terça-feira, 8 de agosto de 2017

DOMINIC RICHARDSON: Não estamos preparados para viver 100 anos

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 "A grande mensagem é que a vida custa dinheiro. As pessoas têm de pagar por uma forte educação e por um sistema de saúde. Países não desenvolvidos terão de fazer escolhas, mudanças em suas posições e investir no futuro. Será um longo processo." 

Especialista sênior em educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o britânico Dominic Richardson, de 41 anos, atua desde 2015 no Innocenti, o departamento da entidade dedicado a estudos sobre as relações entre educadores, escolas e as condições de vida das crianças. Ele foi um dos convidados para debater as conclusões do estudo global “Crianças na Terceira Idade – Uma visão de longo prazo para a saúde e o bem-estar”, realizado pela Economist Intelligence Unit (EIU) e apresentado recentemente em Frankfurt, na Alemanha. Para Richardson, a geração que nasce hoje com a expectativa de viver mais de cem anos – algo inédito na história da humanidade –, está ameaçada de sofrer com a falta de acesso à saúde e à educação de qualidade em todo o mundo. Na entrevista a seguir, ele diz que o bem-estar das crianças é a grande preocupação da atualidade e propõe ações dos governos, das escolas e dos pais para mudar esse cenário.

É possível afirmar que as crianças que nascem hoje viverão cem anos ou mais?
É uma grande ambição. O aumento na expectativa de vida depende de fatores como o avanço da ciência e o desenvolvimento social. Muitas nações não possuem um sistema de saúde que atenda a todas as parcelas da população. Por isso, viver até os cem anos não será uma realidade possível para todas as pessoas.

As instituições estão preparadas para absorver as demandas dessa longevidade?
As oportunidades de desenvolvimento foram muito diferentes nos últimos anos. A geração que viver por mais tempo enfrentará muitos desafios, e as instituições não estão preparadas para atender as necessidades de saúde, educação e bem-estar que se projetam para os próximos tempos. Elas não estavam preparadas nem para atender as gerações anteriores. Em países como o Brasil, manter um convênio de saúde é muito custoso. Os hospitais não conseguirão absorver toda a gama de pessoas que precisará desses serviços. As pessoas não terão recursos para arcar com os custos da saúde. Será preciso pensar em soluções para problemas que nunca foram solucionados. Precisamos de mais hospitais. O nível de mortalidade ainda é muito alto em muitos países do mundo.

Como melhorar a expectativa de vida em nações subdesenvolvidas?
Investindo em igualdade. Ao melhorar as oportunidades haverá aumento na expectativa de vida. Se o Brasil tivesse melhores escolas, melhores condições de saúde e um maior nível de engajamento dos pais na vida das crianças, a expectativa de vida seria melhor. A desigualdade gera baixos níveis de educação e afeta a relação entre pais e filhos. Estudos mostram que em regiões mais pobres do Brasil há maiores índices de gravidez. Às vezes, crianças repetem comportamentos dos pais. Se um deles fuma por anos, provavelmente a criança tende a repetir esse comportamento e se tornar um fumante. Alguns pais mais participativos podem ser a chave para que as crianças se desenvolvam melhor. As escolas também deveriam fazer campanhas massivas para prevenção de doenças. O engajamento entre escolas e responsáveis poderia ser um bom caminho.

O contexto social influencia a educação das crianças?
Sim. Na América Latina, por exemplo, crianças assistem às aulas estressadas por causa da violência. As escolas precisam ser seguras. Se não forem, as crianças não irão às aulas. Sem ir às aulas, elas não aprendem. A violência fecha as escolas. As crianças de algumas regiões do mundo sentem medo de sair de casa. Em termos de educação, a segurança é muito importante. Em termos de saúde, a insegurança gera uma condição de estresse. É uma situação muito frequente em favelas, em áreas dominadas por conflitos ou pelo tráfico. Para aprenderem bem, crianças precisam ao menos ter o trajeto casa-escola assegurado – e hoje isso não é possível. A segurança deveria ser a principal preocupação das escolas.

Como o senhor avalia as políticas de bem-estar social nas escolas em países em desenvolvimento?
As evidências mostram que o grande problema é a continuidade, porque essas iniciativas não são avaliadas ou monitoradas sistematicamente. No longo prazo, ter escolas e um ambiente seguro significa progresso social. A chave está em educar e prover trabalho, segurança e saúde para as novas gerações. Quando temos todos esses elementos significa que a sociedade vive um processo evolutivo. Na Alemanha, por exemplo, não se fala em violência nem em gangues nas escolas. O Brasil é um país rico, mas há um nível de desigualdade profundo que impede a evolução do bem-estar social. Não se pode pensar somente em políticas contra a violência, mas também em como criar um sistema de prevenção eficiente.

Os pais estão preparados para criar essa nova geração do ponto de vista da educação e da saúde?
Muitos pais são céticos sobre a qualidade do sistema de saúde e educação nas escolas. É importante, porém, trabalhar conceitos de educação e saúde fora dos centros de ensino. Em casa, os pais são importantes influências na vida das crianças para dar suporte à educação, e isso pode ser um grande diferencial. Alguns comportamentos saudáveis também podem ser passados para os filhos. Quanto antes esse tipo de influência for praticada dentro de casa, mais interessante será conscientização da criança para a saúde.

