Zelig Libermann*
Quase 6% dos brasileiros sofrem de depressão.
O luto é um destacado elemento
emocional da doença.
Em relatório publicado em fevereiro de 2017, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) aponta que o número de casos de depressão aumentou 18%
entre 2005 e 2015: são 322 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria
mulheres, sendo 11,5 milhões de pessoas no Brasil, o equivalente a 5,8%
da população.
Considerada uma doença complexa, a depressão
envolve aspectos genéticos, ambientais e psicológicos. Em relação aos
psicológicos, Freud contribuiu enormemente para a compreensão dos
conflitos emocionais envolvidos na depressão ao publicar, em 1917, o
trabalho Luto e Melancolia, no qual aborda as diferenças entre os
processos normais de luto e os quadros de depressão (na época denominada
melancolia).
Neste ano que marca o centenário da publicação
desse importante artigo de Freud, a Sociedade Psicanalítica de Porto
Alegre (SPPA) receberá a visita de Jean-Claude Rolland, psicanalista
francês que tem estudado os mistérios da dor melancólica não somente a
partir do trabalho clínico, mas também na literatura, em colaboração com
professores de literatura e filósofos.
Em O Desenlutamento,
conferência cujo título é um neologismo criado por ele partindo do poema
Le Dormeur du Val, de Arthur Rimbaud, Rolland considera que os sonhos, o
tratamento psicanalítico e a criação artística nos permitem acesso ao
plano profundo da cena da alma. "O discurso poético tem o poder de
vencer o silêncio e a escuridão instalados pela repressão do desejo e da
dor pelo objeto perdido", escreve.
A dor incessante pelas
perdas de todos os tipos - que vão desde a morte de pessoas queridas até
as frustrações maiores e aquelas do cotidiano, e mesmo os ideais
perdidos - é um destacado elemento emocional na depressão, uma vez que
essa aderência traz uma grande restrição da subjetividade.
E
"vencer o silêncio" é essencial para o enfrentamento da depressão, pois é
o silêncio que nos mantém na escuridão. Ultrapassá-lo é uma tentativa
de nos desligarmos daquilo que perdemos para buscar novas formas de
ligação, novos investimentos na vida.
Mas, nesse ponto, surge
uma questão importante. Em que pesem as diferenças psíquicas pessoais,
como manter um equilíbrio entre "ganhos e perdas", entre satisfações e
frustrações no tempo em que vivemos, com mudanças tão velozes, no qual
temos a impressão de que "tudo o que é sólido se desmancha no ar", de
que de um momento para o outro os referenciais se alteram? Assistimos,
muitas vezes, a um relativismo extremado em que se perdem os limites, as
responsabilidades e as funções atribuídas a determinados papéis
sociais. E a dificuldade em manter laços afetivos gera uma angústia
intensa que pode levar o sujeito a ocupar o espaço vazio com
manifestações concretas. A atividade simbólica, essencial à construção
do psiquismo, fica substituída por manifestações voltadas ao corpo ou ao
ato. O pensamento perde lugar para a ação. É nesse contexto que
convivemos com as relações instáveis, a intolerância e também as
manifestações de violência.
Ressaltando novamente que é
preciso levar em conta as peculiaridades da vida individual, as
características e os conflitos interpessoais, bem como os diferentes
graus de equilíbrio psíquico, a frequente sensação de instabilidade pode
levar a certo estranhamento em relação à realidade e, para muitas
pessoas, a uma sensação de impotência, de solidão e a uma nostalgia
melancólica.
A questão é como se equilibrar entre a
manutenção de referenciais que nos construíram, que nos trouxeram
identidade e, ao mesmo tempo, não nos posicionarmos de forma que nos
traga uma grande restrição da subjetividade, impossibilitando a
convivência com as transformações permanentes das realidades individual e
coletiva.
Para Rolland, é preciso romper o silêncio
instalado pela dor das perdas. E, à medida que a linguagem caracteriza o
ser humano, é nesse espaço que precisamos contar com os sonhos, a
psicanálise e a criação artística. É partir da linguagem que o homem
cria e transforma seu mundo.
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* Psiquiatra e psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=00c17237d011cca999f55a43db2ce040 - 19 e 20/08/2017.
Cad. doc. p.12
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