quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Sachs defende fim da insustentável 'cultura do mercado livre'

Jeffrey Sachs

Um ícone do neoliberalismo nos anos 80 e 90, ao assessorar políticas de combate à inflação na Bolívia e transição para a economia de mercado na Polônia e na Rússia, o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, nos EUA, advoga hoje o fim da "cultura do mercado livre", segundo disse ontem a uma plateia de empresários e executivos na Fundação Dom Cabral, em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Sachs expôs uma visão pessimista sobre a sustentabilidade do desenvolvimento, em que criticou desde o presidente dos EUA, Barack Obama, até a rede de relacionamento Facebook, "mais destrutiva dos nossos valores do que a televisão", segundo afirmou.

Segundo Sachs, o crescimento do PIB deixou de ser um barômetro adequado para medir o desenvolvimento econômico de um país. "Quando toda uma população se endivida para comprar mais de uma casa, com uma televisão dentro de cada cômodo e três carros na garagem, qual o desenvolvimento que está sendo criado?", indagou, citando o Butão, país na cordilheira do Himalaia, entre Índia e China, como um modelo a ser estudado. O governo deste país, uma monarquia, tenta introduzir conceitos da religião budista na condução macroeconômica.

A alegada inação dos EUA em se comprometer com medidas de combate ao aquecimento global é motivo de exasperação para o economista. "Os EUA são um país cada vez mais bizarro. Obama não fez mais que dois discursos em que menciona a necessidade de combater a pobreza. O combate às mudanças climáticas não consegue mais do que 40 votos no Senado [entre cem senadores] e nem está em pauta. Criamos um sistema perfeito de inércia, em que a grande preocupação é eleitoral. A política foi assumida por esta cultura de negócios. Treinamos nos centros de estudos dos EUA toda uma geração sem ética e sem moralidade pública", afirmou. "A grande preocupação agora é como criar nas universidades um espaço independente para defender que a cultura do mercado livre é insustentável economicamente, psicologicamente e ecologicamente."

Sachs foi assessor econômico do presidente boliviano Victor Paz Estenssoro (1985-1988) , do russo Boris Ieltsin (1991-1999) e dos governos poloneses que imediatamente se seguiram ao fim do regime comunista, em 1989. Nos três casos, ajudou a implantar políticas de choque, de alto custo social.

Na Bolívia, seu plano de diminuição drástica do tamanho do Estado inspirou presidentes na América Latina como Alberto Fujimori, no Peru, e Carlos Menem, na Argentina. Na Polônia, a meta era preparar o país para que ingressasse na União Europeia, como veio a ocorrer nesta década. Na Rússia, a experiência foi abortada em 1993. Sachs afastou-se do Departamento de Economia da universidade há quinze anos para se dedicar ao Instituto da Terra, voltado para o desenvolvimento sustentável.

"Tenho muito orgulho do que fiz nos anos 80 e 90. Fui muitas vezes chamado de ultraliberal, mas sempre acreditei na ação governamental em debelar a pobreza e fomentar a proteção ao ambiente. Em situações emergenciais, propus medidas drásticas, mas minha visão é social democrata. O que mudou bastante de dez anos para cá foi a maneira como vejo o nível de consumo existente nos EUA, que é insustentável, e a importância do crescimento do PIB como medida para o desenvolvimento."

Implacável ao avaliar Obama ("para ele, a primeira questão é ser reeleito, e ele caminha para ser um presidente ruim de mandato único"), Sachs foi generoso ao avaliar os líderes do PSDB e do PT. "Sou um fã dos presidentes brasileiros Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo pelo destaque que ambos deram para o aumento da inclusão no sistema educacional e na ênfase em ciência e tecnologia", disse.
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Reportagem:Cesar Felício, de Belo Horizonte
Fonte: Valor Econômico online, 18/08/2010

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