ENTREVISTA TYLER BRÛLÉ
Brulé em Tóquio; para o editor canadense,
leitura em papel dá mais prazer que no iPad
O que me atrai hoje é o pós-luxo, que o Japão vive
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EDITOR DA REVISTA "MONOCLE" DEFENDE
A PRODUÇÃO ARTESANAL
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Criador de revistas que se tornaram bússolas da classe AAA no mundo, como "Wallpaper" e "Monocle", o editor canadense Tyler Brûlé, 42, acha que o verdadeiro luxo tem relação hoje com o que é "artesanal, que não pode ser replicado em uma linha de montagem chinesa".
Ele defende a preservação de profissões manuais ""nas grandes cidades", pois "há muita gente disposta a pagar por um produto ou experiência exclusivos".
Também colunista do "Financial Times", Brûlé esteve na semana passada em São Paulo, onde quer abrir uma loja, com produtos da "Monocle" feitos em parceria com empresas como Blackberry e Commes des Garçons.
Ele recebeu a Folha no hotel Fasano para a entrevista abaixo.
Alfaiate em Beirute
Na última década, nunca tanta gente viajou, comprou e usufruiu do luxo na história. Como as grifes estão por todos os lados, as pessoas querem algo único, exclusivo. Acho que o luxo tem a ver com o artesanal, com o que não pode ser feito em série em uma fábrica chinesa.
Há profissões artesanais, ofícios que você já não encontra mais em Londres.
Mas, se você for a Beirute, vai achar marceneiros, alfaiates, chapeleiros que ainda guardam as técnicas e a sabedoria de séculos.
Há gráficas seculares, que fazem cartões de visita únicos. Isso é luxo.
Sem deslumbramento
O que me interessa é o pós-luxo, que o Japão já vive. Por três décadas, eles compraram, usaram e se desfizeram de todas as grandes marcas, dos produtos mais caros, já não se impressionam com qualquer coisa. Deram a volta ao mundo, como turistas.
Imagina quem está acostumado com aquelas lojas de arquitetura delirante em Ginza e chega a Londres ou a Paris? Deus proíba que eles vejam o horror do varejo nos Estados Unidos.
Bric injusto
O Brasil tem um "soft power" muito além da ONU ou da OMC. Vocês sempre organizam as melhores festas, são os mais animados. Colocar vocês com os Rics é injusto. Quem quer ter casa de veraneio na China, na Índia ou na Rússia? Nenhum desses três teve imigração em massa, a diversidade étnica deles surgiu por expansionismo.
Vocês têm comunidade libanesa, japonesa, do mundo todo, sem a culpa do passado colonialista da Inglaterra.
Marcas brasileiras
Petrobras e Vale não chegam ao consumidor final europeu ou americano. E muita gente deve achar que a Embraer é alemã. Vocês precisam de marcas além das Havaianas.
Em São Paulo, você tem hotéis e restaurantes do mais alto nível, mas isso não se traduz em marcas. A TAM não é competidor global. Não dá para chorar para sempre pelo passado glorioso da Varig. Por que não existe uma rede de hotéis brasileira, uma Marriott tropical? No Brasil, vocês têm gente amável, o que é 50% no negócio da hospitalidade. Na Europa não se acha "staff" que sorria.
Arquitetura
Há duas décadas os arquitetos-estrela estão construindo pelo mundo inteiro. Finalmente vão construir em São Paulo e no Rio. Sou fã da geração dos anos 50 e também do Isay Weinfeld. Tenho curiosidade sobre a nova geração daqui, mas é bom que esses estrangeiros chacoalhem as coisas no Brasil, que estavam meio paradas, e construam prédios diferentes.
iPad
Meus leitores não são homens das cavernas, são conectados. Mas acho que a mídia tradicional está repetindo os erros da década passada, quando torrou milhões com a internet sem ter testado o meio, sem saber como faturar com ele.
O mesmo se repete com o iPad. Há investimentos milionários sem foco. Jornais e revistas estão desviando dinheiro que deveria estar em escritórios no exterior, boas reportagens, grandes fotógrafos. Oferecer notícias de graça foi outro grande erro.
