quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Silêncio, um aliado da DEPRESSÃO

Zelig Libermann* 
Resultado de imagem para pixabay depressão

Quase 6% dos brasileiros sofrem de depressão. 
O luto é um destacado elemento 
emocional da doença.

Em relatório publicado em fevereiro de 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o número de casos de depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015: são 322 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria mulheres, sendo 11,5 milhões de pessoas no Brasil, o equivalente a 5,8% da população.

Considerada uma doença complexa, a depressão envolve aspectos genéticos, ambientais e psicológicos. Em relação aos psicológicos, Freud contribuiu enormemente para a compreensão dos conflitos emocionais envolvidos na depressão ao publicar, em 1917, o trabalho Luto e Melancolia, no qual aborda as diferenças entre os processos normais de luto e os quadros de depressão (na época denominada melancolia).

Neste ano que marca o centenário da publicação desse importante artigo de Freud, a Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA) receberá a visita de Jean-Claude Rolland, psicanalista francês que tem estudado os mistérios da dor melancólica não somente a partir do trabalho clínico, mas também na literatura, em colaboração com professores de literatura e filósofos.

Em O Desenlutamento, conferência cujo título é um neologismo criado por ele partindo do poema Le Dormeur du Val, de Arthur Rimbaud, Rolland considera que os sonhos, o tratamento psicanalítico e a criação artística nos permitem acesso ao plano profundo da cena da alma. "O discurso poético tem o poder de vencer o silêncio e a escuridão instalados pela repressão do desejo e da dor pelo objeto perdido", escreve.

A dor incessante pelas perdas de todos os tipos - que vão desde a morte de pessoas queridas até as frustrações maiores e aquelas do cotidiano, e mesmo os ideais perdidos - é um destacado elemento emocional na depressão, uma vez que essa aderência traz uma grande restrição da subjetividade.

E "vencer o silêncio" é essencial para o enfrentamento da depressão, pois é o silêncio que nos mantém na escuridão. Ultrapassá-lo é uma tentativa de nos desligarmos daquilo que perdemos para buscar novas formas de ligação, novos investimentos na vida.

Mas, nesse ponto, surge uma questão importante. Em que pesem as diferenças psíquicas pessoais, como manter um equilíbrio entre "ganhos e perdas", entre satisfações e frustrações no tempo em que vivemos, com mudanças tão velozes, no qual temos a impressão de que "tudo o que é sólido se desmancha no ar", de que de um momento para o outro os referenciais se alteram? Assistimos, muitas vezes, a um relativismo extremado em que se perdem os limites, as responsabilidades e as funções atribuídas a determinados papéis sociais. E a dificuldade em manter laços afetivos gera uma angústia intensa que pode levar o sujeito a ocupar o espaço vazio com manifestações concretas. A atividade simbólica, essencial à construção do psiquismo, fica substituída por manifestações voltadas ao corpo ou ao ato. O pensamento perde lugar para a ação. É nesse contexto que convivemos com as relações instáveis, a intolerância e também as manifestações de violência.

Ressaltando novamente que é preciso levar em conta as peculiaridades da vida individual, as características e os conflitos interpessoais, bem como os diferentes graus de equilíbrio psíquico, a frequente sensação de instabilidade pode levar a certo estranhamento em relação à realidade e, para muitas pessoas, a uma sensação de impotência, de solidão e a uma nostalgia melancólica.

A questão é como se equilibrar entre a manutenção de referenciais que nos construíram, que nos trouxeram identidade e, ao mesmo tempo, não nos posicionarmos de forma que nos traga uma grande restrição da subjetividade, impossibilitando a convivência com as transformações permanentes das realidades individual e coletiva.

Para Rolland, é preciso romper o silêncio instalado pela dor das perdas. E, à medida que a linguagem caracteriza o ser humano, é nesse espaço que precisamos contar com os sonhos, a psicanálise e a criação artística. É partir da linguagem que o homem cria e transforma seu mundo.
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*  Psiquiatra e psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)
Fonte:  http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=00c17237d011cca999f55a43db2ce040 - 19 e 20/08/2017. 
Cad. doc. p.12

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