APÓS ANOS DE ESTUDO E RECLUSÃO, BRASILEIRO LEVA A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO PARA O MAIOR NÚMERO DE PESSOAS POSSÍVEL
- Como eu posso te ajudar?
Essa foi a primeira frase que o monge Satyanatha disse ao receber a
reportagem de ZH em uma tumultuada loja de celulares de Porto Alegre. O
cenário é pitoresco para uma conversa sobre meditação: dentro de um
shopping, entre escolhas de planos de telefonia e celulares modernos, um
homem de roupas brancas, chinelos de dedo e cabeça raspada senta com as
pernas cruzadas em um pequeno pufe.
Ele é Satyanatha, em
tradução do sânscrito, "aquele que busca a verdade". Antes disso, era
Davi Murbach, engenheiro da computação formado pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e em pleno momento de ascensão
profissional na efervescente São Paulo. Além disso, Davi era filho,
neto, namorado. Seguia a cartilha básica da vida ocidental: crescer,
estudar, trabalhar, ganhar dinheiro.
- Trabalhava com
consultoria estratégica, o que sempre achei interessante, pois melhorar
as coisas me interessa muito. Apesar disso, era imensamente triste.
Depois de algumas buscas, entendi que minha infelicidade era por eu ter
me tornado prisioneiro das minhas habilidades. Mas aí surgiu um novo
problema: se eu não me defino pela minha habilidade de ganhar dinheiro, o
que mais pode me definir - conta.
Aos 22 anos, o paulistano
fez o que melhor sabia até então: decidiu estudar. De metafísica a
meditação, a mente cartesiana de Davi deparou com a linhagem Natha da
religião hindu. Com mais de 2,2 mil anos de tradição, o monastério
budista de Kauai Aadheenam, no Havaí, pode ser considerado a Harvard do
espírito. Lá, monges estudam ensinamentos milenares sobre a vida e a
evolução da alma. Também divulgam o hinduísmo por meio da internet e de
uma revista trimestral chamada Hinduism Today. Foi lá que ele resolveu
buscar respostas.
- Sim, os monges responderam ao meu e-mail.
Depois de implicarem com a invenção do papel, eles não queriam mais
perder nenhuma onda tecnológica - comenta.
Mas, antes de ser
aceito, o jovem teve sua determinação testada. Por um ano, seguindo
orientações, isolou-se do convívio social no Brasil. Morava sozinho e
dedicava-se totalmente aos estudos solicitados pelos monges. Aos poucos,
família e amigos desistiram de telefonar. Depois desse período, ele foi
autorizado a viajar até o monastério, para mais um ano de treinamento e
estudo.
- Lá, dormia na floresta, fora do monastério, em uma
cabana sem eletricidade ou água. Durante o dia, participava das
atividades coletivas. À noite, decidia qual aranha podia ficar na cabana
comigo. A que comia insetos era permitida. A venenosa, eu conduzia com
delicadeza até o lado de fora - relembra.
O vestibular espiritual
Depois de um ano vivendo ao mesmo tempo dentro e fora da rotina
monástica, Davi foi autorizado a prestar a prova final. Precisaria
encarar o "muro da chuva" e meditar diante dele, todos os dias, por
tempo indeterminado. Passou 33 dias meditando na frente de um muro de
pedra, desde o nascer do sol até o cair da noite. Apenas refletindo se
queria mesmo entrar no monastério.
- Esse é o pior momento,
pois a sua mente se volta contra você. Cogitei ser louco, pensei na
minha família, nos amigos. Tudo parecia dizer para eu desistir. Mas é aí
que você descobre que "renúncia" não é o mesmo que "repulsa". Não
odiava o mundo, minha família, os confortos da minha vida anterior.
Simplesmente estava disposto a trocar aquilo tudo por algo que queria
muito mais, uma vida de significado, onde eu fizesse o bem para mim e os
outros - afirma.
Aprovado no teste mais difícil, Davi
tornou-se Satyanatha. Por sete anos e meio, viveu, estudou e meditou
como um monge 24 horas por dia. Seguia uma rotina severa: acordar às 2h,
meditar entre 3h e 8h, trabalhar no resto do dia e, ao entardecer,
encarar três horas de estudo sobre temas como sânscrito, mantras,
metafísica, energia, respiração, ioga e reencarnação. Aos poucos, as
dúvidas eram respondidas.
- O monastério é um lugar tão
restrito de estímulos que você aprende a ser feliz de dentro para fora.
Apesar disso, depois de alguns anos, um incômodo surgiu. Queria poder
compartilhar com todos o que tinha aprendido. Vi meu propósito mudando, e
por isso decidi viajar e ensinar as pessoas a serem mais felizes - explica.
