sexta-feira, 18 de agosto de 2017

REVOLUÇÃO SEM AMANHÃ


 Divulgação
 A pesquisadora Zeynep Tufekci com capacete para se proteger de latas de gás lacrimogêneo 
durante protesto em 2013 no parque Taksim Gezi, em Istambul

Conversas sobre como a internet influencia movimentos sociais muitas vezes ocorrem em dois campos opostos. Há o otimismo de quem destaca que as redes sociais permitem a organização e o surgimento de protestos mais rapidamente. Do outro lado, o pessimismo de que os movimentos que começam on-line não passam de "ativismo de sofá" sem efeito além da rede.

Com trajetórias e impactos variados, movimentos como as jornadas de junho de 2013 no Brasil, a Primavera Árabe no Oriente Médio e o Black Lives Matter nos EUA mostram que a resposta é mais complexa. Embora hoje não faltem protestos que rapidamente alcançam enorme influência e resultados diretos, muitos movimentos também sofrem para dar os próximos passos na direção de mudanças mais duradouras.

Os desafios que separam esses dois pontos é o tema de estudo da pesquisadora Zeynep Tufekci, professora da Universidade da Carolina do Norte e do Centro para Internet e Sociedade Berkman Klein, de Harvard. Zeynep, que não diz sua idade por questões de segurança, nasceu na Turquia, onde teve seu primeiro contato com a internet quando era programadora na IBM na década de 90, período em que o país passou por uma ditadura militar. Recentemente, lançou o livro "Twitter and Tear Gas: The Power and Fragility of Networked Protests" (Twitter e Gás Lacrimogêneo: O Poder e a Fragilidade dos Protestos em Rede), pela Yale University Press, que reúne pesquisas com ativistas de países como Egito, Turquia e EUA, além da sua própria experiência em protestos.

Na sua visão, a mesma conectividade que dá poder a grupos se torna um obstáculo quando o assunto é evoluir para um próximo estágio. Se no passado os movimentos investiam meses de organização para espalhar a mensagem e reunir milhares de pessoas - como ocorreu com a marcha em que Martin Luther King (1929-1968) proferiu seu mais famoso discurso, em 1963 –, hoje atingir milhões é facilmente conseguido com as redes.

O tempo gasto com a organização, no entanto, era essencial para fortalecer os "músculos" do movimento e gerar uma estrutura coletiva capaz de tomar decisões. A fragilidade é exemplificada com uma analogia: assim como com alpinistas que só conseguem escalar o Everest por causa dos ajudantes chamados "sherpas", essa falta de preparo eventualmente pode ser fatal. "Muitos movimentos se reúnem para dizer 'não' a algo - não a Mubarak, não a Trump, não ao presidente -, mas têm muita dificuldade de dar um próximo passo construtivo e criar consenso que também seja participativo", diz a socióloga, que escreve regularmente para o "The New York Times".

Enquanto movimentos lidam com tensões internas no ambiente altamente visível das redes sociais, governos autoritários também entraram no jogo e usam as mesmas ferramentas. É um novo tipo de censura, que deixou de tentar impedir o fluxo de informações, como Hosni Mubarak fez ao cortar a internet do Egito em 2011 - algo facilmente contornado por ativistas. O objetivo agora é enfraquecer a autonomia que o acesso a informações gera, e a estratégia é o excesso. Com campanhas para bombardear cidadãos com informações falsas, a intenção é criar um sentimento de dúvida que resulta na perda de credibilidade de movimentos sociais e na inação.

Valor: Os movimentos ainda precisam da mídia de massa para legitimar sua voz? 
Zeynep Tufekci: Ela não tem mais esse poder definitivo, mas ela ainda tem muito poder porque é importante para espalhar a mensagem. O que há, hoje, é uma ecologia em que pessoas normais têm muito poder, mas não só elas, como mostram as recentes tentativas de desinformação [por governos]. A atenção é uma mercadoria muito valiosa. Antes, a mídia de massa era o "gatekeeper" [guardião] da atenção. Agora, receber atenção é o resultado de uma interação complexa entre as ações das pessoas, os algoritmos das redes sociais, a reação da mídia e o governo. É um espaço muito mais caótico.

