Naercio Menezes Filho*
Pais que almejam bons resultados no vestibular
têm que fazer grande parte do esforço em casa, desde cedo
A divulgação dos resultados do Enem de 2009 provocou nova movimentação entre pais de alunos e donos das escolas. Dentre todas as avaliações conduzidas pelo Ministério da Educação, nenhuma causa tanto frisson na mídia quanto a do Enem. Isso ocorre porque os resultados mexem diretamente com o bolso da classe média brasileira e dos donos das escolas privadas. Em que medida os resultados do Enem devem ser decisivos para a escolha da escola por parte dos pais?
Em primeiro lugar, devemos levar em conta as preferências dos pais. Muitos deles não estão tão preocupados com a entrada dos filhos em boas universidades, pois entendem que mais importante é a escola passar uma formação ampla, que os preparem para enfrentar os desafios da vida e respeitar as diferenças na sociedade. Obviamente, essa preferência é legítima. Para esses pais, a nota da escola no Enem serve somente como um indicador (aproximado) de quantos meses de cursinho a mais o filho terá que fazer se eventualmente quiser entrar numa boa faculdade.
Com relação aos pais que estão preocupados com o vestibular, a nota do Enem traz um sinal que deve ser entendido com cuidado. Deve-se notar, em primeiro lugar, que nem todos os alunos da escola fazem o exame, pois ele é voluntário. Somente os alunos mais preocupados com a entrada na faculdade fazem o exame. Para efeito de comparação entre as melhores escolas privadas, esse processo de seleção não atrapalha muito, pois é bastante parecido entre as escolas. É preciso mais cautela, no entanto, ao compararmos as notas das escolas públicas e privadas.
Pesquisas indicam que grande parte da diferença da nota média entre escolas reflete, na verdade, diferenças nas características dos alunos. Essa parcela chega a 70% no Brasil. Essas características refletem principalmente o que ocorreu nos primeiros anos de vida da criança. Elas estão relacionadas com o ambiente familiar, leitura em casa e uma boa pré-escola. Pais que almejam bons resultados no vestibular tem que fazer grande parte do esforço em casa, desde cedo.
As escolas com melhor desempenho no Enem são as que conseguem selecionar os melhores alunos, aqueles com vontade e capacidade de aprender, desenvolvidas desde cedo. As escolas com melhores notas, tanto as privadas como as públicas, tem um processo de seleção muito forte. Por exemplo, uma das maiores rede de ensino privado, ao colocar seus melhores alunos (dentre os milhares que atende) numa mesma unidade, conseguiu um ótimo resultado para essa unidade. O fato da escola obter um ótimo resultado no Enem não significa, necessariamente, que uma criança em particular também alcançará esse resultado. Muito depende da própria criança e de seus pais. Além disto, alguém vai precisar ensinar os alunos que não foram selecionados.
Porém, existe também o "efeito dos pares". Muitos pais colocam seus filhos nas melhores escolas esperando que eles adquiram bons hábitos de estudo com os jovens estudiosos e bem comportados que já foram selecionados para frequentar essas mesmas escolas. Esse efeito realmente existe? As evidências mostram que sim, mas ele é pequeno. Dados brasileiros mostram que cerca de 30% do efeito escola (ou seja, 9% das diferenças de notas entre os alunos) advém do efeito dos pares. Vale notar que essa diferença pode ser decisiva para entrada nas melhores faculdades. Nesse sentido, pesquisas mostram que escolas que separam as turmas de uma mesma série de acordo com a capacidade prévia dos alunos atingem melhores resultados para todos.
Mas, será então que as melhores escolas poderiam funcionar como um clube, reunindo os melhores alunos num local agradável durante alguns anos, sem ensinar nada, esperando os bons resultados do Enem? Claro que não. As melhores escolas tem boas práticas de ensino. Ajudadas por alunos bem comportados, com vontade e capacidade de aprender, elas conseguem "puxar" mais o ritmo do estudo, cobrir mais tópicos durante o ano, fazer avaliações constantes, além de fazer um preparo especial para o vestibular.
Por sinal, esse é um dos principais problemas das escolas públicas. Como elas podem alcançar boas notas no Enem se atendem alunos que, em sua maioria, não aprenderam a gostar de estudar? Mesmo um aluno com vontade e capacidade de aprender terá muitas dificuldades para fazê-lo numa classe em que a indisciplina é generalizada, em que o professor não consegue manter a classe em silêncio para ensinar. Existem escolas públicas que conseguem ultrapassar essas barreiras e conseguir bons resultados. Seus diretores e professores são exemplos para todos, mas, infelizmente, são a exceção.
Em suma, quanto os pais devem pagar pela escola dos seus filhos? Afinal, pagar por uma boa escola significa abrir mão de várias coisas. A mensalidade escolar no Brasil está entre as mais caras do mundo. Os dados mostram que a mensalidade está relacionada com o desempenho dos alunos, mesmo controlando pela vontade de aprender e pelo efeito dos pares. Em São Paulo, por exemplo, um aumento de 10% na mensalidade aumenta a nota do Enem em cerca de 2%. Façam suas apostas!
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*Naercio Menezes Filho professor titular e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras.
E-mail: naercioamf@insper.edu.br
Fonte: Valor Econômico online, 20/08/2010
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