segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Comércio Brasil e EUA

Entrevista - Gabriel Rico

Presidente da Câmara Americana de Comércio vê a sucessão no Brasil
 como uma janela para impulsionar o intercâmbio bilateral

A recuperação lenta e ainda incerta da economia americana não desanima as empresas brasileiras que mantêm negócios com a maior potência mundial. Gabriel Rico, presidente da Câmara Americana de Comércio (Amcham), acredita que há janelas de oportunidades abertas em quase todos os segmentos e avalia que, com a sucessão presidencial a partir do próximo ano, será inevitável que os dois países intensifiquem relações, o que impulsionará o comércio.
Apesar disso, Rico adverte que o Brasil precisa atacar com urgência velhos gargalos estruturais que emperram a competitividade. Gastar menos com o custeio do Estado e baixar a guarda para que acordos bilaterais possam ser fechados também são algumas das recomendações. Segundo ele, as contrapartidas virão. “O Brasil terá mais oportunidades de entrar no mercado americano não só com carne e etanol”, diz.
O avanço da China sobre a pauta de exportações e importações brasileiras preocupa a Amcham, assim como as investidas diplomáticas dos que, eventualmente, emitem sinais contraditórios para quem quer comprar e vender. “O Brasil tem importância mundial em determinados casos, sendo considerado uma grande potência. Agora, não somos potências em todos os campos. Quando nos lançamos sobre áreas em que não temos vivência histórica, acho que vivemos uma fase de quem está crescendo, talvez uma adolescência. O Brasil não é potência nuclear”, reforça. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

Hora de discutir a relação com os EUA


Temos de ser pragmáticos.
Se a opção por negociar em bloco tivesse trazido resultado,
a gente diria: ótimo.
 Mas não trouxe.”


A importância relativa do país aumenta.
É muito mais fácil fazer negócios com o Brasil do que
com a Rússia,
 com a China e
com a Índia.”

Qual é a importância do Brasil no contexto mundial?
Houve duas grandes viradas, duas mudanças de impacto. A primeira diz respeito ao aspecto macroeconômico. Hoje, temos solidez e isso nos deu um diferencial em relação aos demais países da América Latina. A segunda mudança é o fortalecimento do mercado interno, com a redução da classe D e E, e o crescimento das classes A, B e C. Esses componentes não vão mudar no próximo ano.

Independentemente do governo que for eleito?
Quem quer que seja o governo, até porque aventuras no campo econômico não compensam mais no campo político. Quem faz aventuras na economia, em geral, paga nas eleições. E hoje, nenhum governante toma esse risco.

E quanto aos obstáculos que emperram um avanço mais acelerado do país?
O Brasil tem claríssimos gargalos na sua competitividade internacional. Embora sejamos uma das 10 maiores economias do mundo, quando nos deparamos com relatórios que tratam desse tema, o país é o 54º em um grupo de 133 nações. Existe um disparate, é preciso fazer algo. São quatro gargalos: a deficiência de mão de obra qualificada; a falta de infraestrutura, incluindo as dificuldades de planejamento; a complexidade jurídica, um emaranhado de normas sem fim; e a ineficiência do Estado brasileiro, que arrecada muito e não consegue investir.

O gasto corrente preocupa?
A velocidade do aumento do custeio público é maior do que o crescimento da economia. Essa alta está comprometendo estruturalmente a modernização do país. E para complicar, se o governo não tem todo o dinheiro para investir, ele precisa agregar a iniciativa privada. Só que para isso acontecer é necessária a segurança jurídica que incentive as empresas. Esses são os nossos nós que podem reduzir o ritmo de crescimento do país nos próximos anos.

Esse debate ainda não foi colocado de forma clara nessas eleições. Ele não atrai?
Não atrai porque, infelizmente, falta qualificação da própria audiência. Temos a carência da educação. O país precisa de um salto qualitativo de gestão muito grande. Isso tem de acontecer. O próximo governo tem de atacar essas áreas. Defendemos que isso não seja um projeto de governo, tem de ser um projeto de Estado. A linha mestra deve seguir para que o Brasil se torne potência.

O próximo governo vai se aproximar mais dos Estados Unidos?
Vejo com muita esperança, qualquer que seja o governo. Não simplesmente pela troca, mas porque está se tornando evidente a enorme oportunidade de fortalecimento das relações. Os Estados Unidos têm sua culpa nisso também, porque, ao longo de anos, o Brasil sempre foi um país importante, mas não estratégico. Hoje, os Estados Unidos olham para o Brasil como estratégico, porque em todas as grandes questões o país é importante.

O Brasil tem se posicionado muito politicamente, expressando posições a favor do Irã, não reconhecendo o governo de Honduras. Há críticas dos Estados Unidos, parece até que as relações se desgastaram um pouco. Isso atrapalha?
O Brasil tem importância mundial em determinados casos, sendo considerado uma grande potência. Se falamos em produção de alimentos, por exemplo, o potencial de crescimento é enorme. Em questões de meio ambiente, também. O mesmo vale para as relacionadas à água e à geração de energia. Agora, não somos potências em todos os campos. Quando nos lançamos sobre áreas em que não temos vivência histórica e até diplomática, acho que vivemos uma fase de quem está crescendo, talvez uma adolescência. O Brasil não é potência nuclear. Questões dessa natureza são discutidas por grandes potências nucleares. A presença do país soa como um corpo estranho nesse clube fechado. Está procurando seu espaço, mas temos de caminhar com prudência, porque as relações têm vasos comunicantes.