Apesar da expectativa para uma vida com mais de cem anos, ainda existem altas taxas de mortalidade infantil. Quais os fatores que ainda levam a isso?
O sedentarismo e a obesidade colaboram para aumentar as taxas de mortalidade infantil, aumentam a incidência de diabetes e doenças cardiovasculares. As crianças sofrem com a falta de qualidade dos alimentos. A má nutrição também é um problema. É preciso pensar em como melhorar a segurança alimentar, incentivar a prática de exercícios e esportes nas escolas. Por um lado, existem países como a África do Sul sofrendo com a desnutrição e por outro, países como os Estados Unidos, com um elevado número de pessoas acima do peso. Existem altos níveis de obesidade nos EUA, Canadá e Reino Unido. Na maioria dos casos, as populações apenas compram alimentos processados, baratos e de má qualidade.

No caso de países emergentes, como o Brasil, como o senhor avalia o processo de desenvolvimento social?
O Brasil conseguiu dar alguns passos na direção certa com o programa Bolsa Família. As condições de acesso às escolas melhoraram. O programa conseguiu prover o acesso à escola, mas, em termos de qualidade, o salto ainda não foi suficiente. O Brasil deveria continuar criando programas para investir em pessoas. É evidente que existem diferentes condições em diferentes estados brasileiros, mas é preciso melhorar a qualidade da educação nacionalmente. É preciso criar uma segunda fase do Bolsa Família, uma segunda política de assistência social. Nos países mais desenvolvidos, os sistemas dão ênfase à educação e à saúde e investem em estrutura sociais.

Qual o papel do Estado nessa agenda?
Os países precisam investir em políticas sociais e em capital humano para promover a igualdade. As campanhas de comunicação voltadas para crianças e adolescentes precisam ser mais bem direcionadas e atrair mais a atenção do público-alvo. Elas são necessárias, mas sozinhas não serão suficientes. No sistema público de saúde é preciso promover oportunidades para quem não pode arcar com os gastos. Em relação à educação, a solução passa pelo treinamento de educadores. O primeiro passo é conscientizar e convencer os governos a investir recursos e regulamentar políticas de saúde e educação com impactos positivos.

As crianças conseguem imaginar o próprio futuro?
Crianças são muito criativas. Mas é importante ressaltar que não existe igualdade de condições entre muitos países. Não acho que as crianças tenham boas condições no futuro. Se nada for feito, a desigualdade continuará . Algumas crianças não têm chances de viver nem metade de cem anos. Outras não conseguem sequer ir às escolas por questões de segurança. Assim, ficam ainda mais distantes das condições ideais de desenvolvimento.

Televisão, jogos eletrônicos e redes sociais influenciam o estilo de vida das crianças. Como usar esse potencial?
Trata-se de um grande desafio para pais e educadores. Os jovens utilizam esses espaços muito bem. O espaço online gerou muitas oportunidades, chances para melhorar o aprendizado e estimular a criatividade. Existem muitos pontos positivos nessas formas de entretenimento. Mas existem aspectos considerados perigosos nessas atividades, como o bullying, que se propaga rapidamente nas redes. Para lidar com esses pontos negativos, o primeiro passo é engajar todos – pais e educadores – para usar essas ferramentas. Estamos fazendo um trabalho com crianças da Argentina, em que elas mesmas falam sobre podemos aproveitar e conhecer melhor esse espaço. Mas ainda é algo que precisa funcionar melhor como uma ferramenta de inclusão e para melhorar a qualidade da educação.

O estudo “Crianças na Terceira Idade” afirma que as crianças que nascem hoje terão menos saúde aos 65 anos do que a geração atual nessa faixa etária. Esse é o grande problema que enfrentamos?
A saúde das crianças é o grande problema da atualidade. É preciso prestar mais atenção às necessidades demandadas por elas. Há 30 anos, fazíamos a mesma pergunta sobre onde falhamos e quase nada mudou. Não acredito que conseguiremos evoluir na proteção à saúde das crianças até que cheguem aos 65 anos. Atualmente, esse cuidado ainda é muito superficial, sem a devida atenção.
Como enfrentar esse desafio nos próximos anos?
A grande mensagem é que a vida custa dinheiro. As pessoas têm de pagar por uma forte educação e por um sistema de saúde. Países não desenvolvidos terão de fazer escolhas, mudanças em suas posições e investir no futuro. Será um longo processo. Ou enfrentam isso ou as consequências serão drásticas. Eles precisam consertar o telhado. O mundo não está preparado para que as pessoas vivam mais de cem anos. Os sistemas não estão preparados para atender a essas demandas, para oferecer cobertura. O mundo precisa de igualdade. As crianças não escolhem onde irão nascer, por isso seus direitos precisam ser respeitados. A pobreza continua latente e são necessários programas que interrompam esse ciclo.
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 Reportagem por: Fabíola Perez, de Frankfurt, Alemanha Edição 04.08.2017 - nº 2486
Fonte:  http://istoe.com.br/nao-estamos-preparados-para-viver-100-anos/

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