Coração no papel
Aprendo muito quando paro em uma banca de jornais no Japão ou em Taiwan. Há revistas de vários formatos, tamanhos e papéis, com belos suplementos especiais.
Quis fazer a "Monocle" assim, com vários tipos de papel em uma mesma edição, com fotos analógicas, muito melhores que as digitais, criar uma experiência táctil.
Os japoneses passaram pela febre digital muito antes que o Ocidente, já estão em outra. As revistas do Japão têm sites bem pobrinhos. O coração deles está no papel.
Jornal
Acabo de lançar uma edição especial em formato jornal, a "Monocle Mediterraneo". O jornal suporta areia, sol, não reflete a luz e é à prova de protetor solar. Nada é mais patético que tentar ler no iPad na praia ou na piscina, tendo que cobrir a cabeça para evitar reflexos no visor.
PERFIL
Afeganistão mudou vida de jornalista
Uma tragédia no Afeganistão fez Tyler Brûlé criar a revista "Wallpaper" em 1996. Um ano antes, ele fazia uma reportagem como free-lancer sobre os Médicos sem Fronteiras durante o regime Taleban quando seu jipe foi atacado por militantes. Brûlé foi atingido nas pernas e nos braços (o esquerdo continua quase imóvel).
Em uma cama de hospital, cercado por amigos, Brûlé teve a ideia de criar a "Wallpaper", publicação que mescla arquitetura, viagens, gastronomia e moda, uma espécie de guia de estilo de vida para milionários boêmios e voyeurs desse mundo.
Em apenas um ano, a revista fez sucesso, virou adjetivo e foi vendida para a "Time" por US$ 2 milhões. Brûlé continuou como diretor até 2002, quando foi demitido -diz a lenda que os americanos não quiseram pagar um voo fretado de Brûlé.
De lá para cá, o jornalista canadense criou uma agência de posicionamento de marcas e design, apresentou programas na BBC, foi colunista do "New York Times" e do "International Herald Tribune" e há seis anos escreve no "Financial Times".
Há três anos ele criou a "Monocle", já descrita como a ""Economist" do fim de semana", onde Brûlé mantém design, arquitetura e moda junto a temas como política, economia, gastos militares, segurança e até quais são os lugares de maior valorização imobiliária pelo mundo.
A revista abriu lojas em Londres, Zurique, Tóquio, Nova York e Hong Kong, onde vende produtos com a marca Monocle, revistas "e posso conversar com os leitores sobre a vida", diz.
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Reportagem: RAUL JUSTE LORES EDITOR DE MERCADO PERFIL
Afeganistão mudou vida de jornalista
Uma tragédia no Afeganistão fez Tyler Brûlé criar a revista "Wallpaper" em 1996. Um ano antes, ele fazia uma reportagem como free-lancer sobre os Médicos sem Fronteiras durante o regime Taleban quando seu jipe foi atacado por militantes. Brûlé foi atingido nas pernas e nos braços (o esquerdo continua quase imóvel).
Em uma cama de hospital, cercado por amigos, Brûlé teve a ideia de criar a "Wallpaper", publicação que mescla arquitetura, viagens, gastronomia e moda, uma espécie de guia de estilo de vida para milionários boêmios e voyeurs desse mundo.
Em apenas um ano, a revista fez sucesso, virou adjetivo e foi vendida para a "Time" por US$ 2 milhões. Brûlé continuou como diretor até 2002, quando foi demitido -diz a lenda que os americanos não quiseram pagar um voo fretado de Brûlé.
De lá para cá, o jornalista canadense criou uma agência de posicionamento de marcas e design, apresentou programas na BBC, foi colunista do "New York Times" e do "International Herald Tribune" e há seis anos escreve no "Financial Times".
Há três anos ele criou a "Monocle", já descrita como a ""Economist" do fim de semana", onde Brûlé mantém design, arquitetura e moda junto a temas como política, economia, gastos militares, segurança e até quais são os lugares de maior valorização imobiliária pelo mundo.
A revista abriu lojas em Londres, Zurique, Tóquio, Nova York e Hong Kong, onde vende produtos com a marca Monocle, revistas "e posso conversar com os leitores sobre a vida", diz.
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Fonte: Folha online, 15/08/2010
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