E em relação especificamente ao Irã?
Não vimos até agora repercussão nas relações comerciais. Mas vimos, sim, que existe uma evolução muito lenta no ritmo das negociações de acordos bilaterais de acordos com os Estados Unidos. E isso é preocupante, é estratégico e não temos cuidado como deveríamos.

O senhor pode ser um pouco mais específico?
Na América Latina, há exemplos de países com níveis de crescimento e modernização muito interessantes. O Chile fechou um acordo de livre comércio com os Estados Unidos no início dos anos 1990 e teve um crescimento ímpar e um nível de qualidade de vida incomparável. Outros países, como a Costa Rica e o Peru, também. O Uruguai, com muita habilidade, assinou um acordo de comércio e de investimentos com os americanos sem macular as relações com o Mercosul, mostrando que existem brechas a ganhar na relação com os Estados Unidos. O Brasil avançou muito pouco nessa direção. Então a política com o Irã, concretamente, não afetou, mas as relações comerciais e o encaminhamento de acordos estão muito aquém do dinamismo da iniciativa privada dos dois lados.

Por opção, o Brasil prefere fechar acordos em bloco e não bilaterais. Quer dizer que isso atrapalha?
Temos de ser pragmáticos. Se a opção por negociar em bloco tivesse trazido resultado, a gente diria: ótimo. Mas não trouxe. E vemos aí outros países que, por meio de acordos bilaterais, têm conseguido grandes avanços. O Brasil deve trabalhar agressivamente nas relações bilaterais.

Talvez por esse motivo os Estados Unidos tenham perdido parte considerável da importância comercial com o Brasil, cedendo espaço para a China?
A queda tem dois motivos fundamentais. O primeiro é que os Estados passaram por uma crise muito forte, reduzindo as importações. O outro aspecto é que, com a enorme demanda chinesa, o Brasil passou a exportar muito mais commodities para a China. Mas temos de tomar cuidado para não nos transformamos em um grande fornecedor de produtos básicos para lá e daqui a pouco sermos grandes compradores de produtos acabados chineses, que são produzidos a custos muito inferiores se comparamos ao que se produz aqui. O Brasil de curto prazo está em uma situação interessante, mas temos de olhar isso. Há 20 anos, a indústria brasileira representava cerca de 36% do PIB. Hoje, responde por apenas 22%. Essa queda é muito séria.

Seria o caso de incrementar ainda mais a pauta de exportações brasileiras para os Estados Unidos, tentando vender carne in natura e etanol, por exemplo?
O Brasil será o maior produtor e o maior exportador de alimentos do mundo. Temos terra, clima favorável, tecnologia. As condições são gigantescas. Sem dúvida, o país deverá entrar no mercado americano com etanol. A tarifa que incide sobre o produto nacional tende a cair. No caso do etanol, porém, o grande gol não é a eliminação da taxa adicional que existe nos Estados Unidos (o combustível paga um imposto de 2,5%, além de US$ 0,54 por galão). O Brasil deve se unir aos americanos para regulamentar os padrões internacionais e fazer do etanol uma commodity. Quando isso acontecer, vai poder exportar muito mais etanol, não necessariamente para os Estados Unidos, mas para o mundo todo. O importante é usar com inteligência a relação e não bater de frente com lobbies estruturados.

E os subsídios americanos?
O governo Obama definiu uma meta na qual eles precisam dobrar as exportações em cinco anos. A economia americana é muito forte em produtos acabados, em tecnologia de ponta e serviços. Para eles dobrarem as exportações não poderá haver mácula, não pode haver subsídio agrícola do passado. Vai ser preciso limpar tudo. O Executivo tem dificuldade porque há resistências no Congresso americano, que está lá para defender algumas culturas. Existe uma discussão, mas a pressão do governo é que na Farm Bill (lei que consolida os programas da política agrícola americana até 2012) se limpe muito os subsídios. O Brasil terá mais oportunidades de entrar no mercado americano não só com carne e etanol.

O fato de a crise internacional ter fragilizado tanto a economia americana e, no momento, o governo Obama estar tão voltado para questões internas não dificultam a aproximação com o Brasil?
De um lado atrapalha, porque na hora da crise é natural se olhar para as necessidades internas. Mas, por outro lado, a importância relativa do Brasil aumenta. É muito mais fácil fazer negócios com o Brasil do que com a Rússia, com a China e com a Índia. O que eu acho muito interessante nos Estados Unidos é que eles separam política externa de comércio. Hugo Chavez está aí, com conflitos evidentes, e os Estados Unidos seguem importando muito e muito bem petróleo de lá. O mesmo vale para a China. A vida continua. Os americanos são muito pragmáticos. E o Brasil, em seu modelo, junta política externa com negociação. Às vezes, isso pode trazer dificuldades. Na medida em que o mundo se torna mais complexo e o Brasil, mais importante, há de se pensar nesse aspecto.
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Reportagem: Vicente Nunes e Luciano Pires
Fotos: Kleber Lima/CB/D.A Press

Fonte: Correio Braziliense online, 16/08/2010

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