quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Serenidade partilhada

entrevista Carlos Vereza
Pedro Paulo Figueiredo/CZN
Carlos Vereza passa quase a mesma serenidade do espírito de luz Athael de Escrito nas estrelas. Mas a fala pausada e o olhar atento do ator de 71 anos não são as únicas semelhanças que ele guarda com o mentor espiritual do protagonista Daniel (Jayme Matarazzo) na novela das seis da Globo. Seguidor da doutrina espírita há 20 anos, Vereza se baseou em seu conhecimento da religião para compor o papel na trama de Eli-zabeth Jhin. E se diverte ao falar sobre o espanto que causa nas ruas em função do personagem. “As pessoas me olham um tanto quanto admiradas, como se estivessem mesmo vendo um espírito. Acho graça e sorrio para elas”, diverte-se o ator, que costuma ser procurado pelo elenco para tirar dúvidas sobre o espiritismo. “Tento ajudá-los a entender um pouco melhor esse universo. O Jayminho (Matarazzo), por exemplo, sempre me pergunta alguma coisa”, conta orgulhoso.

O fato de seguir a doutrina espírita há 20 anos fez diferença na composição de Athael?
O conhecimento teórico e doutrinário eu já tinha. Não construí nada porque parto do princípio de que somos todos espíritos encarnados. O que procuro é fazer com que o Athael passe uma profunda compreensão e paciência com o Daniel. O mentor vê lá na frente e sabe que essa é uma fase de evolução do garoto, que ainda não aceita que fez a passagem para o plano espiritual. Tem de ter calma e muita paciência. E essa serenidade é o principal que tento passar para o personagem.

Mas você aparenta ser uma pessoa serena. Foi só passar isso para o personagem?
Emprestei minha tranquilidade e serenidade para o Athael. Mas quem me deu isso foi o espiritismo. Eu era um pouco mais espevitado. Procurei fazer o mínimo, não ter reações bruscas. Mas, ao mesmo tempo, também não quis fazer um santinho. Tem horas em que o Athael dá bronca no Daniel. Às vezes tem de ser severo. Personagem bom para mim é todo aquele que tem contradições. Que não seja apenas uma coisa.

Escrito nas estrelas tem alcançado ótimos índices de audiência. Como avalia a importância da abordagem espiritual nisso?
Acho que o Brasil está precisando dessa novela. Acredito, inclusive, que esse é um folhetim que poderia ser exibido no horário nobre, porque o mundo está muito conflituoso. O Brasil está sem rumo e, nesta época de eleição, as coisas ficam ainda mais tensas. A novela é uma espécie de oásis durante 40 minutos. Dá um pouco de paz para as pessoas e a boa audiência prova a importância disso. A tevê cresceu tecnologicamente, mas dramaturgicamente precisa dar uma renovada. Isso deve ser buscado no grande mestre que está vivo ainda, que é Benedito Ruy Barbosa. Gosto de chamá-lo de o último dos moicanos. A Elizabeth Jhin também está se revelando como grande autora. A gente tem de ousar um pouco mais na dramaturgia. Antigamente havia mais espaço para isso.

Nos últimos anos, a maioria de seus personagens na tevê eram de época. São tipos que lhe deixam mais à vontade?
Sou contratado da Globo e eles me respeitam muito. Atores como eu, Paulo José e Othon Bastos, que fizeram muito teatro, podem ser chamados tanto para fazer uma novela contemporânea quanto de época. E fizemos muito. O teatro traz uma versatilidade, tarimba e experiência maiores. Meu objetivo é ser um ator respeitado. Não quero ser uma celebridade. Quero o conceito de respeitabilidade que tenho junto ao público. Para mim, isso é mais importante do que sair em revistas de fofoca. Até os humoristas do Pânico me respeitam. É isso que preservo.

Após 51 anos de carreira, em algum momento pensou em parar de atuar?
Nunca. Isso seria horrível. Ainda tenho muita paixão tanto pela tevê quanto pelo teatro e cinema. Comecei como figurante da Tupi, trabalhando ao vivo. Um dia virei para a minha mãe e falei “vou trabalhar na tevê hoje”. Fiquei na porta da Tupi, encostado em uma pilastra. Nisso passou o Nelson Camargo, que fazia o Monteiro Lobato no Sítio do Pica-pau Amarelo. Ele estava reclamando que alguém havia faltado, e eu aproveitei e falei “deixa que eu faço”, sem saber o quê. Ele me mandou ir ao camarim e colocar um smoking. Eu nem sabia o que era isso. Fui para o estúdio e fiquei sabendo que seria o anfitrião de um grande convidado, que era uma aparelho de televisão Philco. Assim começou a minha carreira. A partir de então, tive a certeza de que era isso que queria para a minha vida.
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Fonte:Correio Braziliense online, 18/08/2010

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