quinta-feira, 24 de agosto de 2017

PETER BURKE – Exageros da pós-verdade


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“Pós-verdade” foi o tema escolhido pelo historiador inglês Peter Burke, professor emérito da Universidade de Cambridge, para a conferencia de abertura do 11º Encontro Nacional de Pesquisadores em História da Mídia, ocorrido em junho, em São Paulo. Sem apelar ao catastrofismo, porém, Burke apresentou uma desconstrução do termo, associado a um conceito bem conhecido da humanidade: a mentira.
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 A seguir, trechos da entrevista concedida por e-mail após o evento.

A reportagem é de Dalton Júnior.

Correio do Povo – Muito tem se falado sobre a era da pós-verdade e o seu impacto. Qual a sua opinião?
Peter Burke – Devo admitir que vejo essa conversa sobre “pós-verdade” como um grande exagero, do tipo que acadêmicos atribuem a jornalistas na busca por uma manchete impactante ou o título de um livro. Como no caso do jornalista britânico Matthew d’Ancona, um homem inteligente, mas um tanto empolgado pelo seu argumento, embora ele insira qualificações no seu livro que minam o seu argumento principal. Minha visão é de que a propaganda, torcendo – ou, como nós dizemos agora, “girando” – a  verdade tem uma longa história, e mentiras ( incluindo mentiras oficiais) ainda mais longevas.

CP – Qual a relação entre as fake news e o Brexit?
Peter Burke – Mentiras certamente foram contadas, especialmente pelos que desejavam a saída ( da União Europeia), nos meses anteriores ao referendo, mas agora o público está melhor informado sobre as prováveis consequências do Brexit, especialmente na economia.

CP – E como serão estas consequências?
Peter Burke – Em uma palavra: ruim! O Reino Unido está atirando no pé.

CP – Na sua opinião, por que as pessoas acreditam nas fake news?
Peter Burke – Algumas pessoas não são críticas. Todos precisamos sermos treinados para sermos críticos da informação que ouvimos, lemos, vemos, etc. Todos somos acríticos muitas vezes, ouvindo o que queremos ouvir e acreditando no que queremos acreditar.

CP – O século XIX é chamado de o século dos nacionalismos. Você concorda que as redes sociais ajudam a trazer esse fenômeno de volta?
Peter Burke – O século XIX foi a primeira era dos nacionalismos, mas não vejo muitas evidências do seu declínio após 1900, apesar da Liga das Nações, das Nações Unidas, etc. No máximo, as redes sociais reforçam mensagens que chegam de outras fontes. E talvez as nações estejam ficando menores ( Catalunha/Espanha, Croácia/ Iugoslávia, por exemplo).

CP – Em alguns dos seus livros, você escreve sobre o poder da imagem. Você acha que as redes sociais ajudam a banaliza-la?
Peter Burke – Sobre as imagens, eu não analisaria as redes sociais de forma separada. Em cada século, desde o XV, graças à imprensa, posteriormente a fotografia, o cinema, a televisão, e então a era digital, as pessoas têm sido expostas a uma inundação de imagens. Isso provavelmente aborrece as respostas. Quanto à banalização, depende do contexto. Os jornais podem fazê-la, tanto quanto o Facebook.

CP – Você tem fortes relações com o Brasil (Burke já foi professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – IEA/USP). Como vê o nosso atual momento político?
Peter Burke – Visito o Brasil todos os anos e também leio sobre o país, mas tudo o que tenho visto sobre o atual momento político é que ele se assemelha ao roteiro de uma telenovela, embora mesmo o mais engenhoso roteirista talvez nunca tenha imaginado nada tão melodramático quanto a situação atual.
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Fonte: Correio do Povo Impresso – CS – Caderno de Sábado, 19 de agosto de 2017, p. 1.
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