razão René Girard quando fala do mimetismo. Há alguns bens
escassos que alguns têm, e outros não. E eu quero ter os bens escassos
do outro. Se o outro toma champanhe e come caviar, eu também quero tomar
champanhe e comer caviar, ainda que eu talvez prefira merluza e sidra.
Mas eu quero ter o que o outro tem. Eu quero imitá-lo. E o que vejo em
nossa sociedade é um desvio da tensão que gera esse mimetismo. Não posso
tomar champanhe e comer caviar porque tem uns malandros que ficaram
excluídos e que me ameaçam. A culpa é toda deles. Essa é a lógica que
gera a tensão, a raiva.
– Uma direta contra a classe média…
– Sim, porque creio que esses setores recentemente incorporados são
os que sentem essas coisas. São os que vivenciam, com experiência
histórica de avanço e retrocesso, uma posição vulnerável. Sempre tiveram
temor. E isso é incentivado pelos meios de comunicação de massas.
Quando se vê um trabalhador, um taxista, que anseia a sociedade de
Vargas Llosa, eu me digo que estamos loucos, pergunto-me o que está
acontecendo, porque o cidadão é um trabalhador, não um oligarca que tem
uma fazenda e vive em Paris. E como se explica isso: pela vivência de
vulnerabilidade que esses setores têm. Isso é a classe média “meia-boca”
na sociedade argentina de Jauretche[2]. O reacionarismo de determinados
estamentos mais baixos da classe média é o mesmo naquele momento e
hoje.
– Nesse sentido, nós ouvimos e lemos o senhor criticar os
meios de comunicação. Outros se encarregaram de culpar também a
burocratização dos sindicatos. E que dizer do sistema educativo? Que
responsabilidade tem sobre esta perda de consciência da classe
trabalhadora, que faz com que muitos assalariados creiam que aqueles que
têm menos é que os ameaçam?
– Têm responsabilidade, claro. Mas eu acredito que hoje, pelo menos
em matéria educativa, está se produzindo um fenômeno muito particular.
Creio que estamos vivendo uma segunda reforma universitária. A primeira,
a de 1918, mudou a fisionomia do país porque colocou a classe média na
universidade[3]. Mas creio que hoje existe um enorme esforço por inserir
a classe trabalhadora na universidade. Isso é o que estou vendo e que
me impressiona, sobretudo nas universidades da periferia na Grande
Buenos Aires. Isso tem também uma incidência em outro nível. Em quê
certos países emergentes investiram para conseguir ser emergentes
realmente: investiram em know-how. Investiram na preparação humana do
know-how. Assim, para além de ser uma questão que incide sobre a redução
da desigualdade social, ela incide sobre a redução da desigualdade
entre países, porque é um investimento que, no longo prazo, e nem tão no
longo prazo assim, vai produzir seus efeitos nesse sentido.
O século XXI é um século em que – como nunca – o saber é poder. E se
você tiver o know-how, você terá o poder. Hoje a revolução não se faz
tomando o Palácio de Inverno, porque não existem mais palácios de
inverno. Hoje, a revolução se faz tomando o saber.
Pensei o seguinte: o que é que sobra aos moleques de uma favela que
falta aos incluídos? Sobra-lhes tempo. Temos que ser capazes de
organizar esse tempo para a obtenção de know-how, o que não é uma
loucura tão grande; não estou falando do impossível.
Se olharmos um pouquinho para a história, vejamos o que fizeram os
mosteiros. Uns sujeitos se juntaram com uma espécie de unidade econômica
mínima de subsistência e acumularam saber. E ficaram com o poder para
eles. Eu não estou dizendo que devamos fazer uma coisa tão enfadonha
como os mosteiros, mas...
Não vou lhe dar o exemplo de Cuba, vou lhe dar o exemplo do México de
Lázaro Cárdenas. Foi necessário fazer dos campesinos engenheiros
agrônomos para efetuar a reforma agrária. Na universidade, diziam a ele
que não. Mas ele fez dos campesinos engenheiros agrônomos.
Os presos que estudam em nossos presídios têm notas melhores que os
alunos soltos, porque têm tempo. Esta é a transformação deste século: o
tempo para gerar saber.
