terça-feira, 17 de agosto de 2010

O acaso, a vida e a poesia

Lázaro Guimarães*

O que há de comum entre o ganhador de loteria que faz uma conta errada de multiplicar (sonha sete vezes sete e joga no número 48), a meteórica ascensão do empresário Bill Gates, as pesquisas de Blaise Pascal sobre a teoria das probabilidades e o sobe e desce dos candidatos nas pesquisas eleitorais? O andar do bêbado, livro do físico norte-americano Leonard Mlodinow (Rio, 2009), responde com uma bela exposição sobre o acaso que determina nossas vidas.

Por isso o homem necessita da arte para superar os azares da realidade e aproveitar ao máximo a sua capacidade de criar e compreender o sentido de viver. É assim que o poeta Ruy Espinheira Filho transporta o leitor de Sob o céu de Samarcanda (Bertrand, Brasil, 2009) ao lugar que nem por ser pura e lírica criação deixa de expressar a essência da alma humana.

Mlodinow, que ensina as teorias da aleatoriedade no Instituto de Tecnologia da Califórnia, vale-se dos trajetos seguidos por moléculas ao flutuarem pelo espaço para mostrar como a vida se forma e desenvolve a partir de acontecimentos semelhantes ao caminhar cambiante do bêbado.

Uma de suas lições é a de que as explicações sobre os eventos são possíveis numa análise posterior, mas insuficientes quanto a prognósticos, em virtude dos inúmeros fatores que determinam os resultados das ações humanas e os fatos da natureza. No rastro dos caminhos do sucesso, com base na obra de cientistas, artistas, esportistas e políticos, revela como o imprevisto, a pura sorte, é preponderante. E conclui:

“Acredito que seja importante planejar a vida, se o fizermos de olhos bem abertos. Porém, acima de tudo, a experiência de minha mãe (sobrevivente do holocausto) me ensinou que devemos identificar e agradecer a sorte que temos e reconhecer os eventos aleatórios que contribuem para o nosso sucesso. Ela me ensinou, também, a aceitar os eventos fortuitos que nos causam sofrimento. E, acima de tudo, ensinou-me a apreciar a ausência de azar, a ausência de eventos que poderiam ter nos derrubado e a ausência das doenças, da guerra, da fome e dos acidentes que não ou ainda não nos acometeram”.

Essa também é a reflexão que se extrai do poema de abertura, Canção do efêmero com passarinho e brisa, do livro de Ruy Espinheira Filho, nesses versos: “Ainda escuto o seu trinado garantindo-me o existir. Mas precária garantia, como aprendi com a brisa de que se compõe o dia; se o tempo passar um pouco, nada mais que um pouco, logo não estarei mais aqui”. Ou em Reflexões ao crepúsculo, quando diz: “E assim faz-se a vida: indo tanto em penugem de corvo como em alegria abrindo manhãs no que era torvo”.

Esse novo trabalho de Ruy já está entre os semifinalistas do Prêmio Portugal Telecom. Doutor em Letras, professor da Universidade Federal da Bahia, membro da Academia de Letras da Bahia, o poeta é jornalista com mais de 40 anos de militância profissional.

Anos atrás, a ministra Ellen Gracie ilustrou a sua mensagem de Natal com um poema de Ruy que integrava com perfeição o reflexo do sol sobre a arquitetura da sede do Supremo Tribunal Federal, uma escolha que certamente não se fez ao acaso, mas que já apontava para o reconhecimento internacional da obra do poeta baiano.
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*Magistrado e professor universitário

jlaz@uol.com.br
Fonte:Correio Braziliense online,17/08/2010

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