Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, quer reorganizar finanças da universidade |
Reitor aos 49 anos daquela que foi escolhida recentemente como a melhor universidade da América Latina, Marcelo Knobel não usa meias palavras. Em sua opinião, a crise financeira
vivida pela Unicamp é "dramática".
O teto salarial de R$ 21 mil das universidades
estaduais paulistas,
afirma, é um "risco seríssimo"
à capacidade das instituições de atrair
os melhores profissionais.
E, por fim, o ensino superior no Brasil é
muito
"engessado" e precisa de currículos flexíveis.
Knobel prevê que a Unicamp tenha metade dos alunos de escola pública. O
objetivo é que essa proporção seja atingida por curso e turno. Neste
ano, pela primeira vez isso ocorreu entre os ingressantes. Prevê ainda a
meta de 37,5% de alunos autodeclarados pretos, pardos e indígenas em
relação ao total de alunos (e não só à metade reservada à escola
pública, como ocorre nas federais).
Físico, Knobel inicia a gestão em um momento difícil para as três
universidades estaduais paulistas. Com receita vinculada à arrecadação
do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), as três
viram os recursos minguarem com a crise econômica no país. Os gastos com
funcionários, porém, continuaram a subir. A Unicamp deve terminar o ano
com deficit de mais de R$ 200 milhões.
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Folha - Como o sr. quer que seja lembrada sua administração na Unicamp?Marcelo Knobel - Há muitas coisas que quero fazer. Posso citar algumas. Quero ser lembrado pela recuperação financeira da Unicamp em um momento muito crítico para a universidade pública. Faremos um esforço pelo equilíbrio financeiro. Pretendo abrir um debate para melhorar o currículo e, seguindo a tradição da universidade, incentivar a inovação.
Qual é a situação financeira da universidade hoje?
A situação é dramática. Temos um deficit de mais de R$ 200 milhões e não podemos nem queremos fazer demissões. Vamos tomar medidas para melhorar a gestão e reorganizar algumas áreas.
O que pode ser reorganizado?
A Unicamp, como as outras universidades estaduais paulistas, cresceu muito, rapidamente, respondendo a algumas demandas de expansão. Alguns processos, porém, não se modernizaram na mesma velocidade. Há alguns setores mais inchados do que outros. Hoje temos 650 contratos ativos. É preciso pensar em mecanismos de acompanhamento deles, ver quais podem ser renegociados ou não etc.
É possível reduzir a dependência do ICMS?
As três universidades públicas paulistas fizeram um esforço importante de ampliação da oferta de vagas no início dos anos 2000, com a promessa de um adicional de recursos que nunca veio. Uma tema urgente a resolver é o do hospital. A Unicamp tem um complexo hospitalar, atendemos uma população da ordem de 5 milhões de pessoas de toda as cidades da região.
Mas, como os recursos do SUS (Sistema Único de Saúde) estão congelados, estamos usando recursos do orçamento da universidade para bancar, o que compromete gravemente nossa situação [a previsão é que sejam gastos
R$ 308 milhões do orçamento com o Hospital das Clínicas neste ano]. Estamos negociando com o governo do Estado. É preciso que se encontre uma equação sustentável.
Isso é algo que nos preocupa muito, tanto em relação aos professores como em relação aos funcionários. É difícil falar sobre isso em um país com tantas desigualdades, mas esse tema precisa ser enfrentado. Quem chega a ser professor já está no topo da pirâmide social. E, hoje, o teto salarial nas universidades é o subsídio do governador, que está em R$ 21 mil.
Líquido, esse teto fica em cerca de R$ 14 mil, abaixo não só do que acontece no setor privado, mas também da perspectiva de carreira das federais [que têm como teto o salário do ministro do STF, de R$ 33 mil] e muito abaixo do que acontece no mundo. Por que um jovem talento escolherá qualquer uma das três universidades paulistas?
Esse problema de atratividade já é perceptível hoje?
Já temos alguns casos de concursos sem nenhum candidato, de gente que se demitiu –especialmente em algumas áreas, como medicina. Falar que na universidade são pagos supersalários é falácia. O risco que temos com a questão do teto é seríssimo. A universidade pública como lugar de excelência está em risco.