– Por isso o senhor quer desembarcar nas universidades da
periferia de Buenos Aires e formar “juristas populares”? Com música de
super-herói de fundo, a definição soa como “grupo de vingadores da
marginalidade contra o avanço discricionário e seletivo do sistema
penal”.
–De alguma maneira, sim, mas com algumas coisas mais. Porque aqui não
é só uma questão penal, mas de todo o direito. O penal é um capítulo
importante, porque pode desmantelar tudo. Entretanto, temos que pensar
no direito agrário, no direito civil, no direito do meio-ambiente.
O colonialismo acaba afetando demais, e um anti-colonialismo, uma
sociedade de pessoas inclusivas, como seria uma sociedade autônoma, tem
que ir formando quadros e profissionais nas distintas frentes jurídicas.
Nossos países são produtores de alimentos e então há que se ter uma
regulação da propriedade agrária; há que se defender a exploração
familiar da propriedade agrária; há que resistir à monocultura. E por
isso sustento que seria necessário pensar em um Código Agrário.
Nossa Constituição diz que a União reconhece a existência dos povos
originários. Bom, bárbaro, então temos que pensar na forma de economia
desses povos, pensar na ideia de propriedade que eles têm, pensar em
preservar os supermercados deles, que são as florestas naturais.
– O plano então é formar juristas populares para disputar sentido a partir do Direito. Que sentido?
– O da Constituição, o da realização do programa constitucional. Sua
mais sintética expressão é que todo ser humano é pessoa. A Constituição é
um programa, é um projeto, tem uma função heurística, tem um dever-ser.
E, se tem um dever-ser, é porque algo não é. Logo, deve-se dar um
empurrão nesse sentido. É muito possível que, na época de Marx, ele
tivesse razão quando dizia que o direito era o instrumento das classes
hegemônicas. Mas, como cometeram muitas atrocidades, elas foram
introduzidas a certos tratados e normas. Isso quer dizer que as normas
são uma espécie de cavalo de Troia, que hoje transformam o direito numa
espécie de campo de luta.
Como Zaffaroni pensa. Em que contexto ele alinhava as ideias. Como
organiza o pensamento. Senta-se em uma poltrona para fumar um charuto
interminável e de repente, zás, a ideia? Faz terapia? Conversa com a
folha em branco? Tem cinco secretários sobrevoando sua cabeça e tomando
nota de suas associações?
Zaffaroni viaja e conversa. E anota tudo em um caderninho. Diz que a
“atenção flutuante” é que lhe permite a escalada no pensamento. E a isso
se dedica sempre que pode. A conversar e a pegar algum avião.
Quando desce, escolhe um computador e sua biblioteca. Seleciona os
livros para a ocasião e se senta a escrever. Quando a mensagem deve
transcender o mundinho acadêmico, como aconteceu no caso de “La Cuestión
Criminal”[4], Zaffaroni fala fácil, para todos. E ele talvez consiga
esse feito pondo em prática um conselho que costuma dar: “se você é
advogado, o que você menos tem de ler é Direito”.
Zaffaroni lê sociologia, história e psicologia. Nessa ordem. E
escolhe muito pouco a literatura: “a realidade já tem ficção. A
realidade é bastante criativa. Às vezes, muito mais do que a própria
imaginação”.
– Fernando Pessoa define o homem como um cadáver postergado. O
senhor fala de cadáveres adiantados. Quais são os cadáveres antecipados
dos governos democráticos, de Alfonsín[5] a Cristina [Kirchner]?
– São os cadáveres adiantados das sociedades excludentes, da
discriminação social, da desigualdade social. Se você for somando,
chegará a uma cifra um pouco astronômica.
Em nossa região, não podemos ocultar de nós mesmos que temos um alto
índice de violência homicida. A Argentina não, o Uruguai não, o Chile
não. Mas o resto, sim. Pense que 23 de todos os países que integram a
ONU – segundo cifras oficiais, com todas as dúvidas que as cifras
oficiais podem gerar – passam a marca de 20 homicídios por 100 mil
pessoas. Desse total, 18 estão na América Latina e no Caribe. Ou seja,
somos os campeões. Paralelamente, e não por acidente, somos os campeões
da desigualdade medida pelo Coeficiente de Gini. Uma correlação direta
entre o Coeficiente de Gini e o índice de homicídios.