Depois de deixar o monastério, Satyanatha viajou aos
Estados Unidos, onde deu aulas de meditação a jovens universitários de
Stanford e a executivos do Vale do Silício. Transitou de costa a costa
na América do Norte. Viajou pela Europa, passou por Cingapura e Malásia,
retornando de tempos em tempos ao Brasil. Há um ano e meio,
estabeleceu-se definitivamente em São Paulo, onde dá aulas de meditação.
Veio a Porto Alegre para lançar um aplicativo de meditação, em parceria
com uma operadora telefônica.
- Brinco que sou um "monge
delivery". Fiz tudo isso para que os outros não precisem ir a tão longe.
Não se encontra a felicidade apenas em florestas no sul da Índia. O
importante é ter uma vida de significado, e isso dá para fazer aqui em
Porto Alegre, em São Paulo, em qualquer lugar.
Satyanatha
considera-se um "monge na consciência", pois não segue mais os votos que
tomou em Kauai Aadheenam: celibato, pobreza, obediência, sigilo.
- Tento viver com muita simplicidade. Certas coisas, sei que não
posso fazer, como ganhar muito dinheiro ou namorar demais (risos). Vivo
uma existência rica em significado, com o propósito de dividir com as
pessoas uma técnica de paz de espírito que funcionou para mim.
Com um sorriso no rosto, Satyanatha explica que, para meditar, só é preciso "ter um cérebro e saber respirar". Controlar o fluxo dos pensamentos não é uma tarefa simples. Com a popularização de algumas técnicas, o conceito da meditação está cada vez mais presente na rotina das pessoas. É comum ver empresas estimularem a técnica para aumentar a produtividade dos funcionários. Apesar de não criticar nenhum método, é evidente que o hábito utilitarista do Ocidente incomoda Satyanatha:
- Na hora em que todos os pensamentos saem, talvez você perceba algo importante, como "nossa, não sou engenheiro". O problema é quando a gente é utilitarista e, em vez de fazer uma meditação profunda e de significado, gratidão ou amor, você procura meditações que possam te trazer mais dinheiro, mais disposição para acumular bens. Isso sim é uma corruptela.
Para os interessados em dar um primeiro passo, o monge recomenda um tipo específico de meditação chamado "mindfulness", mais acessível, que pode ser feito em qualquer lugar, de olhos abertos. A ideia é proporcionar a si mesmo momentos de "atenção plena", que ajudam a nivelar o estresse e a ansiedade com foco na respiração.
- Nossa mente funciona de duas maneiras. Ou ela analisa e conclui, ou ela observa e sente. Quando você entra em uma banheira, não pensa nas conexões entre as moléculas de H2O. Essa é a parte analítica do seu cérebro, e ela não traz nenhum prazer ou relaxamento. Sentir e observar é o mais próximo do vazio que conseguimos chegar. Permitir a você mesmo parar, respirar fundo e avaliar o que sente é o primeiro passo para a tranquilidade e o silêncio da mente - diz.
MEDITAÇÃO NA VIDA REAL
Com um sorriso no rosto, Satyanatha explica que, para meditar, só é preciso "ter um cérebro e saber respirar". Controlar o fluxo dos pensamentos não é uma tarefa simples. Com a popularização de algumas técnicas, o conceito da meditação está cada vez mais presente na rotina das pessoas. É comum ver empresas estimularem a técnica para aumentar a produtividade dos funcionários. Apesar de não criticar nenhum método, é evidente que o hábito utilitarista do Ocidente incomoda Satyanatha:
- Na hora em que todos os pensamentos saem, talvez você perceba algo importante, como "nossa, não sou engenheiro". O problema é quando a gente é utilitarista e, em vez de fazer uma meditação profunda e de significado, gratidão ou amor, você procura meditações que possam te trazer mais dinheiro, mais disposição para acumular bens. Isso sim é uma corruptela.
Para os interessados em dar um primeiro passo, o monge recomenda um tipo específico de meditação chamado "mindfulness", mais acessível, que pode ser feito em qualquer lugar, de olhos abertos. A ideia é proporcionar a si mesmo momentos de "atenção plena", que ajudam a nivelar o estresse e a ansiedade com foco na respiração.
- Nossa mente funciona de duas maneiras. Ou ela analisa e conclui, ou ela observa e sente. Quando você entra em uma banheira, não pensa nas conexões entre as moléculas de H2O. Essa é a parte analítica do seu cérebro, e ela não traz nenhum prazer ou relaxamento. Sentir e observar é o mais próximo do vazio que conseguimos chegar. Permitir a você mesmo parar, respirar fundo e avaliar o que sente é o primeiro passo para a tranquilidade e o silêncio da mente - diz.
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Reportagem por Brunna Radaelli
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=4f5c422f4d49a5a807eda27434231040
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