O teto é vinculado aos ganhos do governador. Ele tem que aumentar o salário dele então?
É uma saída. Outra é uma proposta de emenda constitucional que está em tramitação na Assembleia Legislativa e prevê um aumento gradual do teto [trata-se da PEC 5/2016, que coloca como limite o teto dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, de R$ 30 mil].
Esse tipo de discussão com a sociedade não é fácil em um momento como o atual.
Precisamos mostrar com clareza o que teria acontecido se uma universidade como a Unicamp não tivesse sido criada. Para citar um exemplo, entre muitos: há 14 anos, criamos nossa agência de inovação e monitoramos as iniciativas criadas a partir dela.
Desde então, já são 500 [empresas] "filhas" da Unicamp, que geram R$ 3 bilhões por ano. Isso sem falar na formação de recursos humanos que vão atuar em todas as áreas. Se pensarmos no hospital, a não existência da Unicamp significaria um colapso no sistema de saúde.
O sr. citou que hoje há ameaças à universidade pública. Além da questão financeira, quais são elas?
Cada vez mais vemos na opinião pública contestações da autonomia universitária, que tem de existir sem que a universidade se feche à sociedade. Também temos ouvido vozes favoráveis ao pagamento de mensalidade [nas instituições públicas].
Por que o sr. é contra a cobrança de mensalidade?
Penso que é papel do Estado manter universidades por meio do pagamento de impostos. É falsa a ideia de que não se paga nada. Mas a ideia de retorno tem que fugir da lógica meramente financeira. Cursos como filosofia e física tendem a não existir numa lógica meramente mercantilista.
A Unicamp decidiu implantar um sistema ambicioso de cotas. Por quê?
A universidade é financiada pela sociedade, portanto ela precisa estar representada aqui. A diversidade é um princípio fundamental. Criamos alguns mecanismos, como a bonificação para alunos de escolas públicas, mas eles não eram suficientes para contemplar a população de pretos e pardos. Não vai ser a única mudança no vestibular.
Além das cotas, devemos abrir parte das vagas pelo Sisu, para gente do país inteiro poder se inscrever, e estudamos adotar outras medidas, como dar uma pontuação extra para medalhistas de Olimpíadas de matemática, de física etc. Há uma comissão estudando isso. Queremos mais estrangeiros, mais pretos e pardos, mais indígenas, mais pessoas com deficiência.
É fácil entender por que a diversidade é importante para a sociedade. E para a universidade, por que ela é importante?
A universidade é o lugar das ideias, das discussões. Quanto mais ideias, mais gente com diferentes vivências e opiniões, melhor. Diversidade é fundamental para a ciência. O debate plural, com respeito, é muito bem-vindo.
O sr. falou em mudar o currículo. O que gostaria de fazer?
Gostaria que fôssemos no sentido de ter uma formação mais ampla, com menos horas em sala de aula e mais em projetos e trabalho em equipe. Poderíamos pensar num núcleo básico comum de disciplinas, que não precisa estar necessariamente no início do curso, poderia ser transversal, ao longo da formação.
A ideia é pensar um currículo mais flexível, em que o aluno possa mudar com mais facilidade de um curso para outro, ou mesmo de uma universidade para outra. O ensino superior brasileiro é muito rígido. Essa é uma discussão que eu gostaria muito de abrir.
Marcelo Knobel, 49
NascimentoBuenos Aires, em 1968
Formação
Bacharel em Física, é doutor em ciências pela Unicamp.
Possui, também, pós-doutorado pelo Istituto Elettrotecnico Nazionale Galileo Ferraris, na Itália, e pelo Instituto de Magnetismo Aplicado, na Espanha
Carreira
- Reitor da Unicamp
- Professor titular do Departamento de Física
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/08/1913597-situacao-financeira-enfrentada-pela-unicamp-e-dramatica-afirma-reitor.shtml
Reportagem por ANGELA PINHO - ENVIADA ESPECIAL A CAMPINAS
Foto: | Gabriel Cabral/Folhapress |
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