A Boa Nova deve ser anunciada a todos.
Alguns padres operários explicam como a Igreja,
tornando-se uma religião no decurso dos séculos, se apropriou, desnaturando-a,
da mensagem de Jesus Cristo, tornando-a, por isso, inútil àqueles
que buscam Deus em verdade.
A reportagem é de Bernard Rivière,
publicada na revista Témoignage Chrétien, 13-08-2010.
A tradução é de Benno Dischinger.
“La sortie de la religion, est-ce une chance?" [A saída da religião é uma chance?], de Michel Gigand, Michel Lefort, Jean-Marie Peynard, José Reis e Claude Simon (Ed. L’Harmattan, 193 p.), é um livro fruto da participação de muitas mãos, das quais seria demasiado longo elencar todos os autores. Citaremos, no entanto, alguns, sobretudo e fundamentalmente aqueles de uma “mão” formada por cinco padres operários do Calvados, que são base do projeto do livro. Encontramos freqüentes citações de teólogos: do jesuíta Joseph Moingt, do pastor Dietrich Bonhoeffer (morto em campo de concentração em 1945), de Hans Küng...; de pensadores e filósofos: Marcel Gauchet, Mary Balmary, Jacques Duquesne...; de bispos, padres e leigos em grande número...
Juntamente com suas palavras, suas experiências pessoais, suas convicções, suas expectativas, unidas pela fé em Jesus Cristo solidamente ligada ao coração, querem comunicar aos leitores e, além destes, aos que crêem, que “a essência da mensagem evangélica é que a humanidade se realize plenamente”. Não por força de longas disputas teológicas nem de discursos de cátedra, mas através do olhar de amor que tentaram dirigir aos seus companheiros de trabalho, estes padres tomaram consciência, uma consciência de fé viva, de que “passou-se o tempo em que se podia dizer tudo aos homens com palavras teológicas e piedosas... Estamos caminhando para uma época totalmente sem religião” (1).
Apropriação
Desde o segundo século da nossa era nascem as primeiríssimas e esporádicas comunidades de discípulos de Jesus, com freqüência secretamente, sem nenhuma intenção oculta de criar uma religião, na lembrança da amizade de Jesus que alguns afirmam ter ressuscitado. A mensagem evangélica lentamente se propaga entre os “testemunhos” que naturalmente procuram, de maneira espontânea, transmitir a mensagem da Boa Nova. Pouco a pouco – era inevitável? – certa organização, em geral passageira, tomará forma a partir do século IV, com o impulso de Constantino e de Teodósio. E foi nos séculos seguintes que rapidamente tomará predomínio o aspecto institucional, sufocando por vezes e com demasiada freqüência, a espontaneidade de uma fé que em geral apenas quer difundir-se.
No Noroeste
Alguns padres do Calvados perceberam em sua vida de todos os dias, durante seu serviço como padres e trabalhadores, que a mensagem de Jesus nos séculos XX e XXI se tornara inaudível. Os primeiros capítulos do livro apresentam múltiplos testemunhos dados por eles mesmos e por seus companheiros operários que exemplificam a deriva da Igreja que se tornou, de humilde e a serviço da Boa Nova, uma instituição humana que é chamada “religião”. Joseph Moingt resume assim a evolução: “O seguimento desta história – que não manteve as promessas das origens – pode ser resumido dizendo que pouco a pouco, na Igreja, a forma da religião encobriu a do anúncio, em vez do contrário! O anúncio é apelo à liberdade, a religião é a constrição de uma determinada via de salvação. Desta conversão da Igreja em simples religião, que transformava o convite à salvação em injunção ameaçadora, se derivou o fato de que ela não tem mais uma linguagem religiosa, tecida de mandamentos, de mistério e de simbolismos sagrados” (2). Desta convicção nasce, então, uma longa, simples e apaixonante descoberta daquilo que pode ser ainda hoje o anúncio da Boa Nova.
A prática
Ser “praticante” consiste em contribuir ao êxito e ao crescimento da humanidade e não em executar atos rituais de uma religião. “Ser cristão, dizia Bonhoeffer, significa tornar-se radicalmente humano e convidar também outros a se tornarem tais”. Assim convida a reintegrar o homem ferido, nu, prisioneiro e enfermo na sociedade dos homens. “O que fizerdes ao mais pequenino, o fazeis a mim” (Mateus 25, 31-46). A salvação assume, nesta perspectiva, outro sentido. A libertação do jugo da religião é um dos aspectos trazidos por Jesus. É o Reino que é preciso testemunhar e a Igreja só tem sentido se o que ela faz e diz estiver a serviço da vida e da felicidade dos homens, abrindo-os, assim, ao verdadeiro projeto de Deus.
E, se os autores, como uma espécie de resumo da obra, afirmam, sob risco de chocar: “Deus se fez presente numa humanidade a humanizar, isso obriga a pensar num Deus em devir, Deus empenhado na história dos homens. Deus não será totalmente Deus enquanto a humanidade não estiver realmente de pé, autenticamente humana”. E terminam – ou quase – seu ensaio com um parágrafo importante: “A salvação (o êxito da humanidade) se joga hoje, no cotidiano da vida”.
“Ser cristão, dizia Bonhoeffer, significa
tornar-se radicalmente humano e
convidar também outros a se tornarem tais”.
Estas conclusões, baseadas na experiência de homens de fé empenhados no mundo operário, se dirigem também a todos aqueles que querem viver intensamente sua fé, seja qual for o contexto em que vivem: “Sim, nós cremos que não haja outro lugar para encontrar Deus a não ser a humanidade”. “O cristianismo é a religião da saída da religião”, escreve com certo humorismo, mas seriamente, Marcel Gauchet. (3).
É um livro muito fácil de ler que convida cada um a interrogar-se sobre a própria fé: “Creio em Ti, Deus em devir, Deus movimento, Deus presente, mas ao mesmo tempo futuro. Deus que nos liberte e também nos ajude a desembaraçar-nos do pó das nossas certezas” (Claude Simon).
Notas:
1 - MOINGT, Joseph, Dieu qui vient à l’homme [Deus que vem ao homem], Le Cerf, 2002
2 - BONHOEFFER, Dietrich, Résistance et soumission, Lettres et notes de captivité [Resistência e submissão, Cartas e notas do cativeiro], Les Éditions Labor et fides.
3 - La condition historique [A condição histórica], Stock 2003.
_____________________________Fonte: IHU online, 21/08/2010
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