“Pós-verdade” foi o
tema escolhido pelo historiador inglês Peter Burke, professor emérito da
Universidade de Cambridge, para a conferencia de abertura do 11º Encontro Nacional
de Pesquisadores em História da Mídia, ocorrido em junho, em São Paulo. Sem
apelar ao catastrofismo, porém, Burke apresentou uma desconstrução do termo,
associado a um conceito bem conhecido da humanidade: a mentira.
(...)
A seguir, trechos da entrevista concedida por
e-mail após o evento.
A reportagem é de Dalton
Júnior.
Correio do Povo – Muito
tem se falado sobre a era da pós-verdade e o seu impacto. Qual a sua opinião?
Peter Burke – Devo admitir
que vejo essa conversa sobre “pós-verdade” como um grande exagero, do tipo que
acadêmicos atribuem a jornalistas na busca por uma manchete impactante ou o
título de um livro. Como no caso do jornalista britânico Matthew d’Ancona, um
homem inteligente, mas um tanto empolgado pelo seu argumento, embora ele insira
qualificações no seu livro que minam o seu argumento principal. Minha visão é
de que a propaganda, torcendo – ou, como nós dizemos agora, “girando” – a verdade tem uma longa história, e mentiras (
incluindo mentiras oficiais) ainda mais longevas.
CP – Qual a relação
entre as fake news e o Brexit?
Peter Burke –
Mentiras certamente foram contadas, especialmente pelos que desejavam a saída (
da União Europeia), nos meses anteriores ao referendo, mas agora o público está
melhor informado sobre as prováveis consequências do Brexit, especialmente na
economia.
CP – E como serão estas
consequências?
Peter Burke – Em uma
palavra: ruim! O Reino Unido está atirando no pé.
CP – Na sua opinião,
por que as pessoas acreditam nas fake
news?
Peter Burke –
Algumas pessoas não são críticas. Todos precisamos sermos treinados para sermos
críticos da informação que ouvimos, lemos, vemos, etc. Todos somos acríticos
muitas vezes, ouvindo o que queremos ouvir e acreditando no que queremos
acreditar.
CP – O século XIX é
chamado de o século dos nacionalismos. Você concorda que as redes sociais
ajudam a trazer esse fenômeno de volta?
Peter Burke – O século
XIX foi a primeira era dos nacionalismos, mas não vejo muitas evidências do seu
declínio após 1900, apesar da Liga das Nações, das Nações Unidas, etc. No
máximo, as redes sociais reforçam mensagens que chegam de outras fontes. E
talvez as nações estejam ficando menores ( Catalunha/Espanha, Croácia/ Iugoslávia,
por exemplo).
CP – Em alguns dos
seus livros, você escreve sobre o poder da imagem. Você acha que as redes
sociais ajudam a banaliza-la?
Peter Burke – Sobre
as imagens, eu não analisaria as redes sociais de forma separada. Em cada
século, desde o XV, graças à imprensa, posteriormente a fotografia, o cinema, a
televisão, e então a era digital, as pessoas têm sido expostas a uma inundação de
imagens. Isso provavelmente aborrece as respostas. Quanto à banalização,
depende do contexto. Os jornais podem fazê-la, tanto quanto o Facebook.
CP – Você tem
fortes relações com o Brasil (Burke já foi professor do Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo – IEA/USP). Como vê o nosso atual
momento político?
Peter Burke –
Visito o Brasil todos os anos e também leio sobre o país, mas tudo o que tenho
visto sobre o atual momento político é que ele se assemelha ao roteiro de uma
telenovela, embora mesmo o mais engenhoso roteirista talvez nunca tenha
imaginado nada tão melodramático quanto a situação atual.
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Fonte: Correio do
Povo Impresso – CS – Caderno de Sábado, 19 de agosto de 2017, p. 1.
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