Dayse de Vasconcelos Mayer*
Escrevi recentemente uma crônica focando a solidão do poder. O tema de hoje é recorrente. Desta vez a inspiração é encontrada na mitologia grega e nas musas - divindades inspiradoras das artes. Foram cantadas, por escritores como Camões e Shakespeare. O segundo escreve, no prólogo de Henrique V: “Que uma musa de fogo ascenda aos mais brilhantes céus da invenção”.
As musas também cortejavam os revolucionários. Recordo, nesse aspecto, a figura quase desconhecida no Brasil de Thomas Paine. Este travou uma batalha histórica pelos direitos do homem e desafiou o poder corrupto das igrejas. Foi considerado o mais célebre inspirador da Revolução Norte-Americana. Gerou grandes polêmicas e despertou animosidades várias. Até porque abrigava ideias consideradas desajuizadas ou extravagantes para minimizar as injustiças sociais na Inglaterra: queria um governo representativo forte que decretasse a assistência "temporária" aos pobres, pensão vitalícia para os idosos, auxílio público para estabelecer a universalidade da educação, salário compatível para o trabalhador... Como se observa, os nossos governantes não estão sendo nada criativos em suas políticas. Apenas aplicam a Lei de Lavoisier com as devidas acomodações.
Foi nos EUA que o escritor granjeou maior fama, graças à amizade, entre outros, com Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e George Washington.
Surpreende a trajetória de Paine. Abandona a escola aos 12 anos para iniciar o ofício de fabricante de espartilhos. Desiste do trabalho para se juntar à tripulação de um navio corsário. Cansado da vida no mar aceita o convite para lecionar inglês. Renuncia à docência para ser pastor metodista. Neste ofício ganha notável experiência na oratória ou arte de falar em público. Ainda assim, esquece o serviço religioso para ser cobrador de impostos. É exonerado do cargo no instante em que divulga um panfleto exigindo aumento de salário para a classe de cobradores. Casou duas vezes e foi largado. A segunda mulher não suportou a falência do marido na condição de dono de mercearia e negociante de tabaco.
Convicto da sua fraca vocação para os negócios, decide polir seus conhecimentos em filosofia e política. A aproximação com Jefferson tornou possível a obtenção de um contrato para ser editor do The Pennsylvania Magazine. Novamente foi demitido. Inicia a escrita e publicação da obra Senso comum, que teve o grande mérito de precipitar os debates em torno da sublevação norte-americana contra o domínio inglês.
Com a independência dos EUA, em 1776, o revolucionário passa a viver da pensão aprovada pelo Congresso norte-americano. Os recursos são aplicados na construção de pontes nos EUA contando com o auxílio de patrocinadores estrangeiros. Não logrou êxito uma vez mais e foi à bancarrota. A obra Rights of man (Os direitos do homem) - dedicada a George Washington e escrita durante a Revolução Francesa - fomenta a insatisfação do povo contra os governantes. Os jornais favoráveis ao governo passam a chamar Paine de "Tom, o louco". É acusado pelos jacobinos de subversão e calúnia. Inicia a escrita do seu trabalho mais controverso Age of reason (A idade da razão) em que defende o deísmo considerando a razão a via exclusiva para assegurar a existência de Deus. Erradicava, nesse aspecto, qualquer ideia de revelação divina e rejeitava dogmas e tradição. Levado à prisão sem julgamento e sob a ameaça de guilhotina, salva-se por um feliz engano. Em 1802 retorna aos EUA. Sob o protesto dos federalistas, o presidente Thomas Jefferson recebe-o de forma amistosa e corajosa na Casa Branca.
Durante os últimos anos de vida o trágico herói conheceu a pobreza extrema, a doença e o abandono até dos melhores amigos. Restou unicamente Marguerite de Bonneville que lhe ofereceu a sua casa. Morreu em 1809 e nenhum cemitério quis aceitar o seu corpo. Apenas três pessoas compareceram ao funeral revelando o que já sabemos: o homem nasce, vive e morre só.
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* Dayse de Vasconcelos Mayer é docente e advogada
Fonte: JC online, 29/08/2010
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