Mas cuidado, a violência não é produzida necessariamente pela
pobreza. É produzida pela desigualdade e pela falta de projeto. Pobreza
com desigualdade e falta de projeto. Eis a síntese. Pode haver
carências, inclusive em situações-limite como um terremoto, uma guerra e
uma catástrofe. Porém, nesses momentos não se produz violência. Ao
contrário, ela baixa. E por quê? Porque se incrementa o senso de
comunidade, a solidariedade comunitária.
É preciso ir resgatar a velhinha que ficou soterrada embaixo de uma
viga, é preciso salvar alguma outra pessoa, é necessário remover os
escombros. Existe um empreendimento comum, existe um projeto. Quando
falta o projeto é que se produz o fenômeno. Mas essa desigualdade cria
outros fenômenos letais. E também gera autolesão, e aí você tem
suicídios, conscientes ou inconscientes.
Há outros fenômenos também: há mais veículos, a malha viária continua
igual e os trens não funcionam. Tudo corre pelas rodovias. Nós vamos
matar-nos todos uns aos outros. Com isso, as mortes de trânsito, que são
uma das principais causas de morte de jovens na população.
Há discriminação na atenção de saúde, sobretudo de crianças, de
idosos. A medicina vai se tornando mais cara, mais custosa, e então
vai-se selecionando. Vale a pena atender este aqui; aquele ali, não. Sem
falar em que são fechados, ou não são mantidos, os postos de saúde de
bairro. Você não tem ideia de quantas mortes isso pode provocar.
Se somamos todos os mortos que a desigualdade provoca, chegamos a cifras assombrosas.
– O senhor acredita que, nestes anos de governo Kirchnerista,
foram semeadas as bases de uma política de longo prazo de redução dos
níveis de desigualdade social?
– O que se fez nestes 12 anos é importante, apesar de termos uma
sociedade estratificada, desigual. Mas há vários governos na América
Latina que fizeram bastante por reduzir a desigualdade. É evidente que
não podemos reverter em tão poucos anos um fenômeno tão estrutural e
instalar um Estado de bem-estar em plenitude. Isso não se alcança em
cinco, dez ou quinze anos. Mas creio que, neste ritmo, vamos bem. Em
todo caso, pode-se pensar em como acelerá-lo.
Se queremos reduzir a violência, temos que reduzir a desigualdade.
Porque a desigualdade produz morte. É letal. E, definitivamente, tem-se
de potencializar o direito ao desenvolvimento progressivo, como direito
humano que alguns entendem de terceira geração e que para nós é de
primeira. Isso não significa descuidar do direito à vida; é justamente o
contrário. O direito ao desenvolvimento está intimamente ligado ao
direito à vida.
***
A entrevista está por terminar. Faltam cinco para as seis. E às seis e
dez começa o curso. Zaffaroni dará um seminário de verão no sétimo
andar da Faculdade de Direito de Mar del Plata. Enquanto espera o carro
que o levará de porta a porta, fala de música e sentimentos. Ensaia um
sotaque brasileiro, com o risco assumido do ridículo, e confessa que,
quando está contente, escuta samba, e quando o dia não foi o que
esperava, prefere bossa nova. Para dançar, jura Zaffaroni, “nada como as
melodias cubanas”.
– O medo é uma sensação e gera um estado. A população diz ter
medo e assegura viver com paranoia de sair de carro, de ir ao trabalho,
de caminhar pela rua. O medo parece ser coletivo, não mais individual. É
reversível? Como?
– Os meios de comunicação de massas operam segundo a situação
geopolítica e a realidade da violência. Nos países onde há altos índices
de violência, e esses índices de violência acabam sendo funcionais ao
poder transnacional porque fazem a contenção dos excluídos, os meios
massivos de comunicação naturalizam a violência. E nos lugares onde não
temos esses níveis de violência, na Argentina por exemplo, geram um
estado de paranoia social. Uma atitude paranoide social. Criam uma
realidade com aspectos reais. É o Teorema de Thomas: não importa que
algo seja verdadeiro ou falso, e sim que se dê por verdadeiro e produza
efeitos reais. E sim, efetivamente os provoca: as pessoas se armam e,
como têm arma em casa, quando elas têm um conflito, se matam. É um
efeito real que esse estado paranoide produz e que, veja só, é a semente
do genocídio.
