Paulo Ghiraldelli Jr
Luis Nassif recebe 55 mil reais por mês do governo federal, do PT. Conseguiu tal coisa por meio de uma empresa sua, e isso ocorreu sem licitação. É o preço do “jornalismo de opinião”? Quem está errado? Ambos: ele e o governo. Isso não é só imoral, é um ato contra a democracia. Não há justificativa honesta para esse tipo de prática.
O grupo Abril, com a Veja, vendeu revistas para o governo Serra. Também sem licitação. As revistas iriam ser colocadas nas escolas, como de fato estão sendo. Isso também é um erro moral e, enfim, uma afronta à democracia. (1)
Os petistas e o tucanos conseguem ter a “cara de pau” suficiente para, quando denunciados, em vez de se defenderem, acusarem o adversário de fazer o mesmo. Ou seja, duplo erro: “piso na democracia porque o outro também pisa”. Errar uma vez já bastaria, mas errar dizendo que erra propositalmente porque o outro também erra, é o que poderia ocorrer de pior.
Agora, o mais triste disso tudo é que quando trazemos esses dados à luz, as pessoas não se preocupam com o problema, esquecem do que se está discutindo e me perguntam: “para quem você vota?” Ou seja, elas não estão interessadas na prática honesta na vida pública e no funcionamento da democracia. Elas apenas querem saber em quem eu voto para, então, procurarem defeito no que seria o meu candidato.
A democracia funciona sem deus. É isso que é necessário entender. Não há nenhum elemento não humano que possa ficar acima das posições políticas e, então, avaliar a democracia. A democracia liberal moderna é seu próprio deus. Ela é avaliada por sua guerra interna. Cada partido denuncia o erro do outro e a mazela social produzida pelo outro, e o único deus, então, se consubstancia durante o período de vacância do poder, quando os votos estão todos depositados nas urnas e nenhuma urna ainda foi aberta. Nessa hora, todos temos de rezar para esse deus que não é deus. Ele, que é democracia mesma, remete de volta a oração, nos dizendo: “vocês fizeram as escolhas, só vocês”.
Nisso tudo, qual é o papel dos filósofos? Filósofos como eu, que gostam de viver na democracia liberal e, ao mesmo tempo, possuem uma tendência de valorizar a política que busca fazer os mais pobres viverem sem serem humilhados pelos mais ricos, ou seja, os filósofos que possuem um olhar à esquerda, podem ser audaciosos e tentar alguma imparcialidade na disputa política?
Creio que não há como ser imparcial, mas há como tomar partido antes da democracia liberal que das posições políticas das agremiações e pessoas. Por um lado, a prática de Nassiff e do PT nos faz não conseguir comemorar com o peito estufado a vitória de Dilma sobre a direita – como está se delineando. Por outros, a prática dos homens da direita aliada à Veja nos faz ver que eles não são os representantes da liberdade de imprensa, como se auto-denominam. Isso não nos remete a termos de aplaudir os partidos de esquerda menores, uma vez que eles pregam um tipo de “socialismo de colégio”, com propostas que inviabilizariam o jogo democrático. Então, poderíamos votar, conforme nossa orientação à esquerda (ou à direita, no caso de outro filósofo) para Dilma, mas isso não significa termos de ser cegos para episódios do tipo Nassif-governo Federal do mesmo modo que não fomos cegos para o episódio Veja-Governo Serra.
Não temos deus na democracia. Somos nós mesmos, os que fazem a democracia liberal, que temos de votar criticamente e saber criticar sem perdão até mesmo os que receberam nosso voto. Não há uma força exterior ao próprio jogo democrático para nos salvar. Somos “salvos” por nós mesmos, se pudermos não ficar reféns de nossos candidatos. Eles é que tem de nos servir e andar na linha. Não temos que, com medo do adversário, sucumbir aos descaminhos de nossos próprios candidatos. Que a Veja e o Luis Nassif representem o cidadão sem escrúpulos e péssimo democrata, isso não nos faz ter de agir como eles. E isso não precisa mudar nosso voto, à esquerda, se acreditamos que no cômputo geral Lula fez melhor que FHC.
A democracia é realmente um sistema complexo, que joga a responsabilidade toda para nossas mãos. Temos de ter a coragem, para preservá-la, de dizer para nossos candidatos: não roube, não use da força bruta, não macule a democracia, não desrespeito os direitos humanos, não desrespeite a liberdade de imprensa etc.. Caso não possamos fazer isso, teremos virado reféns dos que deveriam nos servir. Estaremos, então, no caminho do carro descarrilado de Nassif e da Veja.
(1) Nos dois casos, as explicações dadas pelos “orgãos técnicos “dos governos foram afrontosas. No caso de Nassif, há a a saída do “saber técnico” que ele possuiria. Mas o fato é que ele nunca critica o governo e todos sabem que ele, depois desse contrato, andou agindo como porta voz do governo e não como jornalista. Saber técnico por saber técnico, só a empresa dele possuiria?
No caso da Veja, o governo Serra confirmou que não usar de licitação é válido quando não há outro produto similar no mercado. De fato: com o nome de revista Veja, só existe uma.
Essas duas piadas foram jogadas na nossa cara, quando pedimos explicações.
___________________________________________*2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2010/08/23
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