Valor: É possível ter um movimento verdadeiramente sem líder, como muitos desejam? 
Zeynep: Isso acaba fazendo com que o movimento se desintegre porque se torna muito difícil dar os próximos passos. Mesmo se não há um líder no papel, com muita frequência algumas pessoas acabam agindo como lideranças, mas sem ter que prestar contas. Isso gera mais tensão, porque o resultado é um movimento que não é verdadeiramente sem líder, mas um com líderes que não legítimos e responsabilizáveis.

Valor: A senhora escreve que uma das razões das pessoas protestarem é a vontade de fazer parte de uma comunidade. Você acha que a esquerda tem tido mais dificuldade de produzir esse tipo de comunidade em seus movimentos?
Zeynep: Não, mas a questão é como se tornar uma comunidade mais inclusiva. Comunidades costumam excluir pessoas, e você vê isso na esquerda e na direita. Há uma tendência de querer se manter pequeno e puro, para se manter coeso. Mas se você realmente quiser crescer, precisa ser flexível. Para essa atração inicial, as redes sociais são muito poderosas, pois há uma "participatividade" que torna mais fácil para elas se acharem. Mas isso também impede essa comunidade de crescer de forma construtiva. Um milhão de pessoas não vão sempre querer as mesmas coisas - mas se você quer mudança política, você precisa de milhões. Se você diz "tire esse presidente", você não precisa concordar com dez coisas diferentes. Mas depois que isso acontece, você precisa chegar a um consenso com 10 milhões de pessoas, quando todas elas têm uma conta no Twitter e uma voz.

Valor: A principal contribuição da internet para movimentos é essa capacidade de reunir pessoas que já têm visões parecidas em determinado assunto? E quanto a mudar opiniões?
Zeynep: Lógico que é mais fácil achar pessoas que pensam como você, pois mudar opiniões é um trabalho difícil. Mesmo se você não mudar opiniões, no entanto, você pode trabalhar junto. Mas as redes sociais não são muito boas para isso. O modelo de negócios do Facebook é manter você nele o maior tempo possível. Então os algoritmos elevam o que todo mundo gosta e o que todo mundo odeia, o que faz com que a indignação receba muita atenção. Não é uma plataforma adequada para o trabalho persuasivo.

Valor: O Twitter também está se movendo para uma "timeline" definida por algoritmos. Se as principais plataformas tiverem esse modelo, o que isso significa para os movimentos?
Zeynep: Significa que você perde o controle da sua mensagem. E também há o que vimos na última eleição [americana], em que o Facebook foi uma plataforma muito propícia para a desinformação, porque não importa para eles se você está recebendo informação boa ou ruim, contanto que eles faturem com anúncios. Isso permite que haja muitas pessoas ganhando dinheiro com notícias falsas e governos fazendo campanhas de desinformação.

Valor: O Brasil usa muito o WhatsApp para se informar. O que muda quando essas conversas ocorrem em redes fechadas?
Zeynep: Por um lado, permite mais controle, porque as informações não são ordenadas por algoritmo. Há uma combinação de ser um meio privado e criptografado, ter um alcance grande e uma microvisibilidade. Em Mianmar, o discurso de ódio contra uma minoria que está gerando casos de limpeza étnica estava sendo espalhado no Facebook, e agora migrou para para o WhatsApp, onde não se consegue vê-lo. Não há consequências fáceis. Normalmente essas tecnologias trazem efeitos positivos e perigosos, todos ao mesmo tempo.
 -------------------------
Reportagem por Leticia Arcoverde/ De São Paulo 18/08/2017
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/5084560/revolucao-sem-amanha

Nenhum comentário:

Postar um comentário