– Melhor a gente desligar a tevê, então?
– Creio que uma das coisas que eu poderia fazer, apesar de ser um
pouco arriscado na minha idade, é criar uma organização ilícita para
destruir torres de televisão. Todos com o rosto mascarado e ninguém vai
nos deter. Mas me parece que já não é possível pra mim, nesta idade.
Então, sim, de alguma maneira sim, deve-se desligar a tevê. A luta é
comunicacional, há que se demolir uma construção de realidade. Se estão
me dizendo todos os dias que matam gente na esquina, que matam gente ali
atrás, que morreram não sei quantos em um bairro muito perigoso, eu
possivelmente vou entrar nesse estado.
A questão é que se deve saber que há terreno para a construção e
consumo dessas realidades, porque as pessoas só sabem o que ocorre em
seu entorno, elas não podem ficar checando o que se passa em outros.
Então, elas creem no que lhes estão dizendo.
É surpreendente para mim que venha gente do interior e me diga que
tem medo por causa da quantidade de violência que existe na cidade de
Buenos Aires. Eu olho para eles. Pergunto-lhes se estão loucos. Buenos
Aires é uma das poucas cidades onde uma mulher pode caminhar às três da
manhã sozinha na rua. Isso não se pode fazer em outras cidades do mundo,
e não falo das cidades latino-americanas, mas dos países desenvolvidos.
Estas realidades se constroem com o velho livrinho de como construir
realidades, algo que alguns ensinam nas escolas de jornalismo.
***
Artigo publicado originalmente no portal Revista Ajo, edição
de fevereiro de 2015 –
http://www.revistaajo.com.ar/notas/2606-en-este-siglo-la-revolucion-se-hace-tomando-el-saber.html
Tradução e publicação autorizadas pelo Editor, no Brasil, mediante licença copyleft.
[1] Cidade na Província de Buenos Aires.
[2] Zaffaroni se refere à obra “El medio pelo en la sociedad
argentina”, de Arturo Jauretche (“A classe média na sociedade
argentina”, em tradução livre). O título do livro, publicado em 1966,
faz um trocadilho com a expressão “medio pelo”, que significa também
algo como “meia-boca”. Nesse trabalho, Jauretche se propõe a fazer um
ensaio sobre a sociologia da nação argentina, a partir de uma análise da
classe média que “busca aparentar um status superior ao que realmente
possui”.
[3] A Reforma Universitária de 1918 foi um movimento ativista
estudantil iniciado na Universidade Nacional de Córdoba, que tinha por
princípios a autonomia universitária e a extensão acadêmica. A
revolução, que se espraiou por boa parte da América Latina, foi
bem-sucedida e culminou na democratização das universidades públicas
argentinas.
[4] La Cuestión Criminal (A Questão Criminal) é um livro
escrito por Zaffaroni não em linguagem técnica, mas literária. Foi
originalmente publicado em 25 fascículos semanais no jornal argentino
Página/12, com ilustrações do premiado cartunista Miguel Rep. Na obra, o
magistrado condensa uma visão alternativa sobre a segurança pública e o
direito penal, no contexto de uma sociedade democrática. O conteúdo do
livro está disponibilizado gratuitamente na internet em
http://www.pagina12.com.ar/diario/especiales/18-175157-2011-08-23.html
-- acesso em 01.05.2015.
[5] Raúl Ricardo Alfonsín foi presidente da Argentina de
10.12.1983 a 08.07.1989. Foi o primeiro mandatário democraticamente
eleito após a ditadura militar daquele país, cuja débacle se deu depois
da Guerra das Malvinas. Alfonsín foi sucedido por Carlos Menem.
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Fotos: Romina Elvira e Federica González
Fonte: http://www.ocafezinho.com/2016/08/17/neste-seculo-a-revolucao-se-faz-tomando-o-saber-diz-zaffaroni/
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