Por Alain Badiou, via Verso Books, traduzido por Rodrigo Gonsalves.
Eu gostaria de enfatizar um ponto que parece ter sido esquecido hoje em dia, depois do aparente
triunfo do capitalismo em escala global: A Revolução Russa de 1917 foi
evento sem precedentes na história da espécie humana.
Neste caso, vale a pena lembrarmos que a
história da humanidade é relativamente curta, levando tudo em
consideração. Ela soma por volta de 200,000 anos, o que não é muito se
compararmos com os milhões de anos em que os dinossauros dominavam o
planeta. Podemos sustentar que, nesta breve sequência, tivemos
basicamente apenas uma fundamental “Revolução”: a revolução Neolítica.
Essa revolução traduziu-se em ferramentas mais efetivas, estabelecimento
da agricultura, uma noção estabelecida de propriedade de terras,
objetos de cerâmica, a possibilidade de excesso de alimento que permitiu
a existência um classe dominante ociosa, resultando na criação de um
estado, da escrita, do dinheiro, de taxas, do aperfeiçoamento (graças ao
bronze) de equipamentos militares, comércio a longa distância… Tudo
isto, datando apenas alguns milênios atrás e ainda estamos no mesmo
lugar. Mesmo se a produção industrial apoiada pela ciência moderna tenha
acelerado muitos processos, o fato é que o nosso mundo ainda é o mundo
da rivalidade entre estados, de guerras, da dominação de uma estreita
oligarquia financeira, de decisiva importância no comércio
internacional, do predatismo militarizado de matérias primas, da
existência de massas gigantes de muitos bilhões de pessoas que estão
totalmente destituídos e de um perpétuo movimento em massa de pobres
camponeses de todas as regiões em direção das sobrecarregadas metrópoles
onde eles assumem papéis subalternos.
Somente muito tardiamente, apenas há
alguns séculos, a questão dos fundamentos econômicos dos estados chegou
ao cerne da discussão política. A partir daí, podemos argumentar, ou
mesmo demonstrar, que a mesma organização social opressiva e
discriminatória poderia perfeitamente sentir-se em casa, escondia por
trás de qualquer forma estatal (poder pessoal ou democracia). Ou seja,
uma organização em que as decisões estatais mais importantes envolvem
invariavelmente a proteção ilimitada da propriedade privada, a
transmissão desta propriedade através da família e, finalmente, a
manutenção de desigualdades totalmente monstruosas, mantidas como
naturais e inevitáveis.
Então surgiram iniciativas
revolucionárias de uma ordem completamente diferente daquelas que apenas
questionaram a forma de poder político. Todo o século XIX fora marcado
pelas falhas – muitas vezes sangrentas – de tentativas revolucionárias
de tal orientação. A Comuna de Paris, com seus trinta mil mortos nas
calçadas de Paris, continua sendo a mais gloriosa dessas catástrofes.
Sendo assim, diremos: nas condições do
enfraquecimento do estado central despótico da Rússia, que incautamente
se comprometeu com a Grande Guerra de 1914 a 1918; no despertar de uma
primeira revolução democrática (fevereiro de 1917) que derrubou esse
estado; com uma nova classe trabalhadora entrando em formação, muito
dada à revolta e sem sindicatos conservadores para restringi-los; sob a
liderança de um Partido Bolchevique cuja organização era em certo
sentido, implacável; e com um Lenin e um Trotsky que combinaram uma
forte cultura Marxista e uma longa experiência militante assombrada
pelas lições da Comuna de Paris; fundindo tudo isso em outubro de 1917,
veio a primeira vitória, em toda a história humana, de uma revolução
pós-neolítica.
Isso significou uma revolução que
estabeleceu um poder cujo objetivo declarado era a derrubada total dos
fundamentos de milênios de todas as sociedades “modernas”: a ditadura
oculta daqueles que possuem o controle financeiro da produção e do
comércio. Esta foi uma revolução que se abriu para a fundação de uma
nova modernidade. E o nome comum desta novidade absoluta era – e, na
minha opinião, permanece sendo – o “comunismo”. Pessoas de todos os
tipos ao redor do mundo, desde as massas populares trabalhadoras e
camponesas até intelectuais e artistas, reconheceram esta revolução sob o
nome de “comunismo”, recebendo-o com um entusiasmo proporcional à
vingança que constituía depois das duras derrotas do século anterior.
Agora, Lenin poderia declarar, chegou a era das revoluções vitoriosas.
Quaisquer que fossem os avatares
posteriores desta aventura sem precedentes e qualquer que seja a
situação atual em que as ‘panelinhas’ contemporâneas do Neolítico tomem
as coisas em volta do mundo, a revolução comunista de outubro de 1917
continua sendo a nossa base para saber que, no nível temporal do porvir
da humanidade, o capitalismo dominante é, e para sempre será algo do
passado. Isso, não obstante suas aparências passageiras.
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Fonte: https://lavrapalavra.com/2017/07/31/sobre-a-revolucao-russa-de-outubro-de-1917/
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