domingo, 29 de agosto de 2010

Deus

FERNANDA TORRES*

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A eleição virou um fenômeno de massa, midiático, que age em favor próprio

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NA ESPERANÇA de ver os candidatos ao vivo, fui ao encontro do Fórum Nacional na Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro. O fórum é uma associação apartidária de crânios privilegiados que estuda maneiras viáveis de modernizar o Brasil.

Serra fez forfait e Dilma enviou Michel Temer. Marina e Plínio compareceram. A sessão foi presidida por Reis Veloso, ministro do Planejamento de Médici e Geisel e um dos responsáveis pelo milagre brasileiro nos anos 70.

Quando eu era adolescente, qualquer homem público ligado aos militares era visto como a encarnação viva do Lobo Mau. Hoje, é curioso perceber que a agenda econômica da ditadura não se afasta muito da dos candidatos de esquerda que disputam a Presidência.

Veloso fez uma impecável explanação histórica do nosso atraso. Comparou o PIB, a taxa de crescimento, tocou na tragédia inflacionária e desfiou todo o rosário de números que paira acima das convicções partidárias para apresentar o inteligentíssimo documento de propostas do fórum.

Quarenta anos depois da revolução de 64, a ideologia não norteia mais nossas decisões. A economia tomou seu lugar. A economia e os interesses eleitorais.

Graças ao voto obrigatório e ao crescimento da população, a eleição se transformou em um fenômeno de massa, midiático, que age em favor próprio.

A corrida eleitoral fomenta os caixas dois, os bilhões gastos em propaganda, os conluios imperdoáveis e a retórica para boi dormir dirigida a currais de eleitores com nível zero de educação.

A democracia não funciona. O problema é que não encontraram um sistema melhor; as opções são terríveis.

Depois de Veloso, Marina Silva abriu seu discurso agradecendo a Deus.

Uma senhorinha paulistana confessou ao padre engajado que vai votar em Marina porque, para Dilma, Lula é Deus, para Serra, São Paulo é Deus, e para Marina, Deus é Deus mesmo.

Já o filho adolescente de um amigo meu se revoltou ao saber que o pai votaria na ex-ministra. "Mas ela é criacionista!", disse o menino. Ao que o pai respondeu: "Mas os outros são se-criacionistas, meu filho!"

Marina é monoteísta e monotemática.

Ela relembrou as catástrofes causadas pelas mudanças climáticas e repetiu, com razão, que o desenvolvimento sustentável passa por todos os problemas capitais do Brasil: educação, saúde, saneamento...

Concordo. Só tenho dificuldade quando a ex-ministra afirma que escolherá os melhores quadros, criará as ferramentas mais eficazes e julgará o que for mais justo, mas não explica, na prática, como concretizará tais mudanças.

E Deus sabe como é difícil.

No fórum, depois que Reis Veloso citou a frase da "Economist" ("a natureza foi generosa demais com o Brasil"), Marina narrou sua luta no ministério, e mais tarde no Senado, para aprovar as leis de proteção da biodiversidade brasileira. Foi derrotada em todas as instâncias.

Esse fato me fez pensar. Dilma não precisa de mim. É só vê-la sóbria e sólida na campanha de TV. Dilma já está presidente. O programa de Serra é estranhíssimo, mais populista que o dos populistas, e o enquadraram na frente de um cartaz do Cristo Redentor cujos braços abertos parecem sair de dentro de suas orelhas. Será que ninguém notou?

O PSDB entregou para o DEM a candidatura de um político valioso como José Serra. Como pôde?

Eu nunca votei para ganhar. Depois do encontro na ABL, tive vontade de exercer meu voto útil e fortalecer as forças contrárias ao extrativismo atávico tão bem representado no Congresso.

Até outubro, decido. Quem sabe com a ajuda de Deus.
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*FERNANDA TORRES é atriz
Fonte: Folha online, 29/08/2010

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